17 Mai 2019
A perspectiva a partir da qual se analisa e se elabora a bioética nos países em desenvolvimento, questiona seriamente alguns dos pressupostos tidos como certos de sua orientação canônica no Norte do mundo, com o objetivo de redefinir a agenda em relação a questões e prioridades.
A reportagem é de Giovanni Del Missier, publicada por Settimana News, 15-05-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Isso foi o mais significativo que emergiu do encontro-debate Pensar e propor a Bioética. Perspectivas dos países em desenvolvimento, realizado na segunda-feira, 13 de maio de 2019, no salão magno da Academia Alfonsiana (Roma), pelo professor visitante Marcio Fabri dos Anjos, redentorista, professor de teologia moral no ISPES -Instituto São Paulo de Estudos Superiores (S. Paulo, Brasil) e membro de várias instituições relacionadas à prática da bioética.
A experiência de contato com a realidade dos pobres como pacientes e sujeitos da bioética exige um profundo repensar da redução da bioética à clínica (como herdeira da longa tradição da ética médica) e de sua focalização nos problemas de fronteira, as questões emergentes que correm o risco de ofuscar os problemas persistentes que frequentemente dizem respeito às questões mais elementares da justiça social. Os pobres impõem uma ampliação do olhar para as causas sociais das graves desigualdades que marcam os problemas de saúde pública, do acesso aos serviços de saúde e de sua qualidade. A bioética requer uma menor abstração idealizadora, em favor de sua elaboração contextual capaz de gerar uma consciência crítica das injustiças estruturais e sistêmicas, colocando em destaque as relações de saber-poder com a fragilidade humana. Isso poderia ser um antídoto eficaz contra a redução da bioética à mera biojurídica, à aplicação generalizada do duplo padrão na pesquisa clínica (injustiça na orientação dos trial sobre populações naïve), a culpabilização dos pobres pelas doenças que os afligem...
Está claro que uma abordagem semelhante amplia os horizontes da reflexão ética sobre os temas da vida e do uso das tecnologias: como o Papa Francisco indicou na encíclica Laudato Si’, a questão não é apenas setorial e especializada, mas sociocultural e antropológica. O núcleo central sobre o qual refletir é, portanto, o poder (sobre economia-finanças, conhecimento, informação, big data) seus detentores, mais ou menos ocultos, e os controles que podem ser exercidos sobre ele para proteger os sujeitos mais vulneráveis e as liberdades. Nesse sentido, a referência à autonomia, como princípio orientador da bioética ocidental, deve ser reformulada a partir de uma nova consciência da interdependência humana (princípio da vulnerabilidade) e do caráter evolutivo, condicionado e situado de toda existência concreta (princípio de socialidade/solidariedade).
Por fim, destaca-se uma questão de método que caracteriza a presença dos crentes na sociedade pós-secular pluralista: a abordagem "religiosa" também no campo bioético é desafiada a um confronto com a laicidade que requer o uso de discursos compreensíveis e de argumentações não dogmáticos. Isso implica um repensamento radical das linguagens e das razões com as quais defender as posições que a experiência cristã sugere e apoia, a fim de oferecê-las em termos persuasivos e compartilháveis. É claro que o contexto em que isso se torna possível é o de diálogo autêntico, do crédito de confiança a outros homens e mulheres que, embora não sejam cristãos, compartilham preocupações éticas autênticas e uma rica sensibilidade humana. Um diálogo com o mundo, no mundo e para o mundo.
E, analisando bem, seria um retorno às fontes da disciplina, ao seu caráter integral e global, como fora concebida pelos pioneiros: A. Leopold, F. Jahr, V.R. Potter. Uma bioética preocupada com a sobrevivência e o bem-estar de toda a biosfera, atenta também às futuras gerações e à vida não humana, sem esquecer o próximo concreto. Partindo da rejeição de toda forma de violência e no reconhecimento da fragilidade comum que deve nos tornar solícitos às necessidades do outro, próximo e necessitado, será possível a todos ter uma vida digna e abundante, segundo o "sonho de Deus".
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A Bioética nos países em desenvolvimento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU