29 Outubro 2018
Ex-prefeito de São Paulo tentou se aproximar de eleitores distantes da esquerda, mas rejeição a seu partido falou mais alto.
A reportagem é de Ricardo Della Coletta, publicada por El País, 28-10-2018.
Desde que ficou evidente que Fernando Haddad (São Paulo, 1963) seria o plano B do Partido dos Trabalhadores para as eleições presidenciais, os dirigentes da legenda traçaram com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a estratégia para viabilizá-lo como candidato. O ex-prefeito de São Paulo era visto como o candidato petista perfeito para o momento atual do país, em que o anti-petismo dava o tom das eleições. Professor universitário, paulistano de classe média alta, distante do círculo de poder dentro do PT e sem envolvimento nos escândalos de corrupção que atingiram o partido nos últimos anos. "Não fui escolhido à toa, por sorteio. Fui escolhido por causa do meu perfil. O Brasil está precisando de uma pessoa que converse, que saiba conciliar. Sou uma pessoa de centro-esquerda", explicou, em entrevista recente ao jornal.
Confirmada a impugnação do maior líder da sigla, Haddad vestiria, ao longo do primeiro turno, a roupa de militante aguerrido e mergulharia na região que nas últimas eleições garantiu as sucessivas vitórias tanto de Lula quanto de Dilma Rousseff, o Nordeste. Aproximar-se da imagem de Lula, seu padrinho político, era neste momento o ticket para o segundo turno. A ideia era fazer com que Haddad literalmente vestisse a máscara de Lula, numa simbiose que só seria desfeita na etapa final da disputa presidencial. Depois de completado o plano com sucesso, começaria a segunda parte: Haddad se distanciaria do seu padrinho político, mostraria sua versão de centro, e investiria no seu perfil moderado, tentando assim atrair eleitores que, embora divorciados do petismo, não aceitavam a retórica antidemocrática e explosiva de Jair Bolsonaro. Uma estratégia que passava por reforçar-se como "professor Haddad".
A derrota para o capitão reformado do Exército neste domingo mostrou que o esquema desenhado por Lula falhou. Haddad chegou ao segundo turno, mas, uma vez nele, passou a maior parte do tempo sem conseguir fazer frente à onda Bolsonaro que varreu o País. Foi apenas nos últimos dias que obteve apoios importantes e as pesquisas identificaram que ele estava diminuindo a distância para seu adversário, mas a reação começou tarde demais. Parece que o combustível que o catapultou do anonimato entre a maior parte do eleitorado para os 29% dos votos válidos que obteve no primeiro turno se transformou no seu maior obstáculo para tentar virar o jogo contra Bolsonaro. Afinal, Lula e o PT podem contar com amplo apoio em setores da sociedade brasileira, mas despertam ódio e repulsa em tantos outros. Sua rejeição era alta demais.
A própria tentativa de Haddad de dar mais a sua cara à campanha no segundo turno não decolou. O petista não conseguiu formar um arco de alianças que fosse muito além dos tradicionais aliados do PT. Bolsonaro, por sua vez, centrou toda a sua artilharia na campanha no antipetismo, argumentando que Haddad não passava de mais um "poste" lançado por Lula, condenado por corrupção e preso há mais de seis meses em Curitiba. Funcionou.
Não foi a primeira derrota de Haddad nas urnas. Há dois anos, o ex-prefeito de São Paulo tentou ser reeleito para o comando da capital, mas foi derrotado por João Doria (PSDB) ainda no primeiro turno. Deixou os holofotes, se distanciou ainda mais da direção do PT e em determinado momento chegou-se a especular que ele sairia do partido. As divergências com o núcleo de poder do PT não são novidade para Haddad. Ele não é um dos caciques do PT que se formaram no movimento sindical. Nem sua biografia tem uma história de superação da miséria como seu padrinho político. Nasceu em São Paulo há 55 anos, filho de pais de origem libanesa, e frequentou escolas privadas na principal metrópole do País.
A militância no PT veio pelas mãos do movimento estudantil na prestigiosa Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). À revista Piauí, ele disse que naqueles anos passou a se aproximar dos movimentos de esquerda que rejeitavam o stalinismo. Fez mestrado em Economia e doutorado em Filosofia e desde os anos 90 é professor de Ciência Política na mesma USP onde estudou Direito. Não raro adotou teses contrárias ao campo majoritário do partido, ao ponto de ter sido apelidado de tucano dentro do PT.
O salto da academia para a burocracia do Estado ocorreu em 2000, quando Marta Suplicy ganhou a prefeitura de São Paulo. Ocupou um cargo no secretariado da nova prefeita e, dois anos depois, foi levado pelo então ministro Guido Mantega para um posto no Ministério do Planejamento. De lá foi para a Secretaria-Executiva do Ministério da Educação, pasta que assumiu quase que por acaso, em meio às baixas que o escândalo do Mensalão causava nos quadros do PT.
Ao longo dos seis anos que Haddad ficou no comando do Ministério da Educação, Lula começou a ver que aquele professor universitário era a figura ideal para as eleições municipais de 2012. O próprio ex-presidente comentou que Haddad reunia as três coisas necessárias para um membro de um partido de esquerda ganhar em uma das cidades onde o antipetismo é mais forte no Brasil e que tradicionalmente vota na direita: "bonitinho, são-paulino e uspiano". A intuição de Lula se mostrou correta.
Um governo bem avaliado na maior cidade do Brasil parecia o passaporte que o PT precisava para entrar nos redutos eleitorais dos seus adversários, como o próprio Estado de São Paulo, que há mais de 20 anos é governado pelo PSDB. Mas o que até então parecia a ascensão imparável de Haddad se chocou contra a convulsão social que começava a incendiar o País. Além do do desgaste sofrido com as manifestações de junho de 2013, o petista foi acusado de beneficiar projetos nas regiões centrais de classe média de São Paulo, deixando a periferia desassistida. Haddad sempre negou essa acusação, mas não conseguiu reverter o prejuízo. Perdeu a reeleição em um dos resultados mais desastrosos que o PT já experimentou na cidade.
Ainda é cedo para saber se Haddad conseguirá digerir seu segundo fracasso consecutivo nas urnas. Seu perfil mais independente e sua falta de influência nas muitas correntes que compõem o PT lançam dúvidas na sua capacidade de se colocar como um líder do partido, agora na oposição ao governo de extrema-direita de Bolsonaro. Sequer está claro que planos o presidenciável do Partido dos Trabalhadores tem para o futuro: se retomará a vida de acadêmico ou se tentará ocupar o lugar de liderança na oposição a Bolsonaro. Em seu discurso de derrota, entretanto, afirmou que "um professor não foge à luta". "Coragem! A vida é feita de coragem!", finalizou.
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Haddad, o professor que não conseguiu conter o antipetismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU