Por: Patricia Fachin | 02 Outubro 2018
O registro de 27,6 milhões de brasileiros desempregados, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Pnad Contínua, ilustra “o grau da deterioração produtiva e do mercado de trabalho brasileiro: aumento da escolaridade dos ocupados, sem melhora da renda e com menor participação em ocupações de maior especialização”, adverte Gregório Grisa, doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line. Segundo ele, embora o desemprego atual seja consequência da recessão econômica que atingiu o país entre 2014 e 2017, esse tipo de fenômeno “é comum em uma economia que se caracteriza por: perfil agroexportador; maioria do emprego no setor de serviços não sofisticados; baixo investimento em ciência, tecnologia e inovação; carga tributária regressiva e confusa”. A situação é ainda mais grave, pontua, entre os jovens. “A taxa de desocupação entre os jovens é sempre maior do que a da população total. Uma política de primeiro emprego de grande escala precisa ser feita, política que combine a possibilidade de realizar estudos e experiências de formação com o trabalho”, sugere.
Diante da atual conjuntura, as pautas do desemprego e da retomada do crescimento estão presentes no debate eleitoral e no discurso dos candidatos que disputam a presidência da República, mas “a promessa nesse campo gira em torno da retomada de investimentos em obras paradas de infraestrutura, o que aqueceria o mercado da construção civil, área que emprega em grande escala jovens. Isso do ponto de vista estratégico seria insuficiente apesar de importante”, lamenta Grisa. Já a pauta da educação, frisa, não tem ocupado o debate eleitoral como deveria, mas nesse campo “há propostas concretas como a de Ciro Gomes de ampliar significativamente o ensino médio profissionalizante em tempo integral, inclusive com estágio remunerado pelo governo”. Além dessa, menciona, “há a proposta da Marina intitulada ‘Renda Jovem Estudante’, que visa garantir combater a evasão criando uma poupança de R$ 3,7 mil para todo estudante carente que concluir o ensino médio. São propostas concretas, sua viabilidade é outro tema, mas elas instituem o debate”.
Apesar dessas propostas, conclui, “infelizmente o debate eleitoral não tem sido focado tanto nesses temas da pergunta ou mesmo em propostas. Levantamentos realizados por pesquisadores nas redes socais mostram que as pautas mais tratadas são corrupção, debates sobre gênero e feminismo, e apreciação moral em relação ao PT (antipetismo). Não que alguns desses temas não sejam importantes, mas cientes do conteúdo que inspira esse debate, sabemos que eles são pouco promissores”.
Gregório Grisa | Foto: Obvious Lounge
Gregório Grisa é doutor e mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente leciona no Instituto Federal do Rio Grande do Sul - IFRS, campus Bento Gonçalves.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Segundo a Pnad Contínua, 27,6 milhões de brasileiros estão sem trabalhar. Como o senhor interpreta esse dado e como ele pode ser analisado considerando o cenário brasileiro?
Gregório Grisa - A crise na empregabilidade que acompanha a recessão econômica de 2014 a 2017 tem algumas características que nos ajudam a entender esse dado. Nesse período, o desemprego não afetou todos os trabalhadores da mesma forma, quem perdeu mais postos de trabalho foram aqueles que têm escolaridade mais baixa. Se compararmos a Pnad anual desses anos (2014 até 2017), os trabalhadores com escolaridade superior conseguiram conquistar mais postos de trabalho, porém essa ocupação, via de regra, não foi “típica” dessa formação, como profissional liberal ou em cargos de maior complexidade relacionados à gestão e direção. Pelo contrário, a maioria dos trabalhadores com curso superior se ocuparam em funções mais rotineiras, administrativas e com exigências de conhecimento técnico/médio.
Os números ilustram o grau da deterioração produtiva e do mercado de trabalho brasileiro: aumento da escolaridade dos ocupados, sem melhora da renda e com menor participação em ocupações de maior especialização. Na crise, como há mais trabalhadores disponíveis, sem alternativa de emprego, muitos empregadores “aproveitam” para contratar pessoal mais qualificado para postos e funções que não exigem escolaridade mais alta. Quando aumenta o número de pessoas com ensino superior em funções que não demandam essa escolaridade, uma parcela mais vulnerável que ocupava esses postos é expulsa do mercado de trabalho, e essa parcela é muito maior em números absolutos.
Outro fator que nos auxilia na compreensão do dado abordado na pergunta é o tempo que as pessoas levam para conseguir algum emprego. A permanência no desemprego por um período grande, associada a uma taxa de desocupação alta na economia, fez com que uma parcela cada vez maior dos desocupados desistisse de procurar emprego, embora tivesse vontade de trabalhar.
Há também aqueles que transitaram direto do emprego para a inatividade; com a perda de postos sistemáticos durante a crise, muitos trabalhadores ao perder o emprego e não vislumbrarem outra possibilidade se tornam desalentados, na classificação do IBGE. O desalento é proporcionalmente mais alto entre os trabalhadores que possuem maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho, ou seja, jovens; pouco escolarizados; residentes da região Nordeste; mulheres; e não chefes de família.
Esse fenômeno descrito acima, infelizmente é comum em uma economia que se caracteriza por: perfil agroexportador; maioria do emprego no setor de serviços não sofisticados; baixo investimento em ciência, tecnologia e inovação; carga tributária regressiva e confusa.
IHU On-Line - As últimas pesquisas do IBGE também demonstram que cresce o número do que alguns pesquisadores têm chamado de os “nem-nem”, ou seja, os jovens que nem trabalham nem estudam. Que fatores ajudam a explicar esse fenômeno no país na sua avaliação?
Gregório Grisa - São muitas as variáveis a que temos de recorrer para refletir sobre esse fenômeno. Há significativa diversidade no contexto de vida dos atores assim classificados como “nem-nem”. Inclusive, muitos pesquisadores têm criticado essa nomenclatura tanto por ela estigmatizar essa parcela dos jovens quanto por ela não definir de forma justa sua realidade social.
O Brasil tem sérios problemas no seu mercado de trabalho e na oferta de educação de qualidade, em especial de nível médio. Ambas as realidades incidem sobre a expectativa traçada pela sociedade sobre a trajetória educacional e laboral dos jovens. Essa expectativa se baseia em um padrão de vida de classe média alta que não condiz com as condições oferecidas aos jovens dos extratos de menor renda da população.
Não faltam apenas trabalho e educação para esses jovens, mas sim uma rede de direitos econômicos e sociais, o que impõe a eles uma realidade de vulnerabilidade. Nessa condição se produz uma variável de cunho pessoal, a falta de aspiração ou predisposição para voltar aos estudos ou ao trabalho. Mulheres casadas e com filhos são as maiores vítimas desse sentimento. São jovens com atribuições de trabalho doméstico e familiar significativas, vivendo uma situação que reforça seu papel social de dona de casa, o que a deixa cada vez mais distante da volta aos estudos e do ingresso no mercado de trabalho.
Muitos jovens que têm a pretensão de trabalhar encontram dificuldades para obter os subsídios e a formação para tal. Muitos tentam ingressar em algum curso ou concluir o ensino médio, mas ao não obter êxito não vão além dessa primeira tentativa.
IHU On-Line - As políticas educacionais adotadas nos últimos anos contribuíram para esse fenômeno dos “nem-nem”?
Gregório Grisa - Não me parece que as políticas adotadas tenham contribuição para o aumento dessa população. O Brasil ampliou o número de estudantes em todas etapas da educação básica, inclusive no médio. Ampliou-se a oferta de cursos técnicos e profissionalizantes e mesmo o acesso ao ensino superior. As dimensões estruturais da crise econômica são mais decisivas nesse sentido. O desemprego, o aumento da informalidade, da violência, a queda dos rendimentos, a precarização de condições de trabalho em diversos setores da economia. Somadas a crise institucional do país, a descrença generalizada com a política, com a gestão pública, a falta de perspectivas de curto e médio prazo, esses são fatores que paralisam em muitos sentidos as pessoas.
Isso não significa dizer que as políticas educacionais são suficientes ou estejam auxiliando para mudar o rumo do cenário negativo. A pulverização de cursos técnicos, por exemplo, de nada adiantará se o mercado de trabalho não absorver os jovens que ali se formem. A retomada da atividade econômica é determinante para que se vislumbrem novas possibilidades de estudo e trabalho.
Muitos jovens sentem que as oportunidades já disponíveis não são para eles, outros não têm acesso sequer às informações em relação a essas oportunidades. Há, por fim, a dimensão da autoestima da juventude brasileira que precisa ser trabalhada; muitos não imaginam que sua vida pode ser diferente, não projetam mudanças na sua condição de dependência econômica de parentes ou outros.
IHU On-Line - Como avalia a proposta da reforma do ensino médio? Em que medida ela poderá contribuir ou não para sanar os problemas educacionais evidenciados no ensino médio?
Gregório Grisa - A forma como ela foi feita já produz problemas, esse é um primeiro ponto. As entidades acadêmicas, as universidades públicas, as redes estaduais através de seus docentes e as comunidades escolares não tiveram participação na elaboração da reforma do ensino médio. Isso gera resistências políticas que vão além do conteúdo em si da reforma, haja vista o ocorrido com o debate sobre a Base Nacional Comum Curricular – BNCC do Ensino Médio.
A reforma traz mudanças significativas do ponto de vista da estrutura organizacional do ensino médio, prevê ampliação de carga horária e deixa muitas interrogações para quem irá implementá-la. Como as realidades das redes estaduais são muito diferentes em termos de infraestrutura, entre si e mesmo internamente, as mudanças propostas podem ter efeitos difusos sobre distintos grupos de estudantes e professores.
De acordo com a reforma, o currículo fica dividido em duas partes: uma comum (BNCC) de até 1.800 horas a todos estudantes e outra, dividida em cinco itinerários formativos (Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciência Humanas e Formação técnica), em que o estudante poderá escolher o que fazer, em tese. Aqui temos um problema, na verdade o estudante terá que fazer aquilo que a escola/sistema ofertar, pois a escola não é obrigada a ofertar todos os itinerários formativos. Muitas escolas terão dificuldade de ofertar o itinerário técnico, por exemplo, por questões de quadro de professores e estrutura de laboratórios e afins.
A proposta é que o ensino médio passe de 800 para 1.000 horas por ano (3.000 ao todo) até 2021 e que depois de estenda para 1.400 horas ano (4.200 ao todo), o que configura o ensino em tempo integral. Uma coisa que poucas pessoas têm chamado atenção é para o fato de que se mantida a previsão de 1.800 como máximo para que todos alunos acessem o conteúdo geral da BNCC, ao se alcançar as 4.200 horas totais teremos apenas 42% da carga horária dedicada a todas as disciplinas propedêuticas, e não 60% como o governo afirma em propagandas. Isso implica em redução ainda maior da oferta de conhecimentos socialmente produzidos pela humanidade, em especial para aqueles que têm o acesso a eles exclusivamente na escola, isto é, os mais pobres.
Portanto, me somo àqueles que afirmam que a reforma pode intensificar a clivagem social já existente e pode ampliar as desigualdades educacionais. Pois também deve induzir a população que necessita de trabalho de forma mais imediata para o itinerário da formação técnica, reforçando o modelo de escola dual que tantos teóricos como [José Carlos] Libâneo criticam.
Mas, olhando de modo mais pragmático, há brechas na lei para que se constituam “itinerários formativos integrados”, “possibilidade de aluno concluinte cursar mais de um itinerário”, entre outras coisas, que me sugerem que as mudanças serão muito mais pro forma do que substanciais. Muitas redes e escolas tentarão adaptar para que as coisas fiquem semelhantes com o que é feito hoje.
Há dados nacionais que indicam como será difícil a implementação dessa reforma. A maioria (53%) dos municípios brasileiros têm uma só escola de ensino médio regular ou educação profissionalizante. São 2.967 cidades nessa situação, dos 5.570 municípios brasileiros. Se consideradas apenas escolas com ensino médio regular, são 3.063, ou 55% total dos municípios do país. Como essas escolas conseguirão ofertar todos os itinerários para os jovens, inclusive o técnico? Se caso o jovem desejar fazer um itinerário que a escola do seu município não oferte, o que ele faz? Sai da cidade?
O turno triplo (turmas e aulas nos três turnos) está presente na realidade de 41,9% das escolas do país. Como essas escolas irão ampliar a carga horária, em que espaço irão receber os alunos nos turnos inversos, com que infraestrutura e recursos?
Outro aspecto passível de comentário é a evidente participação de grupos privados na confecção da reforma do ensino médio; o grupo político que estava no MEC tinha ligações próximas com fundações interessadas em expandir mercados. Aqui não há nenhuma ojeriza rançosa ao setor privado ou algo do tipo, apenas estou frisando o contexto em que a reforma se deu. Abre-se um flanco importante de participação da iniciativa privada no ensino médio. O itinerário “formação técnica e profissional” poderá ser ofertado por meio de parceria com o setor privado e o sistema de ensino se servirá de recurso público do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica - Fundeb para isso. Além de possibilidade de oferta de complementação curricular através de convênios com instituições privadas que ofertem ensino a distância.
A própria implementação da reforma pode ocorrer por meio de contratação de consultorias de instituições privadas. O Senado aprovou recentemente a contratação de operação de crédito externo da União para o Ministério da Educação - MEC no valor de até US$ 250 milhões. Concedida pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento - Bird, a quantia será usada em investimentos no Projeto de Apoio à Implantação do Novo Ensino Médio. Dinheiro pago pelo Tesouro que pode contratar agentes privados que foram protagonistas na elaboração da reforma do ensino médio.
No seio de algumas ideias da reforma há pontos positivos: dar mais flexibilidade ao currículo, incentivar o trabalho interdisciplinar entre as áreas do conhecimento e a busca pela implementação do tempo integral. Porém, é um tanto ilusória a expectativa de que apenas mudanças curriculares e de organização possam produzir mudanças estruturais; não identifico nessa reforma esse potencial. O que não significa dizer que o ensino médio não precise passar por mudanças, isso é urgente. Os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - Ideb apontam para algumas experiências exitosas, casos como do Espírito Santo, Ceará e Pernambuco que precisam ser estudados. Há boas pistas do que precisa ser feito.
IHU On-Line - Do ponto de vista educacional, em que tipo de políticas educacionais o país precisaria investir neste momento?
Gregório Grisa - Podemos falar primeiro do ensino médio. É fundamental apoiar e induzir a expansão de escolas de ensino médio em tempo integral, priorizando as escolas de maior vulnerabilidade socioeconômica, aproveitando a ampliação da carga horária para engendrar uma nova proposta de escola que seja mais atrativa (metodologias ativas e projetos) e melhore os resultados de aprendizagem dos alunos.
O Brasil precisa promover amplo fortalecimento da oferta de educação profissional no país, com o intuito de ampliar a participação dos jovens, garantir a qualidade dos cursos e a relação com o mundo do trabalho. Estamos muito longe de ofertar a média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE de matrículas em cursos técnicos integrados ao ensino médio. Esse é um desafio urgente, qualificação profissional ofertada junto da educação regular. Os Institutos Federais são ilhas bem-sucedidas nesse sentido; a União precisa exportar essas experiências para as redes estaduais e auxiliá-las financeiramente nessa oferta.
É difícil elencar prioridades, mas o atendimento à primeira infância talvez seja o maior investimento de médio e longo prazo que o Brasil possa fazer. Isso não envolve apenas a educação, trata-se de uma rede de políticas públicas, que abrange assistência social, saúde, saneamento, esporte e lazer, entre outras áreas. No que tange à educação, a oferta de creches e pré-escolas com boa estrutura e profissionais qualificados é o desafio. A cada 100 crianças de 0 a 3 anos, apenas 30 estão matriculadas em uma creche.
É difícil pensar nesse atendimento à primeira infância sem pensar em uma reforma tributária que garanta que o gestor local (prefeituras) tenha mais recursos para viabilizar tais políticas. Um em cada três municípios brasileiros não consegue gerar receita suficiente sequer para pagar o salário de prefeitos, vereadores e secretários. O problema atinge 1.872 cidades que dependem das transferências de Estados e da União para bancar o custo crescente da máquina pública, segundo levantamento da Federação das Indústrias do Estado do Rio - Firjan. O Rio Grande do Sul tem a maior proporção de municípios (56,7%) do país que não consegue arrecadar nem para pagar a máquina pública municipal. Nesse cenário, garantir educação infantil de qualidade é impensável, todavia essa talvez seja a principal política educacional a ser adotada hoje.
Ainda temos o desafio da aprendizagem e a garantia de alfabetização na idade certa. Muitos dos problemas que colhemos no ensino médio têm suas causas na não alfabetização nos anos iniciais do ensino fundamental. Novamente temos boas experiências no Brasil que mostram que muitos avanços podem ocorrer mesmo em cenários de investimentos restritos — o Ceará é um caso basilar. Redistribuição de recursos por parte da União e Estados com base na indução de melhorias da aprendizagem tem se mostrado políticas interessantes.
E, por fim, a formação e a valorização do professor é outra política que se faz urgente. Ampliar a atratividade da carreira do magistério, bons planos de carreira e condições de trabalho. Elaborar a oferta de formação continuada de verdade, não apenas pensar em eventos esporádicos. Se pautar em evidências de formação continuada que se refletem realmente na aprendizagem dos alunos, regulares e planejadas coletivamente, com metas e programas estabelecidos. Fazer uma revisão do caráter obtuso dos nossos currículos das licenciaturas que pouco abordam questões de sala de aula, do cotidiano da escola, que pouco vive e busca pesquisar a escola. Pouco abordam temas contemporâneos como a neurociência para conhecer como as crianças aprendem, pouco desenvolvem técnicas de intervenção por área do conhecimento, enfim, temos de problematizar isso.
IHU On-Line - Especificamente para atender a demanda dos jovens, que tipo de políticas precisariam ser desenvolvidas no país?
Gregório Grisa - Na atual conjuntura, a segurança pública é a área que mais preocupa nossos jovens, em especial o residente em grandes cidades. São 63 mil mortes violentas por ano no Brasil, a imensa maioria de jovens negros e periféricos. Assim como na primeira infância, as políticas para a juventude precisam ser multissetoriais. A oferta educacional em si não conseguirá suprir as necessidades e os anseios da juventude, em especial dessa geração que já começa a viver as rápidas e radicais mudanças no mundo do trabalho e nas modalidades de oferta de formação escolar.
Nos anos 2000 o Brasil desenvolveu um conjunto de esforços que deram corpo à Política Nacional de Juventude. Infelizmente, os desafios se fazem os mesmos daquele período:
- ampliar o acesso ao ensino e a permanência em escolas de qualidade;
- erradicar o analfabetismo;
- preparar para o mundo do trabalho;
- gerar trabalho e renda;
- promover uma vida saudável;
- democratizar o acesso ao esporte, ao lazer, à cultura e à tecnologia da informação;
- promover os direitos humanos e as políticas afirmativas;
- estimular a cidadania e a participação social; e
- melhorar a qualidade de vida no meio rural e nas comunidades tradicionais.
Note como há de ser integrado o trabalho na gestão pública para que tais políticas se efetivem. Eu destacaria em especial a questão do emprego: a taxa de desocupação entre os jovens é sempre maior do que a da população total. Uma política de primeiro emprego de grande escala precisa ser feita, política que combine a possibilidade de realizar estudos e experiências de formação com o trabalho.
No campo educacional é fundamental que se incorporem as formações de gestores escolares e docentes do ensino médio o estudo e a compreensão do perfil do jovem que hoje está na escola. O objetivo é criar um ambiente em que o protagonismo juvenil é valorizado pela direção escolar e que possa ser canalizado em prol da melhoria da aprendizagem. Como professores nós muitas vezes fizemos juízos sobre os jovens, generalizações, mas pouco pesquisamos ou estudamos sobre suas realidades, preferências e suas formas de socialização.
IHU On-Line - Como o senhor interpreta o discurso recorrente, especialmente em parte dos jovens universitários, de deixar o país e tentar a vida no exterior?
Gregório Grisa - Não me parece que esse seja um horizonte presente na mente da maioria dos jovens. No meio universitário pode ser mais comum, mas é fruto dessa sensação de que as coisas não irão melhorar no curto prazo. Há 10 anos se queria deixar o país para estudar e voltar, mas não para “fugir” da situação local. Portanto, atribuo à crise econômica, à questão da violência que assusta e à falta de perspectiva profissional em um país que pouco dinamiza sua economia.
IHU On-Line - Como os temas da educação e da empregabilidade para os jovens têm sido pautados nas eleições deste ano? Como os candidatos têm se posicionado sobre essas questões?
Gregório Grisa - Penso que o tema do emprego tem sido mais debatido, muito em função da alta e persistente taxa de desemprego. A promessa nesse campo gira em torno da retomada de investimentos em obras paradas de infraestrutura, o que aqueceria o mercado da construção civil, área que emprega em grande escala jovens. Isso do ponto de vista estratégico seria insuficiente apesar de importante. Afora esses exemplos, o discurso transita em torno da “retomada do crescimento” e da “confiança”, o que soa abstrato para o eleitor médio.
Embora a educação não ocupe tanto a pauta eleitoral como devia, há propostas concretas como a de Ciro Gomes de ampliar significativamente o ensino médio profissionalizante em tempo integral, inclusive com estágio remunerado pelo governo. Há a proposta da Marina intitulada “Renda Jovem Estudante”, que visa garantir combater a evasão criando uma poupança de R$ 3,7 mil para todo estudante carente que concluir o ensino médio. São propostas concretas, sua viabilidade é outro tema, mas elas instituem o debate.
Uma coisa que os presidenciáveis têm repetido é que o Brasil investe mais em educação superior do que na educação básica. Isso só faz sentido se apenas o orçamento do MEC for considerado. Cabe lembrar que a União é incumbida de ofertar o ensino superior e que seu investimento total representa 20% do que é aplicado em educação no Brasil. Dos 6% do PIB que o Brasil investiu em educação em 2014, 1,2% vai para educação superior e 4,8% se direciona à educação básica. Mesmo que a União tenha que ampliar sua participação no investimento em educação básica, esse esclarecimento é importante, pois boa parte do seu gasto é em pessoal e em custeio, portanto obrigatório, outra fonte de recursos terá de ser pensada para essa ampliação se consumar.
Infelizmente o debate eleitoral não tem sido focado tanto nesses temas da pergunta ou mesmo em propostas. Levantamentos realizados por pesquisadores nas redes socais mostram que as pautas mais tratadas são corrupção, debates sobre gênero e feminismo, e apreciação moral em relação ao PT (antipetismo). Não que alguns desses temas não sejam importantes, mas cientes do conteúdo que inspira esse debate, sabemos que eles são pouco promissores.
IHU On-Line - O que seria um projeto educacional necessário para o Brasil, pensando em um projeto de futuro em longo prazo? Que linhas gerais deveriam fazer parte desse projeto?
Gregório Grisa - Delineei de alguma forma nas outras respostas quais seriam os pontos fundamentais para um projeto educacional no Brasil, quais sejam:
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Corrupção, gênero e antipetismo versus o mercado de trabalho deteriorado. O debate eleitoral não é nada promissor. Entrevista especial com Gregório Grisa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU