10 Setembro 2018
O vaticanista irlandês Gerard O’Connell está há 30 anos em Roma fazendo a cobertura da Santa Sé. Rigoroso e profissional, muitos o consideram o melhor vaticanista da atualidade. Correspondente no Vaticano da prestigiada revista jesuíta estadunidense America, conversamos com ele sobre a pior crise que sacode o Papa Francisco, que conhece muito bem.
A entrevista é de Irene Hernández Velasco, publicada por El Mundo, 08-09-2018. A tradução é de André Langer.
Carlo Maria Viganò, ex-embaixador da Santa Sé em Washington (2011-2016), acusou publicamente Francisco de acobertar os abusos sexuais do cardeal americano Theodore McCarrick. Você acredita nele?
Não, absolutamente não. Viganò assegura que Francisco acobertou McCarrick e levantou as sanções privadas que supostamente Bento XVI teria imposto a ele. Mas a verdade é que não há nenhuma evidência disso, e Viganò não forneceu nenhuma prova. O que se sabe, porém, é que quando em 2018 ocorreu a primeira acusação contra McCarrick de abusos sexuais contra um menor – até então tratava-se de adultos –, Francisco agiu energicamente: obrigou-o a renunciar à sua dignidade cardinalícia, ao ministério público e a levar uma vida de recolhimento e oração com restrições de movimentos. E o processo canônico contra ele está em andamento. Está claro que durante anos a Igreja não prestou a devida atenção aos abusos sexuais. Mas tanto Bento XVI como especialmente Francisco legislaram e agiram com severidade a esse respeito. Pretender que Francisco acobertou McCarrick é absurdo.
E por que Viganò o acusa então?
Viganò é alguém muito ambicioso que desejava tornar-se cardeal, o que não conseguiu. Ele já estava envolvido no Vatileaks contra Bento XVI (o escândalo do vazamento de documentos confidenciais, em 2012). Ideologicamente, está alinhado com a direita ultraconservadora dos Estados Unidos, a mesma que fez da luta contra o aborto e a oposição à homossexualidade seus grandes cavalos de batalha e que rejeita fortemente a teologia e o tipo de Igreja aberta que Francisco está promovendo. Viganò está na linha de frente da oposição ao Papa, mas atrás dele há outros. Muitos em Roma acreditam que Viganò está usando o caso de McCarrick, a quem Francisco impôs sanções e obrigou a renunciar como cardeal, para um ataque de maior alcance contra o Papa com a pedofilia como pano de fundo.
Quem são os inimigos de Francisco?
Grupos tradicionalistas da Igreja católica, principalmente nos Estados Unidos e na Itália, mas também forças conservadoras políticas e econômicas que não gostam de suas críticas ao capitalismo e muitas das quais financiam meios de comunicação que se dedicam a atacar o Papa.
Do que eles não gostam do Papa?
De muitas coisas. A Igreja católica norte-americana esteve durante décadas muito centrada na luta contra o aborto, o casamento homossexual e as questões morais, assuntos nos quais muitos de seus bispos são autênticos “guerreiros culturais” relacionados com a direita política. E chega Francisco e a primeira coisa que ele diz quando perguntado sobre a homossexualidade é que quem é ele para julgar quem quer que seja. Sua teologia não julga ou condena, mas acompanha e consola. Além disso, desde o início do seu pontificado, ele insistiu em que não queria “guerreiros culturais”, mas “bispos pastores”. E Bergoglio também concebe a defesa da vida como algo muito mais amplo que o aborto, que inclui, por exemplo, condenar a pena de morte e a posse de armas nucleares. É também muito crítico com o capitalismo selvagem, um sistema que produz ricos, mas também gera muitos pobres, muitos “descartados”. Sua posição sobre as mudanças climáticas e a proteção do meio ambiente, onde há muitos interesses econômicos, provoca rejeição em alguns setores políticos e financeiros importantes.
Alguns acusam Francisco de ser comunista. Ele é comunista?
Não. É uma coisa ridícula, sem qualquer sentido. O que ele faz é seguir o Evangelho, como ele sempre diz.
O que os inimigos de Francisco querem?
Eles tentam destruir sua enorme autoridade moral acusando-o de acobertar abusos sexuais, quando, na verdade, foi o Papa que mais fez para combater a pedofilia. Eles querem desacreditá-lo e tentar forçar sua renúncia.
Eles conseguiram algum dos seus objetivos?
Todo esse escândalo prejudicou, sem dúvida, o Papa, alguém que, de acordo com as pesquisas, até agora teve o apoio de mais de 70% dos católicos norte-americanos. Mas também prejudicou, e muito gravemente, toda a Igreja. As acusações de Viganò claramente geraram escândalo e dividiram a Igreja, especialmente a Igreja nos Estados Unidos. E muitas pessoas não sabem o que é verdade e o que é mentira.
Você acredita que Francisco poderia renunciar?
Absolutamente não. Além da comoção, ele está totalmente sereno e em paz. E como ele mesmo disse na missa da última segunda-feira: a verdade prevalecerá.
Os ataques contra Francisco continuarão?
Muito provavelmente sim. Os ataques contra ele são sistemáticos e regulares desde o início do seu pontificado. O ataque de Viganò é o último e o mais forte. Mas, praticamente todos os meses, há artigos, entrevistas, conferências internacionais, etc., atacando o Papa fundamentalmente naquilo que ele chama de “moral da cintura para baixo” e também por razões econômicas. Acredito que os inimigos de Francisco não cessarão em seus esforços para enfraquecer seu pontificado. Como me disse um alto prelado, não vão parar enquanto não estiver morto.
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“Os ataques ao Papa não vão parar enquanto estiver vivo”. Entrevista com Gerard O’Connell - Instituto Humanitas Unisinos - IHU