12 Junho 2020
Nos Estados Unidos, em dezenas de cidades, as manifestações estão se multiplicando. Elas refletem, entre muitos afro-americanos e entre os brancos que delas participam, o desejo de mudar de mentalidade. Entrevista com Hasan Jeffries, professor de história afro-americana da Universidade Estadual de Ohio, que vê nestes acontecimentos uma inflexão no movimento dos direitos civis.
A entrevista é de Marie-Agnès Suquet, publicada por La Vie, 10-06-2020. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Desde a morte de George Floyd, as manifestações aumentaram. Este é um momento histórico no movimento negro-americano pelos direitos civis?
Este movimento marca efetivamente uma virada histórica pelo número de brancos presentes nas marchas ao lado dos negros para denunciar o sistema. Esta é uma crítica pública muito nova. Na década de 1960, os brancos que apoiavam os negros em sua busca pela igualdade – muito menos numerosos do que hoje – denunciaram a injustiça e o direito à dignidade. Hoje, os brancos simplesmente dizem que o tratamento reservado aos negros é desumano e que os negros são seres humanos, como os brancos.
O vídeo desse policial branco com o joelho sobre o pescoço do homem negro, até sufocá-lo, lembra os tempos de outra época, da escravidão e da segregação racial. Podemos ver nisso o símbolo da perpetuação da dominação branca sobre os negros?
Na verdade, é um símbolo da opressão dos negros pelos brancos. Os negros têm esse joelho sobre eles que os oprime há 400 anos e cuja situação é ilustrada de várias maneiras: violência policial, problema habitacional, desigualdade em termos de saúde, encarceramento em massa... Por trás do gesto desse policial, também tem o estereótipo de que os homens negros são por natureza perigosos e criminosos. Esta ideia remonta ao período da escravidão e foi incorporada pelo homem branco para justificar essa dominação. A ideia da supremacia é, portanto, um legado da escravidão, mas, acima de tudo, um dos fundamentos próprios da sociedade americana. É o pecado original da América.
Como os Estados Unidos podem superar esse pecado original?
A primeira coisa é reconhecer que os Estados Unidos estão construídos sobre um sistema desumano. A escravidão beneficiou economicamente os Estados Unidos e moldou a cultura e a sociedade americanas. Foi o racismo, assim como o capitalismo, que provocou o nascimento desta nação. Deveríamos enfrentar o nosso passado criando uma comissão da verdade e reconciliação e discutindo honestamente a questão das reparações aos negros americanos descendentes dos escravos. Isso poderia ser na forma de um plano de investimento nas comunidades afro-americanas. Os 2 trilhões de dólares encontrados para enfrentar a pandemia da Covid-19 provam que existe dinheiro. Falta, agora, a vontade para fazê-lo.
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Vidas negras importam: “Este movimento marca uma virada histórica” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU