Por: Por Márcia Junges | 12 Março 2025
"A criação de um espaço de reflexão e questionamento que inclua as vozes femininas é essencial para o desenvolvimento de uma Filosofia que não apenas questione a realidade, mas também seja mais inclusiva, diversa e representativa da sociedade como um todo", escreve Márcia Rosane Junges, professora da graduação e pós-graduação em Filosofia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos.
A reflexão antecipa aspectos que serão discutidos no IHU Ideias de 13 de março, das 17h30min às 19h, pela Profa. Dra. Mitieli Seixas da Silva, docente na Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.
No século XXI, as mulheres têm conquistado, progressivamente, espaços antes inacessíveis em diversas áreas do conhecimento, incluindo a Filosofia. No entanto, o caminho até aqui foi longo e marcado por inúmeros desafios, que vão desde a exclusão explícita até as sutis formas de invisibilização de suas contribuições. As mulheres na Filosofia têm se destacado por suas perspectivas originais, reflexões críticas e a produção de novos horizontes teóricos, mas, ao mesmo tempo, enfrentam barreiras que persistem ainda na atualidade.
Historicamente, as mulheres foram marginalizadas nas grandes tradições filosóficas. Até o fim do século XIX, por exemplo, era quase inexistente o reconhecimento de filósofas e, quando o havia, elas eram frequentemente relegadas a papéis periféricos. No entanto, ao longo do século XX e início do século XXI, uma série de conquistas se tornaram evidentes, e as mulheres passaram a desempenhar papéis essenciais na renovação e expansão do pensamento filosófico. A luta pela inclusão, pela voz e pelo reconhecimento é parte fundamental dessa trajetória.
Professora Doutora Mitieli Seixas da Silva (Foto: Reprodução/Arquivo pessoal)
Entre as principais conquistas das mulheres na Filosofia, destaca-se o aumento da participação feminina nas universidades, a escrita filosófica e a disseminação de teorias que questionam as normas e estruturas sociais estabelecidas. Durante o século XX, filósofas como Simone de Beauvoir, Hannah Arendt e Judith Butler se tornaram figuras-chave ao questionarem as relações de gênero, a política e as estruturas sociais de opressão, contribuindo significativamente para os campos da Filosofia Feminista e da Filosofia Política.
Um nome fundamental nesta tradição filosófica é Émilie du Châtelet (1706-1749), uma das pioneiras que, embora não tenha recebido o reconhecimento que merecia em sua época, deixou um legado filosófico notável. Châtelet, filósofa, matemática e física, foi uma das primeiras mulheres a traduzir e comentar as obras de Isaac Newton, contribuindo de forma substancial para a popularização e a compreensão da física newtoniana no século XVIII. Sua tradução das Principia Mathematica e suas reflexões sobre a natureza da luz e da matéria são apenas alguns exemplos de sua contribuição, que foi fundamental para a construção da ciência moderna. Ao fazer essas contribuições em um campo dominado por homens, Émilie du Châtelet não apenas rompeu barreiras intelectuais, mas também desafiou as normas sociais que limitavam a atuação das mulheres.
Sua obra foi um ponto de partida para futuras gerações de mulheres nas Ciências e na Filosofia, inspirando pensadoras e cientistas, e ajudando a pavimentar o caminho para uma maior aceitação da mulher na academia.
Apesar dessas conquistas, os desafios permanecem. No século XXI, as mulheres ainda enfrentam obstáculos significativos na Filosofia, como a sub-representação nas posições de liderança acadêmica, a marginalização de suas contribuições e o preconceito persistente em relação às suas capacidades intelectuais. Em muitas universidades e instituições filosóficas de renome, as filósofas continuam a ser minoria, e suas obras, frequentemente, são vistas como uma subcategoria ou uma “perspectiva de gênero” que não alcança o status das tradições filosóficas dominantes.
Além disso, a Filosofia ainda lida com um problema estrutural de androcentrismo, onde os pensadores masculinos são historicamente considerados os principais formuladores de ideias e teorias. Mesmo com a presença crescente das mulheres nas universidades e nos espaços acadêmicos, a inclusão de mulheres filósofas nos currículos tradicionais e na história da Filosofia continua sendo um desafio. As suas contribuições, quando não são ignoradas, são frequentemente minimizadas ou distorcidas, sendo frequentemente relegadas ao papel de "comentadoras" ou "interlocutoras" de pensadores masculinos, ao invés de serem reconhecidas como filósofas originais.
O legado das mulheres na Filosofia, portanto, é crucial não apenas para as questões de gênero, mas também para a própria renovação e expansão do pensamento filosófico. O reconhecimento do trabalho de filósofas como Émilie du Châtelet, Simone de Beauvoir, Maria Zambrano, e muitas outras, é fundamental para garantir que suas ideias e contribuições sejam vistas como essenciais para o entendimento da história do pensamento. Além disso, a luta das mulheres na Filosofia não é apenas um movimento pela igualdade de gênero, mas pela pluralidade das perspectivas que enriquecem a prática filosófica.
A Filosofia feminista continua a ser um campo vibrante, desenvolvendo novas formas de olhar para as questões de opressão, identidade, subjetividade e estrutura social. A criação de um espaço de reflexão e questionamento que inclua as vozes femininas é essencial para o desenvolvimento de uma Filosofia que não apenas questione a realidade, mas também seja mais inclusiva, diversa e representativa da sociedade como um todo.
Ser mulher na Filosofia no século XXI envolve celebrar as conquistas que marcaram uma transformação nas últimas décadas, mas também reconhecer que há muitos obstáculos ainda a serem superados. O legado das mulheres na Filosofia, de pensadoras como Émilie du Châtelet e tantas outras, deve ser valorizado e ressignificado, não apenas como uma parte da história da Filosofia, mas como uma força viva que continua a desafiar e transformar a maneira como pensamos e compreendemos o mundo.
Mitieli Seixas da Silva é professora do Departamento e do PPG em Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Tem licenciatura em Filosofia (2005), mestrado (2008) e doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2016). Em 2009, recebeu uma bolsa do Programa Erasmus Mundus - Europhilosophie para cursar o Mestrado em Filosofia Alemã e Francesa, onde estudou na Université Catholique de Louvain-la-Neuve (Bélgica), Bergische Universität Wuppertal (Alemanha) e Université du Luxembourg (Luxemburgo). Foi docente orientadora do Subprojeto Filosofia da Residência Pedagógica da UFSM e é a coordenadora do Subprojeto Filosofia do PIBID-UFSM. Atualmente, dedica-se à obra de Émilie du Châtelet, coordenando o Émilie: Grupo de Pesquisa e Tradução e ao estudo da maternidade sob uma perspectiva filosófica. Em 2021 recebeu o Prêmio Elisabeth da Bohemia, concedido pelo Center for the History of Women Philosophers and Scientists, da Paderbron University (Alemanha). É uma das fundadoras e diretora nacional da Olimpíada Nacional de Filosofia (ONFIL). Coordena o projeto de ensino "Mulheres e Pessoas Trans: Explorando a Filosofia através da escrita", que recebeu o Prêmio Destaque Ensino 2024 da UFSM. É mãe da Cecília e da Lorena, tutora do cão Fritz.
Ser mulher no século XXI. Conquistas e desafios que persistem
Profa. Dra. Mitieli Seixas da Silva – UFSM
13-03-2025 | 17h30min às 19h
Transmissão ao vivo
YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=4fciY2FZycw
Facebook: https://www.facebook.com/events/2232387207157199
Página inicial do IHU: https://www.ihu.unisinos.br/
Não é necessária inscrição para assistir à palestra.
Será fornecido certificado a todos(as) que fizerem a inscrição e assinarem a presença no dia do evento.
O evento ficará gravado no YouTube e Facebook e poderá ser acessado a qualquer momento.
Inscrições e mais informações: https://www.ihu.unisinos.br/evento/ihu-ideias