10 Julho 2020
Bruno Saintôt, jesuíta, é mestre assistente em filosofia e chefe do Departamento de Ética Biomédica do Centro Sèvres. Ele também é assessor da Conferência Episcopal da França para questões de bioética. Nesta entrevista, ele discorre sobre as escolhas feitas pelos deputados em uma comissão especial de bioética no início de julho.
A entrevista é de Olivia Elkaim, publicada por La Vie, 08-07-2020. A tradução é de André Langer.
O médico e deputado Jean-Louis Touraine estimou que o texto que revisa as leis de bioética responde a uma “emergência sanitária”, especialmente das mulheres que esperam poder recorrer a uma PMA (reprodução medicamente assistida) e das pessoas que precisam de um transplante de órgão. É urgente que este texto, longamente debatido desde 2018, seja finalmente aprovado?
Podemos entender a urgência sentida pelos casais formados por um homem e uma mulher em relação ao seu projeto de recurso à assistência médica à procriação (AMP), que é adiada por causa da pandemia. Também podemos entender o sofrimento de mulheres solteiras ou casadas – e de homens! – quem querem ter um filho. Mas a ética deve zelar pelo rigor do argumento e não manipular nossos afetos com expressões inadequadas.
Para essas pessoas, não existe “emergência sanitária” do mesmo modo que existe para pacientes com formas graves de Covid-19 ou para pessoas em espera vital e urgente por um transplante: sua vida não está ameaçada, mesmo que sintam que está diminuída. Se nos referirmos apenas à saúde como um “estado completo de bem-estar” (OMS) que potencialmente integra todos os nossos desejos de “viver mais”, seremos incapazes de definir uma “emergência sanitária”. Felizmente, durante a pandemia, a medicina e a política deram um novo sentido à emergência. O teste da realidade revela as manipulações da linguagem.
A crise da Covid-19 induziu problemáticas éticas que deveriam ser levadas em consideração no projeto de revisão? Para você, quais?
A Comissão Especial de Bioética da Assembleia prosseguiu como se a pandemia não tivesse trazido qualquer questionamento; ela perseguiu com mais determinação sua abertura a todas as possibilidades. A bioética deve redefinir suas opções éticas fundamentais e seus limites à luz da crise sanitária, econômica, social e política, raciocinando de maneira global e sistêmica. Gostaria apenas de mencionar alguns desafios. Devemos redefinir a hierarquia das prioridades de saúde pública em função de comuns da saúde, que devem ser garantidos a todos porque somos todos vulneráveis, e levando em conta as restrições econômicas.
Os próximos meses serão muito difíceis em termos econômicos (desemprego e demissões), sociais e políticos (explosão de demandas e dificuldades de uma união política e social). Não podemos defender ao mesmo tempo um modelo de solidariedade estruturado por comuns e um modelo muito liberal, um vasto mercado da saúde que aceita apenas restrições éticas mínimas e que incumbe o Estado de financiar a realização de todos os nossos desejos.
Para “cuidar” bem, é necessário dar um melhor reconhecimento social e político – e, portanto, financeiro – aos cuidadores. Isso significa redefinir as prioridades da saúde pública e rever nossos estilos de vida. Ainda precisamos pensar em como acompanhar o envelhecimento e a dependência sem reduzir a vida apenas à sua dimensão biológica e sem isolar os idosos. As situações trágicas dos Ehpad [asilos de idosos] mostraram que vivemos de confiança e de laços essenciais. Finalmente, devemos levar em consideração uma nova abordagem da saúde, global e preventiva, ligando a saúde humana, a saúde animal e a saúde dos ecossistemas (conceito de One Health: “Uma só saúde”). Nosso modelo de bioética deve ser revisto em função de uma ecologia global.
No início de julho, a Comissão Especial de Bioética examinou o texto de revisão em segundo turno e acrescentou emendas que vão além do texto inicial do governo. A emenda que objetiva autorizar o método “Ropa” (Recepção de Óvulos da Parceira, procedimento no qual uma das parceiras gesta o embrião gerado pelo óvulo da outra com esperma de doador) choca os oponentes da extensão da assistência médica à procriação. Isso deve ser visto como um primeiro passo para a barriga de aluguel?
Esta técnica revela implicitamente o desejo de que a criança seja fruto de um amor compartilhado, uma vez que cada mulher quer “dar de si mesma” na concepção. Mas a criança nascida de uma “Ropa” nunca será fruto do amor do casal, pois há necessariamente um homem terceiro doador. Como demandam com razão aqueles que fazem campanha pelo levantamento do anonimato dos doadores a pedido da criança, esse terceiro doador não deve ser mantido em segredo. A “Ropa” segue sendo testemunha do sofrimento de não poder dar um ao outro um filho. Esta técnica não prepara necessariamente para a barriga de aluguel, mas reforça a ideia de que todas as bricolagens procriativas podem ser eticamente boas.
Por que deveríamos recusar a mistura de esperma de dois homens? E por que continuar a recusar a doação dupla (oócitos e espermatozóides)? Por que recusar os gametas artificiais? Além disso, a aceitação desta técnica mostraria claramente que a inseminação não pode continuar a ser a única técnica utilizada como pretendiam os primeiros argumentos a favor do projeto de lei. De fato, a fertilização in vitro sempre será mais utilizada, porque ela permitirá a seleção de embriões a serem implantados. Mais que a “Ropa”, é a transcrição automática da filiação de uma criança nascida por barriga de aluguel no exterior que prepara juridicamente a introdução da barriga de aluguel na França. Portanto, faz-se necessária uma vigilância.
O que você acha da supressão do artigo que foi introduzido pelo Senado: “Ninguém tem direito à criança”? Teria sido sensato incluí-lo na lei?
Este artigo foi duramente criticado: inexistência do conceito ou ausência de consistência jurídica, uma vez que a criança já é sujeito de direito, riscos de questionar a assistência médica à procriação ou algumas de suas modalidades, riscos de invasão da vida privada e familiar, insistência no fato de que se trata apenas de uma questão de reconhecer a igualdade de acesso das mulheres às técnicas médicas de procriação, introdução de uma dúvida na sinceridade daqueles que pedem a assistência médica à procriação ou mesmo “provocação insultante”.
Ninguém se engane; o objetivo principal é eliminar o risco de oposição jurídica a certos desenvolvimentos na assistência médica à procriação. Se atualmente parece impossível incluir este artigo, o mais relevante seria enriquecer “os direitos da criança”, levando em consideração os sofrimentos das crianças que nascem através dessas técnicas. Deveríamos começar pelo direito de cada uma dessas crianças de conhecer suas origens e, portanto, poder conhecer a identidade daqueles que contribuíram para o seu nascimento. Desenvolver um modelo real de responsabilidade para as pessoas envolvidas na concepção da criança por meios técnicos seria uma primeira maneira de combater os excessos da assistência médica à procriação.
O Parlamento é uma salvaguarda ética ou um depósito que registra os desejos expressos pela sociedade e as necessidades relacionadas à competição internacional em matéria de pesquisa?
Alguns parlamentares se opõem a essa tendência de legitimar a maioria das demandas da sociedade, mas seguem sendo uma minoria. Outros levantam questões, mas permanecem calados por medo de parecer retrógrados ou conservadores. As reflexões éticas dos parlamentares são assombradas pelas eleições e repletas de contradições.
O progresso consiste em necessariamente oferecer mais possibilidades contra todas as objeções qualificadas como reacionárias ou religiosas? O progresso consiste sempre em mais controles seletivos sobre os nascituros enquanto finge defender os mais vulneráveis e valorizar as diferenças? Como então defender outro progresso diante das emergências ecológicas? Como, por um lado, ignorar os sentidos e limites do corpo e, por outro, querer restaurá-los? Como querer, por um lado, tornar contratuais os vínculos familiares e, por outro, fortalecer os laços sociais e a solidariedade? Como querer simultaneamente lutar contra a tirania das finanças e incentivar a corrida pelas inovações mais lucrativas e pelo mercado reprodutivo? Essas contradições, acentuadas pela pandemia, não parecem incomodar a maioria dos parlamentares.
Várias emendas adotadas na comissão ultrapassam as linhas vermelhas para os opositores: criação de quimeras por inserção de células-tronco humanas em um embrião animal, extensão do diagnóstico pré-implantação para anormalidades cromossômicas como a Síndrome de Down, a legalização da Ropa… O trabalho em torno da revisão das leis de bioética mostra como é difícil estabelecer limites. Ainda existem invariantes éticos? Quais?
A própria expressão “invariantes éticos” tornou-se suspeita para muitos porque se opõe a uma ética tão móvel quanto um cursor que move progressivamente os limites do permitido e do proibido. As proibições básicas estão sendo gradualmente removidas. Logo depois da aprovação desta lei, os defensores da eutanásia vão exigir a abolição dessa proibição. A invocação dos direitos humanos deve continuar significando que há coisas que nunca podem ser feitas, mesmo com um acordo que é chamado de democrático. Os significados éticos e jurídicos do princípio da dignidade podem ser contestados, mas continua sendo fácil entender a proibição fundamental de instrumentalizar um ser humano em benefício de outro. Os mais fracos estão bem cientes disso; os mais fortes devem continuar a aprendê-lo esbarrando na firmeza da ética e da lei. O mesmo vale para a mercantilização dos elementos do corpo (órgãos, sangue, gametas). Tudo isso não é suficiente.
Uma arte de viver bem juntos, no horizonte da morte, não pode ser cultivada defendendo apenas invariantes éticos. Não podemos viver juntos no mundo comum ameaçado por crises ambientais, crises sanitárias devido a doenças de origem animal (zoonoses), crises econômicas, sociais e políticas sem cultivar a sobriedade, a limitação dos desejos pessoais em benefício do bem de tudo, a consciência dos valores fundamentais, a busca de formas de sabedoria e de espiritualidade capazes de lidar com nossas angústias de sofrer e de morrer, dando sentido às nossas vidas ameaçadas. As proibições não são suficientes para liberar as energias do bem.
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“Nosso modelo de bioética deve ser revisto em função de uma ecologia global”. Entrevista com Bruno Saintôt - Instituto Humanitas Unisinos - IHU