02 Outubro 2018
Toda vez que um Papa convoca um encontro de bispos do mundo inteiro para Roma para uma cúpula chamada “sínodo”, o contraste entre as agendas formais e informais sempre se faz presente. Raramente, no entanto, a agenda informal tem sido tão importante quanto provavelmente durante o Sínodo dos Bispos que irá ocorrer de 3 a 28 de outubro sobre os Jovens, a Fé e o Discernimento Vocacional.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 01-10-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Formalmente, o tema deste encontro é “Jovens, Fé e Discernimento Vocacional”. É óbvio, no entanto, que para muitos bispos que chegam em Roma, particularmente aqueles dos países mais atingidos pelos escândalos de abusos sexuais por parte do clero, a ideia de ficar três semanas sem falar sobre o assunto seria impensável.
Além disso, sabendo que o Papa Francisco convocou o chefe das conferências episcopais para Roma em fevereiro para discutir a proteção infantil, é ainda mais difícil imaginar que muitos dos prelados não desejem aproveitar a oportunidade para iniciar esse diálogo.
“O sínodo é no mínimo uma chance para os bispos que passaram pela crise dizer a seus colegas: Não cometam nossos erros. Limpem a casa agora antes que seja tarde demais”, disse o padre jesuíta Thomas Reese ao Crux.
Para os bispos vindos de países onde a crise está em pleno vigor, como os Estados Unidos, o Chile ou mesmo a Polônia - onde os escândalos estão sendo discutidos abertamente, algo que teria parecido um tabu há não muito tempo na terra do Papa João Paulo II, uma viagem até Roma pode proporcionar uma oportunidade única para que a Santa Sé responda a algumas questões importantes.
Prelados dos EUA, por exemplo, podem querer pressionar por respostas a respeito do caso do ex-cardeal Theodore McCarrick, que teve sua renúncia do Colégio Cardinalício aceita por Francisco por alegações de que ele abusou sexualmente de menores e jovens seminaristas.
Os delegados do Chile, por outro lado, podem querer conhecer o plano de longo prazo do pontífice para a Igreja local, onde o arcebispo de Santiago, cardeal Ricardo Ezzati, é um dos oito que foram intimados pelo Ministério Público sob acusação de encobrir abusos.
O fato de uma agenda informal não torna o cenário atual irrelevante, é claro, já que alcançar os jovens representa desafios reais para os bispos, assim como a questão das vocações.
O leigo brasileiro Filipe Domingues, que foi convidado para participar do Sínodo como colaborador dos secretários especiais da assembleia, disse ao Crux que espera que o Sínodo "continue o processo de ouvir os jovens", e até mesmo torná-lo "permanente na Igreja".
"Não se trata da Igreja fazer o que quer com os jovens, nem de mudar tudo o que sempre se ensinou, e sim, se adaptar ao mundo conforme afirmam alguns críticos deste sínodo", disse Domingues ao Crux.
"É sobre caminhar juntos, como a palavra ‘Sínodo’ implica. Pensar nos jovens é pensar em toda a Igreja, porque eles receberão o que os mais velhos deixaram como herança. E como qualquer herança, se não for bem atribuída e bem gerenciada, acabará sendo perdida”, acrescentou Domingues.
Domingues participou de uma reunião pré-sinodal que ocorreu em Roma no mês de março e está atualmente terminando um doutorado na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, com uma tese que explora questões morais nas mídias sociais, especialmente porque elas afetam a juventude.
“A juventude muitas vezes sente que a Igreja está separada de sua realidade ou que seus membros não são bons exemplos. Estas não são realidades a serem simplesmente ignoradas: a questão é o que pode ser feito sobre elas?”, disse Domingues.
"Se devemos pregar o Evangelho a todos os povos, estas são questões cruciais", ressaltou Domingues.
No documento final da reunião pré-sinodal, os mais de 300 jovens que participaram, apoiados por aqueles que participaram online através do Facebook, disseram que querem ser protagonistas nas grandes decisões, não só dentro da Igreja, mas também na sociedade, e que eles querem ser acompanhados ao longo do caminho.
"Eles nunca disseram que são autossuficientes e querem fazer tudo sozinhos", observou Domingues. “Pelo contrário. Querem se tornar líderes, mas também pedem orientação. Eles apreciam as tradições e a herança da Igreja, querendo aprender com os mais antigos, mas sabendo que esses "modelos" precisam ser autênticos, compreensivos, autoritários, humildes e misericordiosos", acrescentou o brasileiro.
Outro assunto que surgiu foi de que os jovens querem entender os ensinamentos da Igreja e que podem falar sobre eles abertamente, sem tabus.
Fontes consultadas pelo Crux durante o encontro concordaram que as questões eram bastante universais em cada um dos grupos de trabalho - divididos por idiomas.
Estes incluíam a necessidade de modelos, tanto dentro como fora da Igreja - particularmente para as mulheres -, o fato de que a religião em muitos lugares está se tornando secundária e a importância da família.
O desacordo sobre as questões mais relevantes também ficou evidente em pelo menos um parágrafo do documento.
“Muitas vezes há uma grande discordância entre os jovens, tanto dentro da Igreja quanto no resto do mundo, sobre alguns de seus ensinamentos que hoje são controversos, como por exemplo: contracepção, aborto, homossexualidade, coabitação, casamento e como o sacerdócio é percebido em diferentes realidades da Igreja”, descreve o documento.
O mesmo parágrafo continua, observando que muitos jovens católicos não entendem claramente o ensinamento da Igreja sobre esses assuntos, deixando muitas dúvidas e discordâncias de posicionamentos.
"Como resultado, eles podem querer que a Igreja mude seu ensino, ou pelo menos tenha acesso a uma explicação melhor sobre essas questões. O que não significa que querem uma saída, mas sim um debate interno, onde os jovens católicos cujas convicções estão em conflito com o ensino oficial ainda desejam fazer parte da Igreja”, dizia o documento.
Esse documento foi uma das bases para o Instrumentum Laboris (Documento de Trabalho), concebido como uma visão geral da situação dos jovens de hoje e que servirá de base para as discussões durante a cúpula. O documento aborda sexualidade, morte, corrupção, tráfico de drogas, pornografia, videogames, migração, guerra, amizade e deficiências.
“Os jovens sentem falta de harmonia na Igreja. Parece que não entendemos o vocabulário e a necessidade dos jovens”, consta no documento.
Muitos participantes acreditam que para a Igreja ter alguma credibilidade sobre sexualidade ou qualquer outra questão, não pode ignorar o quanto ela foi danificada pelos escândalos de abuso.
O Papa Francisco concedeu o ponto durante sua viagem aos países bálticos. Dirigindo-se a uma reunião ecumênica, o pontífice afirma que os jovens estão “perturbados por escândalos sexuais e econômicos e que não devem ser condenados pelo nosso despreparo de realmente apreciar as vidas e sensibilidades dos jovens e pelo papel passivo que lhes atribuímos. Estas são apenas algumas das suas reclamações”.
“Queremos responder a eles. Como vocês mesmos colocaram, queremos ser uma comunidade transparente, acolhedora, honesta, convidativa, comunicativa, acessível, alegre e interativa", acrescentou.
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Agenda informal deverá influenciar no Sínodo sobre a Juventude - Instituto Humanitas Unisinos - IHU