07 Dezembro 2018
A ciência diz que o tempo está acabando. Os relatórios dizem que as nações estão tristemente atrasadas.
A reportagem é de Brian Roewe, publicada por National Catholic Reporter, 04-12-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É diante desse pano de fundo que a última Cúpula do Clima das Nações Unidas foi aberta na Polônia nesta semana. O Vaticano e organizações católicas, com base nos ensinamentos papais de João Paulo II até Francisco, uniram-se ao esforço mais amplo dos primeiros dias da conferência e daqueles que o antecederam para imprimir nos líderes mundiais a necessidade de uma resposta mais rápida para enfrentar “um desafio civilizacional”, pois os cientistas projetam que o perigoso aquecimento do planeta está a apenas décadas de distância.
A conferência anual das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas, a COP-24, começou no dia 2 de dezembro em Katowice, Polônia, um histórico centro de mineração de carvão em um país que lidera a Europa na produção desse produto. Embora a fonte do combustível tenha estimulado o crescimento mundial desde a Revolução Industrial, sua queima também emitiu dióxido de carbono na atmosfera, um dos gases do efeito estufa que aprisiona o calor e aumenta a temperatura global desde os anos 1880.
Embora Katowice seja considerada a cidade “mais verde” da Polônia, os primeiros participantes da COP-24, que tem várias empresas de carvão entre seus patrocinadores, observaram exposições de carvão no centro de exposições e relataram uma espessa poluição pairando sobre a cidade do sul do país.
O que também está pairando é um sentimento de pressentimento, se o atual ritmo de resposta às mudanças climáticas persistir.
“Estamos em apuros. Estamos em grandes apuros com as mudanças climáticas”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, proferindo poucas palavras em seu discurso de abertura da conferência.
“É difícil exagerar a urgência da nossa situação. Mesmo quando testemunhamos impactos climáticos devastadores causando estragos em todo o mundo, ainda não estamos fazendo o suficiente, nem avançando o suficiente, para evitar uma disrupção climática irreversível e catastrófica”, afirmou.
Na COP-24, espera-se que os líderes mundiais finalizem um livro de regras para implementar o Acordo de Paris, incluindo o modo como os países irão relatar o seu progresso, ou a sua falta, no cumprimento de suas promessas nacionalmente determinadas de reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
O evento também será a primeira vez que eles oficialmente avaliarão até onde chegaram em relação às metas que eles estabeleceram em dezembro de 2015. Por meio do Acordo de Paris, 195 países concordaram em trabalhar juntos para manter o aumento da temperatura média global “bem abaixo” de 2ºC e em trabalhar para limitá-lo a 1,5ºC.
Relatórios recentes de órgãos científicos da ONU destacaram as “diferenças robustas” entre um mundo com 2 graus de aquecimento e um mundo com 1,5 grau. Meio grau a menos de aquecimento significa evitar que centenas de milhões de pessoas caiam na pobreza, ao mesmo tempo que protege mais de 420 milhões da exposição a ondas severas de calor, e dezenas de milhões, dos mares em ascensão.
“Estamos vendo em nossos programas que precisamos ajudar as pessoas a se adaptarem às mudanças climáticas, já que a frequência e a gravidade dos choques ameaçam manter as pessoas em um ciclo de pobreza”, disse Lori Pearson, assessora sênior de política de alimentos e mudanças climáticas da Catholic Relief Services, que está em Katowice para a primeira semana da COP-24.
O cardeal John Ribat, de Port Moresby, Papua Nova Guiné, em um editorial do dia 27 de novembro no jornal Catholic Herald, do Reino Unido, afirmou que as consequências das mudanças climáticas “não são igualmente suportadas”, que os muito pobres e os muito jovens “são mais propensos a viver em uma casa que pode ser varrida por uma forte tempestade. Eles são mais propensos à falta dos recursos necessários para escapar do caminho da tempestade. Eles são mais propensos a não ter nenhum modo para reconstruir uma casa, replantar um campo, reiniciar uma escola”.
“A diferença entre 1,5ºC e 2ºC de aquecimento é a diferença entre a prosperidade e a pobreza, a vida e a morte, entre proteger ‘o menor destes pequeninos’ e ignorar seus pedidos de ajuda”, disse.
Pearson afirmou que é “essencial” que a reunião complete o livro de regras do Acordo de Paris para garantir a sua implementação e sucesso. Junto com isso, a CRS e outras organizações católicas de ajuda estão buscando uma reafirmação dos objetivos do acordo climático.
“Esperamos ver os compromissos reforçados diante do novo relatório [do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] e do entendimento de que as mudanças estão acontecendo mais rapidamente do que as estimativas anteriores previam”, disse.
Em um comunicado antes da COP-24, a Caritas Internationalis, a macro-organização de ajuda da Igreja Católica, pediu que todos os governos “adotem metas mais ambiciosas e substituam os combustíveis fósseis por energias renováveis, sustentáveis e ecológicas até 2050, no máximo”. A Caritas Internationalis está com uma delegação em Katowice.
A necessidade de descarbonizar a economia global até meados do século para evitar o aquecimento de 1,5ºC foi reiterada no último relatório, divulgado em outubro, do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Ele previu que, com as atuais taxas de emissão, o planeta está no caminho para alcançar esse nível ainda em 2030.
Um relatório separado das Nações Unidas reafirmou que os planos de redução de emissões que os países apresentam em Paris são “inadequados”, mantendo o aquecimento em 3ºC até o fim do século, e que, na ausência de ações mais ambiciosas, o planeta ultrapassará a marca do 1,5ºC até 2030.
Além disso, a maioria das nações – incluindo os Estados Unidos, Canadá, África do Sul e a União Europeia – estão atrasadas em suas primeiras promessas em Paris.
Vinte dos anos mais quentes registrados ocorreram nos últimos 22 anos, sendo que 2018 está no caminho para ser o quarto mais quente. As emissões aumentaram novamente em 2017, após três anos de estabilização. O ano passado testemunhou incêndios maciços na Califórnia e inundações severas em Kerala, na Índia.
“Os impactos das mudanças climáticas nunca foram piores. Essa realidade está nos dizendo que precisamos fazer muito mais, que a COP-24 precisa fazer isso acontecer”, disse Patricia Espinosa, secretária-executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
O “pedido de ação ambiciosa e imediata” também foi feito no fim de outubro pelos bispos presidentes de cinco Conferências Episcopais continentais, em uma declaração conjunta instando os delegados da COP-24 a buscarem a transformação nos setores de energia, agricultura e finanças, assim como a defenderem “passos ousados” dentro da comunidade católica mais ampla “para viver a mudança que pedimos a partir dentro das nossas instituições”.
Em seu discurso na segunda-feira, 3 de dezembro, o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado vaticano e um dos líderes da delegação da Santa Sé, ampliou a “proximidade, apoio e encorajamento” do Papa Francisco à reunião sobre o clima. Parolin disse que os dados científicos “mostram claramente a necessidade urgente de uma ação rápida”, mas que a tecnologia sozinha não vai resolver “uma questão cada vez mais moral do que técnica”.
“Estamos diante de um desafio da civilização em benefício do bem comum. (...) Diante de uma questão tão complexa como as mudanças climáticas, em que o indivíduo ou a resposta nacional em si não é suficiente, não temos outra alternativa senão fazer todos os esforços para implementar uma resposta coletiva responsável e sem precedentes, com a intenção de ‘trabalhar juntos para construir a nossa casa comum”, disse Parolin, citando Francisco.
“Ainda é possível limitar o aquecimento global”, acrescentou Parolin, “mas, para isso, será necessária uma vontade política clara, voltada para o futuro e forte para promover, o mais rápido possível, o processo de transição para um modelo de desenvolvimento livre dessas tecnologias e comportamentos que influenciam a superprodução de emissões de gases de efeito estufa”. Tal modelo promoveria padrões sustentáveis de consumo e de produção, além de fomentar uma mudança no estilo de vida, disse.
O chefe da diplomacia vaticana também ressaltou a importância de uma “transição justa da força de trabalho”, tema que ganhou fôlego na Polônia em termos do que a quase eliminação do carvão como fonte de energia significa para as famílias e comunidades cuja subsistência depende disso.
“A transição justa da força de trabalho e a criação de trabalho decente são significativas e devem ser combinadas com a devida atenção a aspectos como o respeito aos direitos humanos fundamentais, a proteção social e a erradicação da pobreza, com atenção especial às pessoas mais vulneráveis aos extremos climáticos”, disse Parolin.
Uma série de eventos católicos marcará as duas semanas da COP-24, que se conclui no dia 14 de dezembro. A CIDSE, uma rede de 17 agências católicas de desenvolvimento, está organizando várias deles e trazendo 100 jovens voluntários católicos de todo o mundo para falar sobre as suas experiências de pressionar pela justiça climática em suas comunidades locais.
Em torno da metade do evento, um grupo de peregrinos do clima chegará a Katowice, depois de iniciar sua caminhada no dia 3 de outubro em Roma.
Ao longo do caminho, um peregrino, Alan Burns, morreu enquanto dormia. Sua esposa escreveu em um post de blog: “Ele viveu sua vida como ele esperava que outros o fizessem, e eu acho que morreu fazendo exatamente o que queria fazer – ajudar a salvar o mundo”.
No domingo, cartões de oração pela COP-24 foram distribuídos em todas as 10.000 paróquias católicas da Polônia, uma campanha através da Conferência dos Bispos da Polônia, da Cáritas Polônia e do Global Catholic Climate Movement. Os cartões de oração também serão distribuídos no dia 9 de dezembro, um dia antes do início do segmento de alto nível da COP-24.
Os cartões de oração apresentam uma citação do Papa João Paulo II, que já foi o cardeal-arcebispo de Cracóvia, que em sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990 abordou “o gradual esgotamento do estrato do ozônio e o consequente ‘efeito estufa’ que ele provoca [que] já atingiram dimensões críticas, por causa da crescente difusão das indústrias, das grandes concentrações urbanas e dos consumos de energia. (...) A crise ecológica – uma vez mais o repito – é um problema moral”.
Tomás Insua, diretor-executivo e cofundador do Global Catholic Climate Movement, disse que o grupo trabalhou com os bispos poloneses no ano passado para levantar a questão das mudanças climáticas em um país que é 97% católico e para educar sobre a encíclica Laudato si’, sobre o cuidado da nossa casa comum, de Francisco.
Na festa de São Francisco, os bispos poloneses publicaram uma carta pastoral sobre a poluição do ar, observando que pelo menos 30 das 50 cidades europeias com o ar mais poluído estão dentro de suas fronteiras. Em determinado momento, os bispos disseram sem meias palavras: “A poluição mata”, observando que quase 40.000 poloneses morrem anualmente devido ao ar poluído que respiram.
“É interessante ver como a Igreja [polonesa] está realmente levando isso a sério como uma questão de vida – as pessoas estão literalmente morrendo – e estão conectando os pontos à sua realidade nacional de poluição do ar”, disse Insua.
Ao mesmo tempo, ele reconheceu os “desafios muito significativos” que surgem ao falar sobre as mudanças climáticas em um país produtor de carvão, dizendo que a predominância da negação climática, em alguns aspectos, espelha os Estados Unidos.
O presidente Donald Trump declarou sua intenção de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris na primeira oportunidade (novembro de 2020) – o único país a fazer isso, embora o recém-eleito presidente brasileiro Jair Bolsonaro também tenha sugerido uma medida semelhante. Trump cancelou a realização da próxima conferência climática da ONU – e foi o único resistente entre os líderes mundiais na recente cúpula do G20 em relação a uma declaração conjunta para reafirmar o Acordo de Paris.
O governo Trump rejeitou amplamente um relatório divulgado na sexta-feira, 23 de novembro, de 13 agências federais que resumiram como as mudanças climáticas já estão impactando os Estados Unidos e as ameaças que elas representam para a saúde humana, as comunidades costeiras, a infraestrutura e a economia.
“Para aqueles que vivem em países mais ricos, isso significa que devemos estar muito mais cientes do nosso impacto ambiental e encontrar modo de reduzir esse impacto, especialmente em nossos padrões de consumo”, disse o Catholic Climate Covenant em um comunicado sobre o Fourth National Climate Assessment.
O jornal New York Times informou na segunda-feira, 3 de dezembro, que o governo Trump está acelerando os esforços para iniciar a perfuração de petróleo no Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico, no Alasca, antes da eleição de 2020. Na COP-24, a delegação dos Estados Unidos deve realizar um evento no dia 10 de dezembro para promover o carvão e os combustíveis fósseis, segundo a Reuters. A delegação oficial dos Estados Unidos realizou um evento semelhante no ano passado, na COP-23, em Bonn, na Alemanha.
Nesse mesmo dia, a Pontifícia Academia das Ciências realizará seu próprio simpósio de um dia inteiro na Universidade da Silésia, em Katowice, reunindo líderes religiosos e cientistas. Copromovido pela Academia Polonesa de Ciências e pelo Centro Nacional Francês para a Pesquisa Científica, o evento está intitulado “Salvaguardando o nosso clima, promovendo a nossa sociedade”.
Ele contará com a presença do chefe climático da ONU, Espinosa; o arcebispo Marcelo Sánchez Sorondo, chanceler da Pontifícia Academia das Ciências; o prêmio Nobel Mario Molina; e o arcebispo de Gniezno, Dom Wojciech Polak, primaz da Polônia.
Insua disse ao NCR que está ficando cada vez mais claro para ele que a aliança entre ciência e religião é o caminho a seguir para elevar o nível de ação, e particularmente de ação urgente, sobre as mudanças climáticas ao mesmo patamar daquilo que os cientistas dizem ser necessário para evitar consequências catastróficas. Uma “urgência dramática” foi a mensagem que os cientistas levaram para uma reunião pré-COP-24 realizada pela Pontifícia Academia das Ciências em meados de novembro.
“Os cientistas estão gritando para nós, pedindo-nos para mudar de rumo”, disse Insua, que compareceu ao evento.
Em uma declaração introdutória a essa reunião, Sorondo e Massimo Inguscio, presidente do Conselho Nacional de Pesquisa da Itália, disseram: “Somos a última geração que pode deter as mudanças climáticas antes que elas provoquem mudanças irreversíveis em nosso planeta. O tempo está quase acabando, e ações devem ser tomadas imediatamente, por todos, em todo o mundo”.
“Mas resta a esperança”, disseram, citando a Laudato si’, de que “a humanidade ainda tenha a capacidade de trabalhar junto na construção da nossa casa comum”.
Em seu editorial, o cardeal Ribat disse que as negociações na COP-24 “podem ser um marco no caminho” iniciado em Paris há três anos, “uma oportunidade para que os líderes mundiais demonstrem a coragem e a clareza moral que todos nós desejamos”.
“Por outro lado, elas podem ser uma desculpa para proclamações desanimadas, declarações de apoio vacilantes e decepção para os milhões de pessoas em todo o mundo que olham para eles com esperança.”
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COP-24 na Polônia apresenta dados científicos claros e respostas climáticas incertas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU