07 Novembro 2024
A filósofa María Zambrano alertava que “todo extremismo destrói o que afirma”, mostrando como é contraditório defender de forma extrema qualquer tipo de ideologia.
O artigo é de Pablo Cerezal, escritor espanhol, em artigo publicado por Ethic, 05-11-2024. A tradução é do Cepat.
Quando falamos de extremismo, pensamos imediatamente em determinadas correntes radicais. De fato, a própria Real Academia Espanhola define o extremismo como a “tendência a adotar ideias extremas, especialmente na política e na religião”. Mas quando falamos de extremismo pensamos também na radicalização e, especialmente nas últimas décadas, no terrorismo. Isto não significa que ser extremista necessariamente conduz à violência, mas o certo é que, lamentavelmente, é o que acarreta em um grande número de ocasiões.
O extremismo está mais presente em nossa sociedade do que podemos pensar, já que não precisa necessariamente se mostrar em ideologias políticas ou crenças religiosas, mas se dá entre grupos de pessoas que, diante da moderação e do pensamento temperado, apresentam intolerância e falta de lógica.
Em nosso dia a dia, sem percebermos, somos vítimas do extremismo psicológico quando uma necessidade específica assume um papel preponderante em nossa forma de agir e anulamos outras preocupações ou necessidades básicas. Nesse momento, ocorre em nós um desequilíbrio motivacional e começamos a empregar todos os nossos recursos para satisfazer a necessidade que marcamos como prioritária. Abandonamos a moderação e perdemos perspectiva.
A mitologia grega já alertava para os perigos de cair neste tipo de extremismo psicológico. Dédalo, fechado no Labirinto de Creta com o seu filho Ícaro, teve a magnífica ideia de criar asas imensas com uma mistura de cera e penas. Aprenderam a voar e conseguiram escapar. No entanto, algo aconteceu durante aquela fuga. Dédalo alertou seu filho para não voar muito alto, para que o sol não queimasse a cera de suas asas, nem muito baixo, para que a espuma do mar não as molhasse. O jovem Ícaro, porém, obcecado apenas em satisfazer o prazer de seu voo, ignorou a recomendação do pai e começou a subir sem descanso. O fim da história já conhecemos: a cera amoleceu com o calor do sol e Ícaro caiu no mar, onde morreu afogado.
A filósofa María Zambrano deixou escrito que “todo extremismo destrói o que afirma”. Considerando o mito de Ícaro, a sentença adquire uma certeza devastadora. Afirmar a maravilha de poder voar pode ser entendido por qualquer um, mas se voar é a única coisa que importa, se o voo tiver que ser extremo, a razão do mesmo fica destruída e não é mais possível defendê-lo.
Segundo um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Cambridge, em 2021, a mente de alguém psicologicamente extremo está mais predisposta à radicalização ideológica, seja ela política, religiosa ou social. E a configuração mental de tal radicalização extrema, que pode levar à violência, afirmam, é uma mistura de psicologias imobilistas e dogmáticas, cuja resistência à mudança é férrea, mesmo diante das evidências.
Voltando ao corpus filosófico de María Zambrano, em cujo epicentro refulgia a sua proposta de reconciliação entre a razão e o coração, entre o pensamento e a emoção, ela própria também afirmava que “o ato de perguntar supõe o surgimento da consciência”. Uma pessoa cuja psicologia tende ao extremismo não se questiona, não escuta, nem pergunta, admite como verdade exclusiva a que ela mesma defende. E nesse momento se distancia da razão e do pensamento, deixando-se levar por impulsos puramente emocionais.
Em uma sociedade altamente competitiva e obcecada pelo reconhecimento popular e a necessidade de pertencer a um grupo, a teoria da identidade social, desenvolvida pelo psicólogo Henri Tajfel e seu discípulo John Turner, em 1979, ganha maior relevância. Segundo esta teoria, as pessoas categorizam a si mesmas e a outras como pertencentes a grupos sociais ou ideológicos concorrentes.
Se levamos esta necessidade de pertença competitiva ao campo da política e da religião, podemos compreender que o extremismo desemboque em uma radicalização violenta em que pouco importa a ideologia defendida, já que, como afirmava Zambrano, uma vez estabelecida psicologicamente como verdade inapelável que não admite reflexão, perde todo o sentido que poderia ter em sua origem e deixa de ter validade. O que se defende fica destruído.
Atualmente, diversas correntes ideológicas tendem à manipulação mais grosseira dessas formas de psicologias extremistas em benefício próprio. O mundo polarizado em que vivemos, sem dúvida, atende a tal manipulação e à dificuldade cada vez maior que as pessoas encontram em ter acesso a um debate moderado e fundamentado sobre os diferentes pontos de vista que possam ter sobre qualquer questão de importância para o necessário avanço social.
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María Zambrano e a destruição do extremismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU