12 Setembro 2019
Semiárido brasileiro e outras regiões do país também são afetadas pelos crimes ambientais que tem se intensificado na floresta tropical.
A reportagem é de Catarina de Angola, publicada por Articulação do Semiárido - Asa, 11-09-2019.
A maior floresta tropical do mundo, a Amazônia, sempre teve olhares de todo o planeta virados para ela. A maior parte de seu território, 60%, está em terras brasileiras, e se estendendo por outros oito países. Nos últimos meses, a floresta ganhou destaque no noticiário mundial por conta dos anúncios do aumento do desmatamento no território brasileiro. O que contribuiu para, nas últimas semanas, o aumento do número de queimadas registradas e que tem se alastrado por várias localidades e que tem causado uma verdadeira destruição.
O fogo não tem interferido apenas na dinâmica da floresta, a Amazônia tem um forte impacto no clima de todo o país. Em meados de agosto, por exemplo, a cidade de São Paulo foi tomada por nuvens baixas e carregadas, associadas a uma frente fria, mas também somada a fumaça das queimadas. O dia virou noite na capital paulista. Mas o que tem chamado também atenção nesse episódio é a postura do governo brasileiro em relação ao caso. O governo tem contestado os dados sobre o monitoramento da floresta e as informações que divulgam os impactos dessa destruição na vida da população.
O presidente Jair Bolsonaro tem, inclusive, refutado os questionamentos internacionais em relação ao caso. O fato já tem sido chamado internacionalmente de crise ambiental do governo brasileiro e levado ao corte de investimentos de outros países no Fundo Amazônia. Desde junho o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) alerta para o aumento exorbitante do desmatamento da floresta. No mês de agosto, o desmatamento na Amazônia cresceu 222% em relação ao mesmo período de 2018 e setembro já iniciou com mais de mil focos de queimadas, segundo o Inpe. No entanto, a postura do governo foi de exoneração de Ricardo Galvão, ex-diretor do instituto, no início de agosto, após o presidente brasileiro dizer em entrevista que "não tem desculpa para nenhum subordinado ao governo divulgar dado com esse peso de importância para o nosso Brasil". O governo ainda anunciou um corte de 34% na verba para combate de incêndios em 2020, cerca de 10% a menos do que o atual.
Os impactos desse crime ambiental e seu reflexo nas mudanças climáticas têm sido debatidos em todo o mundo, levando o Brasil a contínuo noticiário internacional. “O capitalismo não aceita limites, ele quer ter crescimento ilimitado o mais rápido possível, no menor tempo possível. E esse é um tema [mudanças climáticas] que se apresenta como um obstáculo para ele. Por isso eles o negam. Negam para poder continuar explorando da forma como querem, tanto os recursos naturais, quanto as pessoas, os países. Agora, que o planeta está aquecendo, isso é inegável”, explica Gerson Neto, coordenador de comunicação do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental.
Sobre a responsabilidade do aumento das queimadas, o ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, chegou afirmar, em entrevista à Rádio Jovem Pan, que a culpa pelas queimadas era da população da região. “As pessoas do Norte têm o hábito de por fogo nas coisas, atear lixo, queimar coisas. É uma cultura que vem de muito tempo e precisa ser combatida”, afirmou. Isso após o presidente Jair Bolsonaro insinuar que organizações não governamentais (ONGs) seriam as responsáveis por atear, fogo na floresta em retaliação ao governo. No entanto, alguns portais de notícias brasileiros publicaram informações de que ruralistas e grileiros teriam combinado a série de incêndios que causou o chamado “Dia do Fogo” por Whatsapp. No dia 10 de agosto aconteceram incêndios simultâneos as margens da BR163, na região de Altamira, no Pará. O Ministério Público Federal está investigando o caso.
A floresta Amazônica também está no imaginário da população mundial e isso inclui o Brasil, que, em geral, vê a região Norte do país, onde está localizada a floresta, e seus povos, distantes do restante da dinâmica nacional. Sabe-se pouco, por exemplo, da contribuição da região Amazônica como um todo para o desenvolvimento, não apenas no campo ambiental, mas também do conhecimento, das riquezas, da diversidade de povos, e do impacto real dos crimes ambientais na vida de cada pessoa em outras regiões, assim como de outros países da América do Sul. E o impacto das queimadas tem relação direta no clima.
A Amazônia é responsável pela regulação climática e distribuição das chuvas na América do Sul, num fenômeno chamado de “Rios Voadores”, que são provenientes, sobretudo, da umidade que vem dos oceanos e que entra pelo Norte do Brasil, na floresta e precipita. Essa água é bombeada pela floresta e a umidade que vem da floresta ascende na forma de vapor. Uma parte dessa umidade precipita na própria floresta, mas a outra umidade bate na cadeia de montanhas dos Andes e corre como um grande rio em direção ao Sul do Brasil. E é esse mesmo fenômeno que fez contribuiu para São Paulo parecer ser noite mesmo sendo dia, com a fumaça das queimadas que chegou no Sudeste.
“[…] Sem Amazônia, grande parte do sul e sudeste brasileiros se transformará em deserto. Não adianta tentar camuflar essa realidade, ou amenizar, como fez a reportagem da Folha de São Paulo e o Jornal Nacional, dizendo que esse fenômeno acontece todos os anos. Sim, acontece desde que as queimadas passaram a acontecer nessa época, mas não é normal, não é natural, é um processo de devastação pelo fogo. Fato é que o desmatamento e as queimadas da Amazônia aumentaram exponencialmente no último governo, sem eximir de responsabilidade os que vieram antes dele”, afirmou Roberto Malvezzi, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em artigo publicado dia 20 de agosto em seu blog.
É também nessa dinâmica de relação da Amazônia com os outros biomas brasileiros é alimentado o Cerrado brasileiro, que tem papel fundamental no armazenamento das águas das chuvas e distribuição delas para várias bacias hidrográficas, mas que também tem sido atacado pelo agronegócio. “O Cerrado, que está praticamente se extinguindo, onde é o berço dos nossos rios, a Caatinga com todo o seu potencial e a própria região Amazônica, ali a produtora das chuvas que influenciam todo o ciclo das chuvas em nosso país. Não é possível mais pensar o desenvolvimento econômico do nosso país sem a preservação desse biomas. Essa é a grande questão. E isso é muito importante ser debatido não só no Brasil, como na própria América Latina, que sempre foi um território de exploração dos seus recursos naturais, das suas terras, das suas águas, dos seus biomas”, explica Valquiria Lima, integrante da coordenação executiva da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA).
O agronegócio, com a criação de gado, o comércio ilegal de madeira e a produção de soja, por exemplo, contribui para o desmatamento e isso tem impacto no restante do país. “A Amazônia é a nossa grande reserva de carbono fora da atmosfera. Quando você queima a Amazônia, você prejudica duplamente, porque retira aquele carbono que estava preso na Amazônia, nas árvores, e joga para a atmosfera, sem nenhuma esperança que ele volte para lá. E aquelas árvores que estavam lá também para de captar o carbono que estava no ar, para o desenvolvimento delas elas tiravam, agora você pega lá e joga fora, na atmosfera. Então diminui a capacidade de resiliência do planeta com as mudanças climáticas e bota mais lenha na fogueira, literalmente”, explica Gerson.
No entanto, apesar de a Amazônia estar com os holofotes mundiais voltados para ela, o Brasil precisa refletir também sobre crimes ambientais que acontecem em outros biomas e regiões brasileiras. É necessário aumentar o alerta com relação a situação de biomas como o Cerrado e a Caatinga que tem uma contribuição imensa para a biodiversidade do país. “Nós, no Semiárido, já aprendemos que à medida que o desmatamento avança diminuiremos a nossa produção de chuvas. Com o desmatamento, teremos cada vez menos chuvas no Semiárido e vão se avançar cada vez mais as áreas de desertificação, nessa e em outras regiões. Então, é fundamental nos mobilizarmos, barrarmos o desmatamento na Amazônia”, diz Valquiria.
Para ela, a ASA também precisa refletir mais sobre a necessidade de estar mais conectada com as questões que perpassam o bioma Amazônico, para além do aumento do desmatamento neste momento. E que mesmo não estando diretamente ligado geograficamente a esse território, trazer essas reflexões para a discussão da convivência com o Semiárido, entendendo essa conexão ambiental como o ciclo da vida como um todo. E de que é fundamental que a defesa da Amazônia seja defesa da articulação também e internalizada como eixo central e fundamental no fortalecimento da convivência com o Semiárido.
O mundo está de olho na Amazônia e é em meio a esse contexto que a Igreja Católica realiza entre os dias 06 e 27 de outubro o Sínodo da Amazônia, no Vaticano. O Sínodo foi convocado pelo Papa Francisco e deve colocar a Amazônia no centro das atenções da Igreja por, pelo menos, um mês, despertando também atenção de governos, ambientalistas e pessoas e empresas de todo o mundo. A Igreja Católica nesse momento contribui para que as atenções do mundo estejam voltadas para a região Amazônica e os povos que nela vivem. De acordo com a Rede Eclesial Pan-Amazônica, o Sínodo é uma resposta do Papa Francisco à realidade da Pan-Amazônia.
“O Sínodo é um espaço onde a Igreja Católica debate temas de relevância mundial com o Vaticano. Então, trazer o tema da Amazônia como essa relevância demonstra o compromisso da Igreja Católica com as questões ambientais e com a casa comum. A casa comum no sentido de que a humanidade precisa compreender que aqui estamos para interagir, não apenas o ser humano com o ser humano, mas o ser humano com o seu ambiente, com o território, com as águas, com as terras, com a biodiversidade e com todas as formas de vida”, explica Valquiria.
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Amazônia é responsável pela regulação climática e distribuição das chuvas na América do Sul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU