​Plataformas digitais são ​uma velha exploração do trabalho com linguagem e discurso do século XXI. Entrevista especial com Luci Praun

Pesquisadora alerta que alterações na dinâmica de trabalho buscam mudanças nas formas de sociabilidade para acumular mais capital a longo prazo. Desregulamentação do mercado, liberdade e flexibilidade na jornada sem garantia ao trabalhador favorecem às corporações

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

Por: Elstor Hanzen | 11 Abril 2025

Para as corporações operarem livremente e obterem vantagens políticas e econômicas nos diferentes cantos do planeta, as barreiras de proteção social erguidas pela classe trabalhadora precisam ser derrubadas. Um exemplo é a reforma na legislação trabalhista brasileira pelo então presidente Michel Temer em 2017. O cerne da reforma “sempre foi a garantia de segurança jurídica para o empresariado em detrimento à segurança dos trabalhadores. Instituiu-se a prevalência do negociado sobre o legislado, ampliou-se a flexibilização contratual, avançou-se, entre outras deformidades, na instituição do trabalho intermitente”.

Quem avalia é professora da Universidade Federal do Acre (UFAC) e integrante do grupo de Pesquisa Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nesta entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU por e-mail, a pesquisadora perpassa o trabalho plataformizado, o “pleno emprego” no Brasil, o fim da jornada 6x1, a organização e o movimentos dos trabalhadores de aplicativo nos dias 30 de março e 1º de abril e, especialmente, como a atual digitalização do trabalho está transformando a subjetividade do trabalhador.

“Alterações na dinâmica de acumulação de capital ensejam mudanças nas formas prevalentes de sociabilidade”, constata. Segunda a analista, os processos de reestruturação produtiva, as mudanças em curso no mundo do trabalho, desde as últimas décadas do século passado, visam incidir de forma objetiva e subjetiva nas relações laborais. “A título de exemplo, podemos observar como a disseminação das bonificações por alcance de metas e resultados, além da flexibilização de parte dos salários. Tudo deslocou as atenções para a parcela flexibilizada, abriu caminho para que se instituíssem formas de competição entre equipes de trabalho e entre trabalhadores/as para o alcance das metas”, explica.

Ela também ressalta que a expressão “pleno emprego” gera uma “noção equivocada da realidade, já que, além de remeter à noção de emprego (...), não revela as diversas formas precarizadas de inserção laboral”. Além disso, em meio à intensificação e ampliação do controle sobre o trabalho, ambiente que fortalece o discurso do mérito individual, “minou o senso de coletividade presente nas décadas anteriores, naturalizando sutilmente o pagamento por produção”, afirma a entrevistada.

Luci Praun (foto: Arquivo pessoal)

Luci Praun é professora da Universidade Federal do Acre (Ufac), no momento cedida à Fundacentro. Integra o corpo de docentes permanentes do PPG em Economia Política Mundial da Universidade Federal do ABC (Ufabc). Na Unicamp integra o Grupo de Pesquisa Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses, vinculado ao IFCH. Ela compõe o Núcleo Semente – Saúde Mental e Direitos Humanos Relacionados ao Trabalho, vinculado ao Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo. Pesquisadora de temáticas relacionadas ao mundo do trabalho, entre elas, trabalho e saúde. 

Confira a entrevista.

IHU – Como enxerga e avalia o atual mundo do trabalho? Quais as principais metamorfoses?

Luci Praun  O atual mundo do trabalho é mais complexo, multifacetado, disperso e global que aquele que conhecemos há algumas décadas. No início do século XXI, essas mudanças significativas, que já vinham se desenvolvendo desde as décadas de 1980-1990 com o avanço do neoliberalismo e dos processos de flexibilização da produção e do trabalho, aprofundaram-se.

Um dos traços marcantes dessa trajetória de longo prazo pôde ser observado na crescente flexibilização das relações de trabalho, auxiliada pelo desenvolvimento tecnológico. Com jornadas flexibilizadas, por exemplo, o tempo diretamente dedicado à atividade laboral condensou-se, o trabalho foi intensificado. A essas medidas articularam-se outras, a exemplo da adoção de sistemas de metas e avaliações de desempenho que, além de operarem no mesmo sentido, de ampliar a produtividade e intensificar o trabalho, também trouxeram para o cotidiano de diferentes categorias e profissões mais controle, maior competição entre trabalhadores e maior individuação, além do fechamento de postos de trabalho.

Com atuação em escala global, as grandes corporações, apoiadas na expansão do capital financeiro e no avanço das diretrizes neoliberais incorporadas às políticas de Estado, ampliaram o poder de descentralização de suas atividades em busca de menores custos, especialmente com a força de trabalho. Assim, um outro traço marcante das últimas décadas tem sido a crescente perda de direitos sociais e do trabalho. Para que as corporações operem livremente e obtenham vantagens políticas e econômicas nos diferentes cantos do planeta, as barreiras de proteção social erguidas pela classe trabalhadora no período anterior têm sido constantemente derrubadas. No Brasil, esse movimento encontrou seu ponto alto em 2017, com “reforma trabalhista”, mas mantém-se ativo.

É neste cenário, em meio a um novo salto no desenvolvimento tecnológico, que corporações como a Uber, Amazon, Google, IFood, entre outras, expandiram-se e passaram a arregimentar um contingente crescente de trabalhadores. Valeram-se do ambiente de desregulamentação de direitos, da disponibilidade de força de trabalho desocupada, mas também daquela que compõe o contingente subocupado, submetido aos baixos salários, à perda crescente de direitos, aos ambientes de trabalho adoecedores. Distorcidamente, essas empresas-plataforma, apresentam-se como alternativa às vivências do avanço da precarização das relações de trabalho.

IHU – O Brasil vive quase o pleno emprego, mas os trabalhadores parecem não estar satisfeitos nem realizados. O que está acontecendo, como compreender este cenário?

Luci Praun  Certamente a classe trabalhadora não tem com o que estar satisfeita. Apesar da taxa de desocupação no Brasil, conforme o IBGE, se encontrar um pouco abaixo dos 7%, esse indicador por si só não é capaz de dar conta da complexidade das relações de trabalho locais.

É sempre bom lembrar que o grupo de ocupados é constituído por todos aqueles que realizaram, na semana de aplicação da pesquisa, ao menos uma hora de trabalho remunerado. Essa remuneração, por sua vez, não precisa ser necessariamente em dinheiro, o que significa que também se considera o pagamento em forma mercadorias ou algum outro tipo de benefício.

Ou seja, a expressão “pleno emprego” gera uma noção equivocada da realidade, já que, além de remeter à noção de emprego (e não de ocupação), não revela as diversas formas precarizadas de inserção laboral. Por isso, para a maioria da classe trabalhadora ocupada, submetida ao baixo ou nenhum acesso a direitos, aos salários que não chegam ao fim do mês, à pressão constante das avaliações de desempenho e das metas a serem alcançadas, às jornadas exaustivas à céu aberto e em espaços fechados de trabalho, às vivências de desgaste e adoecimentos relacionados ao trabalho, as coisas não têm como estar bem. Não há como estar satisfeito ou realizado em um cenário como este.

Não à toa a defesa do fim da escala 6x1 tem conquistado adesão. O mesmo se pode dizer da capacidade de organização demonstrada pelos trabalhadores de entrega por aplicativos na greve que realizaram nos dias 31/03 e 01/04.

IHU – O mercado informal está migrando para as redes sociais e precarizando o trabalho com ar de “modernidade”?

Luci Praun  Não diria que está migrando, mas que as empresas-plataforma ampliaram e imprimiram um novo perfil à informalização. Destaco dois aspectos que têm sido objeto de diferentes pesquisas em curso.

O primeiro diz respeito à associação que parte das pesquisas no Brasil sempre estabeleceu entre a maior incidência de parte importante do trabalho informalizado e segmentos empresariais com menor capacidade de investimento. No geral, micro e pequenos negócios. Empresas como a Uber, IFood, 99, Amazon, Mercado Livre, Meta certamente não se enquadram nessa categorização. No entanto, estão diretamente implicadas na expansão do trabalho informalizado no Brasil e em diversos cantos do mundo. Isso alterou significativamente a análise sobre os processos que estão na base da informalização do trabalho.

O segundo, que também tem relação direta com o avanço da precarização do trabalho, refere-se ao uso de redes sociais para o desenvolvimento de diversos tipos de atividades laborais. Entre essas atividades, podem-se considerar os canais de interação para tratar de demandas de trabalho, individualmente ou em grupo, a exemplo do uso que se faz do WhatsApp. Esse tipo de prática, bastante conhecida, mas difícil de ser mensurada, espalhou-se entre trabalhadores com vínculo formal, mas também entre os informalizados. A rede tem inclusive uma ferramenta de transferência de valores e tem sido utilizada para divulgação de serviços, comercialização de produtos, entre outras atividades.

Observa-se também, já há algum tempo, o uso de perfis públicos em redes como Facebook e Instagram para desenvolvimento de atividades laborais de diversos tipos. Recentemente foram divulgados os primeiros resultados de pesquisa sobre o uso do Instagram para atividades remuneradas, coordenada pela antropóloga Rosana Pinheiro-Machado.

A pesquisa destaca, entre outros aspectos, a atividade de um amplo segmento da população de comunidades pobres nesta rede social em busca de formas de remuneração. Mas ainda há muito o que se pesquisar sobre esse universo e sobre o perfil diversificado das atividades nele desenvolvidas, os trabalhadores envolvidos, as relações de trabalho ensejadas, os vínculos diretos e indiretos entre essas atividades e corporações de diferentes segmentos.

IHU – As plataformas digitais estão produzindo uma nova subjetividade do trabalho? Em que sentido?

Luci Praun Sem dúvida. Mas essa história não começa com a expansão empresas-plataforma, mas nas mudanças no padrão de acumulação de capital que observamos a partir da década de 1970-1980. Alterações na dinâmica de acumulação de capital ensejam mudanças nas formas prevalentes de sociabilidade. É o que temos vivenciado nas últimas décadas.

No início de nossa conversa, mencionei os processos de reestruturação produtiva, as mudanças em curso no mundo do trabalho desde as últimas décadas do século passado. Essas alterações visaram incidir objetiva e subjetivamente nas relações de trabalho. A título de exemplo, podemos observar como a disseminação das bonificações por alcance de metas e resultados, além de flexibilizar parte dos salários, deslocou as atenções para a parcela flexibilizada, abriu caminho para que se instituíssem formas de competição entre equipes de trabalho e entre os/as trabalhadores/as de uma mesma equipe com vistas ao alcance das metas.

Em meio à intensificação e ampliação do controle sobre o trabalho, esse ambiente fortaleceu o discurso do mérito individual, minou o senso de coletividade presente nas décadas anteriores, naturalizou sutilmente o pagamento por produção.

Esses e outros recursos da gestão flexível foram atualizados e exacerbados no contexto do que temos denominado de uberização do trabalho. Trata-se agora da flexibilização levada ao limite, do trabalho sem a parcela de remuneração fixa, sem nenhum direito, sem garantia de descanso, mas com as chefias e o patrão invisibilizados, o que fornece a falsa impressão de autonomia do trabalhador frente à organização e gestão de seu próprio trabalho.

Plataformização

Essa dinâmica, que visa garantir o engajamento no trabalho, e que encontra na gestão algorítmica seu ponto de apoio fundamental, extrapola o universo do trabalho. Almeja organizar a vida social como um todo, incidir na forma como as pessoas se relacionam cotidianamente como trabalhadoras e consumidoras, no tempo de trabalho e de não trabalho. Tenho insistido na ideia de que em parte o engajamento obtido por essas empresas ancora-se nos sistemas de avaliação e metas, no medo do desemprego, nas pressões e assédios vivenciados nos locais tradicionais de trabalho, mas se sustenta também na manipulação, por parte dessas corporações, da experiência pregressa desses trabalhadores com o trabalho.

Entre os mais os jovens, essa experiência pregressa remete à vivência do desemprego de longa duração e da inserção, quando alcançada, em postos de trabalho com baixíssimas remunerações, exigência de jornadas longas, fixas e extenuantes.

Sobre os mais velhos, pesam a idade, o fim do posto de trabalho, a impossibilidade de recolocar-se em empregos com a remuneração e direitos que um dia acessaram. Entram em jogo também as experiências com os processos de reestruturação das empresas em que trabalhavam, quando o tempo e a produtividade do trabalho se tornaram ainda mais controlados e adoecedores, quando a pressão das avaliações de desempenho e o medo do desemprego tornaram-se parte da rotina.

É nessa vivência e memória recentes da classe trabalhadora, constituidoras de percepções negativas da inserção laboral formalizada, que se apoia a manipulação. É nelas que se apoiam os apelos ideológicos e as estratégias de envolvimento utilizadas por empresas como Uber, 99, IFood. Almejam associar a dificuldade de acesso ao emprego, a repulsa ao trabalho explorado e precarizado, à suposta experiência de conquista e realização pessoal por elas oferecida, fundada em uma suposta liberdade de escolha e no mérito individual. Há, nesse sentido, uma manipulação da experiência laboral na busca por convertê-la em suporte para adesão a formas de trabalho que prometem estar no mérito individual a fórmula para se dar bem.

IHU – Como avalia a pauta pela mudança na jornada de trabalho, o fim da escala 6x1? Quais as possibilidades de avançarmos neste debate no país?

Luci Praun  A redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6x1 são reivindicações justas e necessárias. Uma não pode caminhar sem a outra. Não se trata de estabelecer uma escala 5x2, por exemplo, mantendo jornadas que facilmente superam as já extensas 44 horas semanais previstas na legislação. O fim da escala 6x1 é parte, portanto, da luta pela redução da jornada de trabalho. E a redução da jornada não pode ser acompanhada de redução do salário.

É sempre bom lembrar que a inserção de tecnologias digitais e o avanço da organização e gestão flexível do trabalho, que observamos nas últimas décadas, cortaram postos de trabalho ao mesmo tempo em que intensificaram a atividade laboral, ampliando também sua produtividade. Essas transformações se fizeram acompanhadas do amplo uso da terceirização e de um ambiente de crescente insegurança e instabilidade para a classe trabalhadora.

A luta pelo fim da jornada 6x1 e pela redução da jornada é, portanto, também parte da luta contra o avanço da precarização do trabalho. O que falta para essa pauta ser incorporada pelo conjunto das representações políticas e sindicais dos trabalhadores? Por um lado, chama a atenção que parte importante dessa luta esteja sendo organizada para além das estruturas sindicais, o que sugere certo distanciamento das representações sindicais de questões cruciais das categorias que representam.

Por outro, indica que uma ampla campanha em torno dessas reivindicações tem um enorme potencial de mobilização, pois dialogam diretamente com as vivências daqueles/as que acordam todos os dias para trabalhar duro e já não suportam mais ver a vida reduzida ao trabalho.

IHU – Qual o impacto da atual jornada na saúde do trabalhador e no sistema de saúde?

Luci Praun  A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Mundial do Trabalho (OIT), analisando dados de diferentes países, de 2016, constataram a relação entre longas jornadas laborais e maior incidência de mortes por acidente vascular cerebral (AVC) e doenças cardíacas. O estudo identificou que as longas jornadas contribuem para “um terço da carga total estimada de doenças relacionadas ao trabalho”.
Pesquisas realizadas no Brasil também constataram que jornadas longas potencializam acidentes de trabalho. Queixas de esgotamento físico e mental têm sido cada vez mais comuns e estão presentes em qualquer roda de conversa de trabalhadores.

Com o avanço da precarização do trabalho, as horas dedicadas ao descanso e ao lazer têm diminuído. O avanço do trabalho plataformizado, por exemplo, tem contribuído para que o ambiente doméstico esteja sendo cada vez mais tomado pelas atividades remuneradas, ampliando, no caso das mulheres, a sobreposição entre atividades remuneradas e não remuneradas de cuidado dos filhos, de idosos, da manutenção da casa.

Ilusão digital

No caso do trabalho plataformizado e por aplicativo, com remuneração por demanda atendida, as jornadas tendem a se estender sem limites, o que está longe de ser uma opção.

Apesar disso, os números oficiais sobre acidentes e adoecimentos relacionados ao trabalho captam apenas uma pequena parcela dessas ocorrências, resultante de parte das ocorrências envolvendo o segmento formalizado da classe trabalhadora. Do ponto de vista das empresas, reina tanto a ocultação de acidentes como o não reconhecimento dos adoecimentos relacionados ao trabalho, o que as isenta das responsabilidades com a saúde do/a trabalhador/a e com os custos de seu tratamento, transferido para o Sistema Único de Saúde.

A precarização do trabalho caminha no sentido oposto ao da garantia do direito à saúde. Garantir remuneração adequada e limitar as horas de dedicação ao trabalho é parte de um conjunto de medidas capazes de proteger a saúde dos/as trabalhadores/as.

IHU – Como analisa a luta dos movimentos dos trabalhadores de aplicativo, qual o centro da reivindicação?

Luci Praun Considero, por razões diversas, um movimento desde já vitorioso, mesmo que ainda não tenha resultado no atendimento das reivindicações.

Uma razão diz respeito à capacidade das lideranças da categoria de articularem uma greve nacional, mais expressiva que o breque de 2020 e com uma pauta cuidadosamente construída a partir do diálogo com a categoria.

Reivindica-se a taxa mínima de entrega, proposta em R$10,00, o adicional de R$2,50 por quilômetro rodado, o limite de quilômetros para entrega por bicicletas, além do pagamento integral nas entregas agrupadas em uma mesma rota. Mas as reivindicações extrapolam a dimensão salarial, pois repercutem no número de entregas que os entregadores precisam fazer por dia para garantir a sobrevivência, no ritmo alucinante das entregas. E, em decorrência, o altíssimo número de acidentes de trabalho no trânsito que tem gerado um contingente crescente de trabalhadores mutilados e mortos.

A greve é também vitoriosa porque resulta da experiência cotidiana com o trabalho uberizado. Dá visibilidade à exploração praticada por essas plataformas de trabalho. Coloca em xeque a falsa promessa de “equilíbrio entre trabalho e vida pessoal”, sempre presente nas propagandas de empresas como a Uber. Resgata o sentido e força da organização coletiva, apontando o caminho da luta para outras categorias.

IHU – Trabalhadores que atuam em outras áreas que envolvem o uso de tecnologias têm aderido às mobilizações? 

Luci Praun – Temos acompanhado um crescente descontentamento entre diferentes segmentos da classe trabalhadora. A luta desencadeada pelos entregadores de aplicativos e as mobilizações contra a escala 6x1 são as expressões mais visíveis dessa onda de mobilizações que têm à sua frente um segmento da classe trabalhadora que Ricardo Antunes tem denominado como “novo proletariado de serviços”, fortemente atingido pelo avanço da precarização do trabalho.

IHU – Como avalia a reforma trabalhista de 2017 quanto à expectativa e à realidade agora?

Luci Praun  Os argumentos favoráveis às alterações realizadas na legislação trabalhista brasileira, em 2017, nunca tiveram compromisso com a verdade. O cerne da “reforma” sempre foi a garantia de segurança jurídica para o empresariado em detrimento da segurança jurídica para os/as trabalhadores/as. O objetivo, conhecido dos defensores das medidas, sempre foi o de abrir o caminho para o avanço da precarização do trabalho. Assim, instituiu-se a prevalência do negociado sobre o legislado, ampliou-se a flexibilização contratual, avançou-se, entre outras deformidades, na instituição do trabalho intermitente.

Essas alterações foram realizadas em convergência com movimentos similares em outros países. Mas é interessante notar que a pretensão nunca foi a de criar condições de trabalho homogêneas em escala global. Ao contrário. Com a acentuação flexibilização do trabalho pela via da legislação, a garantia de segurança jurídica para os setores corporativos fez-se acompanhada da possibilidade de conjugar o recrutamento de um pequeno núcleo de trabalhadores/as formais precarizados, com contratos por tempo indeterminado, com o de uma franja crescente de trabalhadores terceirizados, temporários, intermitentes. E estes últimos, por sua vez, a tantos outros que compõem o heterogêneo contingente informalizado.

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