A primavera das filósofas no Brasil e a tendência das ‘tradwives’. Alguns paradoxos do feminino no século XXI. Entrevista especial com Mitieli Seixas da Silva

Foto: Tânia Rego | Agência Brasil

Por: Márcia Junges | 30 Abril 2025

Refletir acerca do lugar da mulher na filosofia, além das razões de sua exclusão, está em pauta no Brasil desde 2016, comenta a pesquisadora. Avanços como este convivem com retrocessos como a glorificação de modelos femininos dos anos 1950 por influenciadores.

“Quando convém para o patriarcado, a mulher é a mãe diligente, sensível, que não sabe tomar decisões sozinha e que precisa sempre estar ancorada em um homem, mas quando ela denuncia um estupro, por exemplo, ela é a pessoa ardilosa, interesseira, calculista que seduziu o pobre homem indefeso”. A constatação da professora Mitieli Seixas da Silva repercute uma realidade chocante: “Não é de se espantar porque muitas mulheres desistem de denunciar o estupro, pois elas sabem que, em primeiro lugar, serão julgadas e condenadas pela opinião pública”. Outra questão premente é a desigualdade na distribuição de tarefas que não deveriam ser atribuídas automaticamente a um gênero apenas, mas que ainda se faz presente em nosso tempo: “Muitas mulheres ainda são as únicas responsáveis por tarefas como preparar as refeições, lavar as roupas, acompanhar as tarefas da escola, cuidar dos filhos e cuidar dos mais velhos. E isso é muito cruel, porque trabalho doméstico é trabalho e a única diferença do trabalho realizado para fora de casa é que ele deve ser realizado por todos que estão dentro de casa”. As reflexões fazem parte da entrevista exclusiva concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Mitieli problematiza, também, a tendência das tradwives, sucesso entre a geração Z nas redes sociais, com influenciadores que romantizam um retorno a modelos femininos do passado, que cuidam da casa enquanto ostentam um visual irretocável, felizes e abnegadas no papel de esposas perfeitas. “Uma mulher que é influencer, pela própria natureza do que ela faz, ela não é dona de casa. Uma dona de casa não monetiza, quem monetiza em cima de conteúdos é alguém que tem um trabalho remunerado. Então, em primeiro lugar, as tradwives influencers são o contrário do que elas pregam: elas trabalham também ‘fora de casa’, elas ganham muito dinheiro”. E acrescenta: “Em segundo lugar, que qualquer pessoa que tenha passado pela experiência de cuidar de uma casa, de uma criança, de uma família, sabe que é impossível fazer isso com o cabelo impecável e a unha feita. O mundo que elas vendem é irreal, é um mundo montado por uma equipe para vender uma ideia de que a esposa perfeita é aquela de 70 anos atrás”.

Os avanços da inserção feminina no mundo filosófico no contexto brasileiro, naquilo que Mitieli classifica como “primavera das filósofas”, merece uma menção especial: este movimento nasce em 2016 “com a publicação do artigo de Carolina Araújo, com uma série de iniciativas, que vejo como duradouras, para pensar nosso papel e a razão de nossa exclusão, bem como para recuperar nosso lugar na história da filosofia”. Então, se por um lado há um retrocesso a modelos ultrapassados do feminino, também celebramos avanços, frutos de muita luta e articulação. Claro que essas “conquistas são bastante heterogêneas se levarmos em conta os marcadores de classe e raça”.

Mitieli Seixas da Silva é professora do Departamento e do PPG em Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Tem licenciatura em Filosofia (2005), mestrado (2008) e doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (2016). Em 2009, recebeu uma bolsa do Programa Erasmus Mundus – Europhilosophie para cursar o Mestrado em Filosofia Alemã e Francesa, onde estudou na Université Catholique de Louvain-la-Neuve (Bélgica), Bergische Universität Wuppertal (Alemanha) e Université du Luxembourg (Luxemburgo). Foi docente orientadora do Subprojeto Filosofia da Residência Pedagógica da UFSM e é a coordenadora do Subprojeto Filosofia do PIBID-UFSM. Atualmente, dedica-se à obra de Émilie du Châtelet, coordenando o Émilie: Grupo de Pesquisa e Tradução e ao Estudo da Maternidade sob uma Perspectiva Filosófica. Em 2021, recebeu o Prêmio Elisabeth da Bohemia, concedido pelo Center for the History of Women Philosophers and Scientists, da Paderbron University (Alemanha). É uma das fundadoras e diretora nacional da Olimpíada Nacional de Filosofia (ONFIL). Coordena o projeto de ensino “Mulheres e Pessoas Trans: Explorando a Filosofia através da escrita”, que recebeu o Prêmio Destaque Ensino 2024 da UFSM. É mãe da Cecília e da Lorena, tutora do cão Fritz. Em 13-03-25, ministrou a conferência Ser mulher no século XXI. Conquistas e desafios que persistem no IHU Ideias.

Confira a entrevista.

Ser mulher é um campo em disputa. Para além da figura da mãe diligente, à qual fomos resumidas por muito tempo, que outros estereótipos tu destacas como formadores históricos de nossa imagem social?

Do meu ponto de vista e até onde consigo ver, são muitos os estereótipos que rondam as mulheres em nosso tempo. É importante dizer que não existe tal coisa como “a mulher”, pois os marcadores de gênero não andam sozinhos na experiência das mulheres, sendo atravessados por marcadores de raça, classe, etnia. Por exemplo, enquanto o estereótipo da mãe diligente, da mulher que abandona tudo em nome do amor materno, parece ser uma constante para mulheres brancas, muitas mulheres negras, à revelia das suas experiências, são assombradas pelo estereótipo da “mãe desleixada”, para lembrar o que nos ensinam Grada Kilomba (1) e Patrícia Hill Collins (2).

Professora Doutora Mitieli Seixas da Silva (Foto: Reprodução/Arquivo pessoal)

No espectro da expectativa ideal do comportamento da mulher, aparece também a figura da “mocinha em apuros” que vemos nos filmes. Nesses casos, a mulher, geralmente jovem e branca, é apresentada como aquela que não é resolutiva, que se desespera diante de um conflito, que precisa de ajuda e que diz frases do tipo: “E agora? O que vamos fazer?” Sinceramente, eu nunca ouvi uma mulher falar algo como isso em uma situação que demandava uma resolução, uma decisão ou uma mudança de rumos. Ao contrário, sempre vi mulheres muito obstinadas, que poderiam estar com medo, receio, mas que não desistiam frente às dificuldades.

Por outro lado, tem uma ambiguidade nesses estereótipos da suposta fragilidade feminina, pois, ao mesmo tempo que aparece a imagem da “mocinha em apuros”, também temos em nossa cultura a imagem da “interesseira sem escrúpulos”. Isso é muito claro, por exemplo, toda vez que algum homem famoso é acusado de estupro. Nesse caso, a mulher que denuncia não é mais a mocinha em apuros, mas ela é uma mulher ardilosa que usa de tudo para enredar os homens e acabar com a vida deles. Se a mulher em questão for negra, recaem sobre ela os estereótipos de voluptuosidade e promiscuidade. Isso tudo é muito triste porque um estereótipo sempre limita a ação das pessoas. Não é de se espantar porque muitas mulheres desistem de denunciar o estupro, pois elas sabem que, em primeiro lugar, serão julgadas e condenadas pela opinião pública.

Quais desses estereótipos permanecem como formadores dos papéis nos quais a sociedade patriarcal quer nos aprisionar? 

Eu acredito que todos esses estereótipos nos acompanham atualmente. A nossa cultura, a cultura ocidental que é a que eu conheço e na qual estou imersa, joga, a depender dos seus interesses, com esta contradição: quando convém para o patriarcado, a mulher é a mãe diligente, sensível, que não sabe tomar decisões sozinha e que precisa sempre estar ancorada em um homem, mas quando ela denuncia um estupro, por exemplo, ela é a pessoa ardilosa, interesseira, calculista que seduziu o pobre homem indefeso.

A filósofa italiana Silvia Federicci provocativamente nos relembra de que “isso que chamam de amor é trabalho não remunerado”. O que mudou ao longo do tempo?

Esses dias eu conversava com uma amiga sobre feminismo e ela me disse uma coisa que me deixou pensando. Ela me falou que com o feminismo, na verdade, as mulheres só ganharam o direito de acumular funções. E isso é um pouco verdade, não por culpa do feminismo, claro. Com a passagem do tempo, as mulheres conquistaram o direito de votar, entraram nas universidades, conquistaram o direito de dirigir, ter conta em banco e até se divorciar. Contudo, para a grande maioria das mulheres, essas conquistas não foram acompanhadas de uma real divisão do trabalho doméstico. Muitas mulheres ainda são as únicas responsáveis por tarefas como preparar as refeições, lavar as roupas, acompanhar as tarefas da escola, cuidar dos filhos e cuidar dos mais velhos. E isso é muito cruel, porque, como bem colocaste, trabalho doméstico é trabalho e a única diferença do trabalho realizado para fora de casa é que ele deve ser realizado por todos que estão dentro de casa.

Em nossos dias, presenciamos um movimento de retorno ao lar, com valores tradicionais e submissão feminina. O chamado tradwife é sucesso nas redes de nicho da geração Z, com influenciadores romantizando esse retorno ao passado. Como analisas essa tendência?

Isso é interessante porque mostra como as pessoas em geral, e os jovens em particular, estão assujeitados no ambiente da internet. Isso porque compram uma narrativa, nesse caso, a dessas influencers, sem nem refletir sobre a relação da imagem na internet dessas pessoas e a vida real delas. Uma mulher que é influencer, pela própria natureza do que ela faz, ela não é dona de casa. Uma dona de casa não monetiza, quem monetiza em cima de conteúdos é alguém que tem um trabalho remunerado. Então, em primeiro lugar, as tradwives influencers são o contrário do que elas pregam: elas trabalham também “fora de casa”, elas ganham muito dinheiro.

Em segundo lugar, que qualquer pessoa que tenha passado pela experiência de cuidar de uma casa, de uma criança, de uma família, sabe que é impossível fazer isso com o cabelo impecável e a unha feita. O mundo que elas vendem é irreal, é um mundo montado por uma equipe para vender uma ideia de que a esposa perfeita é aquela de 70 anos atrás. Lembremos que o clonazepam foi inventado justamente nessa época, para que essas donas de casa conseguissem suportar o fardo que elas carregavam sozinhas. Por isso que eu disse que alguém que consome esse conteúdo está assujeitado, pois é incapaz de enxergar as contradições envolvidas nesse discurso de “volta ao lar”.

Ser mulher continua sendo perigoso. Precisamos lutar não apenas por constituirmos nossa subjetividade como pessoas humanas livres, mas pelo direito de existirmos, não sermos violentadas, mortas se fazermos uso de nossos corpos, sejamos mulheres cis, sejamos trans. Qual é a sua compreensão sobre esses paradoxos? Nessa direção, qual é a sua percepção pelo recrudescimento da violência contra a mulher inspirada pelo retorno da extrema-direita aos governos?

O retorno da extrema-direita aos governos e, antes disso, à sociedade e à praça pública escancara a tentativa de barrar os avanços, ainda provisórios e muito tímidos, que os movimentos sociais alcançaram com muita luta para, em diferentes graus, as mulheres. Que metade da população mundial tenha medo de sair à noite sozinha ou mesmo tenha receio de emitir uma opinião já é, por si só, assustador. Contudo, mais assustador ainda é que tenhamos uma sociedade que normaliza discurso de ódio contra mulheres sob o argumento de liberdade de expressão. Do modo como vejo, a violência no discurso contribui para a violência física. E se é certo que psicopatas sempre existiram, também é certo que algumas características específicas do nosso tempo estão criando uma situação em que homens jovens e muito jovens estão não apenas se sentindo livres para destilar misoginia nas redes, mas também, pela vivência nesses ambientes de violência simbólica, estão mais propensos a praticar violência física contra meninas e mulheres na vida real.

Os números de casos de abusos sexuais no Brasil são assustadores e vêm em uma crescente. Nessa semana eu escutava um podcast sobre a série “Adolescência” da Netflix, com a juíza carioca da Vara da Infância e Juventude, Vanessa Cavalieri, e ela dizia que nunca antes recebeu tantos casos de violência contra meninas como estava recebendo nos últimos anos. A magistrada afirmou que o tribunal estava cheio de casos parecidos de ataques a meninas e de ataques a escolas. Por sua vez, a extrema-direita, enquanto uma força política, sabe muito bem como mobilizar o sentimento de frustração nesses meninos e homens, por exemplo, por não corresponder ao padrão de masculinidade vigente, e transformar isso em voto. Um dos modos de fazer isso é defender a liberdade para agredir, pois a agressão verbal e simbólica é uma forma de poder, é uma ferramenta para se vingar de quem lhes fez algum mal, real ou imaginado. E entregar esse poder já é entregar alguma coisa.

Poderia aprofundar aspectos sobre a questão da plataformização da vida e a misoginia?

A plataformização da vida é a ideia de que nossa vida é cada vez mais impactada pela dependência das plataformas digitais. Isso ocorre em vários níveis, por exemplo, nas nossas interações sociais, no modo como consumimos produtos e serviços e no uso que fazemos de plataformas digitais em nossos trabalhos. Se, por um lado, utilizamos as plataformas para fazer coisas que antes fazíamos em interações de carne e osso, por exemplo, conhecer pessoas e desenvolver laços de amizade e afeto, por outro lado, o fato de estarmos fazendo essa atividade mediada por uma plataforma traz mudanças profundas na própria atividade.

Eu imagino que não é ficção científica pensar que perderemos muitas habilidades de interação social com o aprofundamento desse processo. Associado a isso, as plataformas tendem a produzir bolhas e câmaras de eco que amplificam certas ideias e comportamentos, como ideias e comportamentos misóginos e com um custo social de defender certas ideias muito baixo ou nulo. Um nazista que profere ideias nazistas na rua pode apanhar, mas na segurança de seu quarto, ele pode, no máximo, ser banido de algum grupo.

Pela própria dinâmica das redes, quando entro em uma plataforma e consumo certo tipo de conteúdo, a rede passa a me entregar mais do conteúdo que consumi e, ao invés do escrutínio público me levar a repensar minhas ideias e abrir minha mente, ela produz o efeito contrário de reforçar minhas ideias, aglutinando à minha volta pessoas que pensam parecido comigo e me dando o sentimento de pertencimento. Desse modo, grupos de intolerância são formados e passa a ser estabelecida uma dinâmica de recompensa para aqueles que extrapolam o grupo e partem para ataques virtuais e na vida real. Os números mostram que as meninas e mulheres são vítimas preferenciais de crimes digitais e uma vez que as plataformas não têm nenhuma ou muito pouca política de moderação de conteúdo, elas favorecem a violência de gênero.

Quais as principais conquistas que as mulheres obtiveram até o nosso tempo e que tu consideras centrais para nossas vidas?

Talvez seja importante pensar que enquanto algumas mulheres, em geral, brancas de classe média, passaram a ingressar no mundo da educação de forma massiva e, portanto, a ter melhores condições de trabalho, outras mulheres, por exemplo as de classes sociais mais baixas, ainda não conseguiram sair de um ciclo de submissão. Podemos dizer que no Brasil todas as mulheres conquistaram o direito político ao voto, mas que nem todas as mulheres conquistaram o direito à educação, uma vez que as estatísticas mostram que a gravidez na adolescência é um problema majoritariamente de classes sociais mais baixas e que atinge decisivamente as meninas em suas oportunidades de escolaridade e de trabalho.

Além disso, como o cuidado ainda é uma tarefa vista como das mulheres: para que uma mulher possa ascender no mercado de trabalho, uma mulher da classe trabalhadora precisa ocupar seu lugar dentro de casa, cuidando da casa e de seus filhos. Então, as conquistas são bastante heterogêneas se levarmos em conta os marcadores de classe e raça.

O voto foi uma das grandes conquistas nas sociedades democráticas. Qual é a importância da mulher na construção e consolidação desse sistema político? No caso brasileiro, que destaques tu mencionarias?

O direito ao voto é o primeiro marcador para a cidadania. As mulheres só foram consideradas cidadãs, portanto, muito tempo depois que os homens, majoritariamente no século XX. No ocidente podemos pensar nas francesas Mary Wollstonecraft (3) e Olympe de Gouges (4), mas também nas norte-americanas sufragistas e abolicionistas Mary Ann Shadd Cary e Frances Ellen Watkins Harper (5). Essas últimas trabalhando intensamente para que a luta das mulheres considerasse o marcador de raça e, portanto, a luta pelo abolicionismo, como central para a questão de gênero. No caso do Brasil, podemos pensar, claro, em Nísia Floresta (6), mas também no papel decisivo de Bertha Lutz (7) para que a Carta das Nações Unidas de 1945 incluísse direitos das mulheres.

Qual é tua percepção sobre a necessidade de unificação das pautas e lutas do feminismo em torno das pautas de gênero, mas também contra o racismo e a transfobia?

Essa é a questão de um milhão de dólares hoje, pois, se o movimento feminista já foi pautado pela ideia de universalização do conceito de mulher, hoje aprendemos com as feministas negras que essa ideia era opressora na medida em que inviabilizava experiências muito diversas de mulheres reais. E apagamento e silenciamento é tudo o que os movimentos feministas não devem praticar. Por outro lado, parece que existem questões pontuais que poderiam nos unir enquanto mulheres, em especial no que diz respeito à atuação dos movimentos para pressionar por mudanças legislativas.

Eu vejo, por exemplo, no Brasil, a luta pela garantia ao aborto legal como uma dessas questões. Contudo, isso não significa que devemos buscar um movimento feminista unificado, algo que eu vejo como utópico hoje, mas que talvez o caminho seja o reconhecimento de movimentos feministas (ou de feminismos) no plural com foco em questões enfrentadas por mulheres reais que se unem para garantir mais força em certas pautas. Então, para resumir, acho que uma unificação não é desejável, sob pena de silenciamento, e só é possível em certos momentos com vistas à obtenção de objetivos estratégicos.

Nos últimos anos houve um aumento significativo de eventos e publicações de filósofas brasileiras, pensando temáticas atuais e recuperando o legado de pensadoras da história da filosofia. Como percebes esse movimento e quais são as perspectivas que se desenham para os próximos anos?

Realmente a gente vive hoje uma espécie de primavera das filósofas, movimento que tem uma data de nascimento em 2016 com a publicação do artigo de Carolina Araújo (8), com uma série de iniciativas, que eu vejo como duradouras, para pensar nosso papel e a razão de nossa exclusão, bem como para recuperar nosso lugar na história da filosofia. Entendo que há perspectivas muito boas e estou muito curiosa para repetir as pesquisas daqui alguns anos olhando para esses dados que consideram a variável gênero, por exemplo, nos números relativos à defesa de dissertações e teses e de ingressos na pós-graduação, para ver se e o quanto esses movimentos, que começaram há menos de dez anos, estão impactando em nossos cursos.

Vejo também minhas alunas muito motivadas e, algo que é interessante também, percebo alunos e colegas engajados em contar uma história da filosofia com perspectiva de gênero, isto é, que não exclui as filósofas, que considera o trabalho na história da filosofia como um trabalho coletivo. E isso é uma conquista enorme. Então, em uma frase, a esse respeito, estou muito otimista!

Notas

(1) Grada Kilomba (1968): escritora, psicóloga, teórica e artista interdisciplinar portuguesa reconhecida pelo seu trabalho que tem como foco o exame da memória, trauma, género, racismo e pós-colonialismo e está traduzido em várias línguas, publicado e encenado internacionalmente. De suas obras, destacamos Plantation Memories: Episodes of Everyday Racism (2008).

(2) Patricia Hill Collins (1948): professora universitária de Sociologia da Universidade de Maryland, College Park. É a ex-chefe do Departamento de Estudos Afro-americanos na Universidade de Cincinnati, e ex-presidente do Conselho da Associação Americana de Sociologia. Collins foi a 100º presidenta da ASA, e a primeira mulher afro-americana a ocupar o cargo. Trabalha, principalmente, sobre feminismo e gênero dentro da comunidade afro-americana. A notoriedade de Patricia Hill Collins no contexto norte americano se deu a partir do seu livro Black Feminist Thought: Knowledge, Consciousness and the Politics of Empowerment, publicado originalmente em 1990.

(3) Mary Wollstonecraft (1759-1797): escritora, filósofa, e defensora dos direitos da mulher inglesa. Até finais do século XX, a vida de Wollstonecraft e suas várias relações pessoais não convencionais àquela altura, receberam mais atenção do que a sua escrita. Hoje em dia, é considerada uma das fundadoras da filosofia feminista. Após a morte de Wollstonecraft, o seu viúvo publicou uma Memória (1798) de sua vida, revelando seu estilo de vida pouco ortodoxo, que inadvertidamente afetou sua reputação pública na sociedade inglesa do século XIX. Contudo, com a emergência do movimento feminista na virada do século XX, a defesa de Wollstonecraft acerca da igualdade das mulheres perante os homens, bem como, suas críticas à feminilidade convencional tornaram-se cada vez mais importantes, revelando a proeminência da autora nos círculos feministas.

(4) Olimpia de Gouges (1748-1793): dramaturga, ativista política, feminista e abolicionista francesa de importante atuação na Revolução Francesa. Os escritos feministas de sua autoria alcançaram enorme audiência. Foi uma defensora da democracia e dos direitos das mulheres. Na sua obra Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã de setembro de 1791, opôs-se ao patriarcado da época e ao modo pelo qual a relação entre homem e mulher se expressava na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, durante a Revolução Francesa. Devido aos seus escritos e atitudes pioneiras, foi guilhotinada.

(5) Frances Ellen Watkins Harper (1825-1911): abolicionista, sufragista, poetisa, ativista da temperança, professora, palestrante e escritora norte-americana. A partir de 1845, ela foi uma das primeiras mulheres afro-americanas a publicar obras nos Estados Unidos. Depois de ingressar na Sociedade Americana Antiescravidão em 1853, Harper começou sua carreira como palestrante e ativista política.

(6) Nísia Floresta Brasileira Augusta (1810-1885): educadora, escritora e poetisa brasileira. Primeira na educação feminista no Brasil, com protagonismo nas letras, no jornalismo e nos movimentos sociais, defendeu ideais abolicionistas, republicanos e principalmente feministas, posicionamentos inovadores na época. Influenciou a prática educacional brasileira, rompendo limites do lugar social destinado à mulher. Capaz de estabelecer um diálogo entre ideias europeias e o contexto brasileiro no qual viveu, dedicou obras e ensinos sobre a condição feminina e foi considerada pioneira do feminismo no Brasil, além de denunciar injustiças contra escravos e indígenas brasileiros.

(7) Bertha Maria Júlia Lutz (1894-1976): ativista feminista, bióloga, educadora, diplomata e política brasileira. Era filha de Adolfo Lutz, cientista e pioneiro da medicina tropical. Foi uma das figuras mais significativas do feminismo e da educação no Brasil do século XX. Bertha era cientista, tal como seu pai. Especializou-se em anfíbios e, em 1919, tornou-se secretária e pesquisadora do Museu Nacional do Rio de Janeiro, sendo a segunda mulher a fazer parte do serviço público do país. Mais tarde, foi promovida a chefe do departamento de Botânica do Museu, posição que ocupou até se aposentar, em 1964. Internacionalmente, ela integrou a delegação brasileira à Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional em São Francisco, nos Estados Unidos, em 1945, onde lutou para incluir menções sobre igualdade de gênero no texto da Carta das Nações Unidas.

(8) Carolina Araújo: professora Titular do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, membro permanente do PPG Lógica e Metafísica (PPGLM-UFRJ), pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), Cientista do Nosso Estado (Faperj), diretora da Cátedra Quantas Filósofas? no Colégio Brasileiro de Altos Estudos (CBAE). Possui graduação em Filosofia, como bacharel e licenciada, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1998), mestrado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000), doutorado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2005) e pós-doutorado em Filosofia pela University of Ottawa (2012), onde também esteve como Professor Visitante Sênior (2020). Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Filosofia Antiga, Metafilosofia e Mulheres na Filosofia. É membro do Comitê Editorial da International Plato Society e representante da América Latina na Diretoria da International Society for Socratic Studies. Foi vice-presidente (2014-2017) e presidente (2017-2021) da Associação Latino-Americana de Filosofia Antiga. É membro e coadministradora da Rede Brasileira de Mulheres Filósofas e coeditora da Enciclopédia Mulheres na Filosofia. 

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