Há momentos na vida das pessoas e dos povos em que é necessário armar-se de sentimentos que, em vez de nos paralisar ou nos atirar ao precipício, nos libertem e fortifiquem para saber distinguir a barbárie da liberdade.
O comentário é de Juan Arias, jornalista, publicado por El País, 28-10-2018.
O Brasil já foi um dia o país da esperança. Muitos estrangeiros queriam vir para cá. Hoje, 64% dos jovens, segundo uma pesquisa, escolheriam, se pudessem, outro país onde trabalhar e viver. E são eles o Brasil do manhã. Nas ruas e lugares ressoam, às vésperas de uma eleição dramática, o ódio e o medo. A esperança talvez não tenha morrido, mas hoje parece escondida e envergonhada.
É assim que neste domingo mais de cem milhões de brasileiros irão às urnas, sem a alegria de outras vezes, sem a esperança de poder escolher um Brasil melhor. Metade votará com ódio, e a outra metade, com medo. Ódio contra o que consideram promessas pisoteadas, traições e corrupções por parte de quem se esperava mais e melhor. A outra metade votará com medo. Medo de que possa chegar a governar o país um ex-militar que se apresenta, sem máscaras, como entusiasta da tortura, da ditadura e de limitar os direitos humanos. Medo de alguém que já revelou desprezo pelos diferentes e pelas mulheres. Medo de que pelas ruas do país a violência possa correr solta.
Ambos os sentimentos, o ódio e o medo, são humanos, mas estéreis e paralisantes. O ódio cega e pode nos arrastar a escolher o caminho mais errado, e o medo nos impede de decidir com liberdade. Há momentos na vida das pessoas e dos povos em que é necessário armar-se de sentimentos que, em vez de nos paralisar ou nos atirar ao precipício, nos libertem e fortifiquem para saber distinguir a barbárie da liberdade. É verdade que não há liberdade perfeita nem candidatos deuses, mas é necessário nos momentos cruciais saber escolher mais com a razão que com o fígado.
O Brasil só voltará a recuperar sua esperança perdida quando antes tiver afastado o perigo de novos tempos sombrios de dor e de medo do seu passado não longínquo. Equivocar-se quando se arrisca entre a liberdade e a tirania pode nos levar amanhã a nos arrependermos sem volta atrás, como já vimos em outros momentos negros da História.
Só em liberdade, sem medo de sermos vítimas da violência do Estado, podem-se usar todos os instrumentos da crítica contra os que governam para lhes exigir fidelidade ao que nos prometeram na hora de lhes darmos nosso voto de confiança.
Quando alguém está se afogando no mar, a primeira coisa é arrancar a pessoa da fúria das águas. Só depois se pode exigir explicações sobre sua possível imprudência ou excesso de confiança. A vida, e com ela a liberdade para desfrutá-la em paz e sem medos, é o maior valor que nos foi dado aos mortais. Todo o resto é arriscarmos perigosamente a vida e hipotecarmos nosso futuro e o de nossos filhos.
Vivi na Espanha, depois do túnel escuro e sangrento da ditadura militar, o júbilo das pessoas que compareciam depois de tantos anos às urnas sem medo e com esperança. Vivi isso também na Itália depois da noite escura do fascismo. Lembro ainda dos adultos que levavam consigo seus pequenos, nos domingos das eleições, como a uma romaria, para que pudessem experimentar aquele momento mágico do voto usado em plena liberdade.
Houve também momentos em que os italianos foram votar, diziam, “tampando o nariz”, porque seu candidato muitas vezes cheirava a corrupção, mas preferiam-no ao medo de que o país pudesse voltar aos tempos do terror totalitário. Ao final, o valor da liberdade bem vale um voto com dor. A esperança não é incompatível com a dor, é incompatível com o ódio e com o medo.
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A esperança fugiu do Brasil. Ficaram só o ódio e o medo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU