Por: André | 15 Novembro 2013
Desde o momento em que se anunciou que se chamaria Francisco, no dia 13 de março passado, foi possível vislumbrar qual seria sua marca: “Como gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres”, disse Jorge Mario Bergoglio dias depois, em italiano, sentado diante de uma multidão em expectativa durante a audiência à imprensa internacional que acompanhou o conclave que o proclamou papa.
Fonte: http://bit.ly/HPk4QC |
A reportagem é publicada por Religión Digital, 14-11-2013. A tradução é de André Langer.
Escolheu o nome em honra ao fundador da ordem franciscana, São Francisco de Assis, um dos santos mais célebres da Igreja. E deixou entrever nas suas primeiras palavras como pontífice, que introduziria um estilo diferente na Igreja, de maior abertura a outros credos, de austeridade, de tolerância. Que seria um papa próximo das pessoas e inauguraria um novo estilo, informal e diferente. Sabendo que seria criticado pelos setores eclesiásticos conservadores.
Ao longo dos últimos oito meses – os primeiros de seu papado – Francisco transformou aquelas promessas em decisões sobre a Igreja, a família, o papel da mulher, o Vaticano, que ficaram plasmadas em frases e imagens.
Decisões chaves
1. O papel da mulher
O papel das mulheres na Igreja é um dos focos de discussão tanto fora como dentro da instituição. Neste sentido, Francisco destacou a necessidade de elaborar uma nova teologia da mulher. Em outubro, destacou a Carta apostólica Mulieris Dignitatem, que considerou um “documento histórico”, ao ser o primeiro do magistério pontifício dedicado inteiramente ao tema da mulher. “Sofro quando vejo na Igreja ou em algumas organizações eclesiais que o papel de serviço, que todos nós devemos ter, que o papel de serviço da mulher, resvala para um papel de servidão”, disparou o Papa, ao extrapolar o texto que tinha preparado para receber os participantes do seminário promovido pelo Pontifício Conselho para os Leigos por ocasião da 25º aniversário da Carta Apostólica Mulieris Dignitatem, do beato João Paulo II.
2. Divórcio
Um dos principais focos de crítica à Igreja é a recusa a dar a comunhão aos divorciados recasados. Embora algumas das principais referências do catolicismo neguem que vá haver uma mudança nessa posição, Francisco promoveu recentemente o envio de um amplo questionário sobre a situação da família moderna aos bispos do mundo inteiro. O motivo é a proximidade da realização do Sínodo Extraordinário de outubro do próximo ano sobre “Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização”. No ponto 4 do questionário, uma das perguntas é: “Os separados e os divorciados recasados constituem uma realidade pastoral relevante na Igreja particular? Em que percentagem se poderia calculá-los numericamente? Em todos estes casos: como vivem os batizados a sua irregularidade? Estão conscientes da mesma? Simplesmente manifestam indiferença? Sentem-se marginalizados e vivem com sofrimento a impossibilidade de receber os sacramentos?”
3. Santa Marta
Assim que assumiu, o Papa transmitiu uma das suas primeiras decisões. Embora sutil, a determinação de não morar no luxuoso apartamento palaciano de seus predecessores, mas em um alojamento mais simples do Vaticano, na Casa Santa Marta, deu o que falar. Assim como o estilo particular – não utiliza carros luxuosos, calça os sapatos de sempre, carrega uma pasta de mão, telefona aos seus amigos e inclusive a desconhecidos, conversa abertamente com os jornalistas e usa uma linguagem simples –, foi um dos primeiros sinais de que sopravam ventos de mudança na Santa Sé.
4. Reforma da cúria
Um dos principais sinais de mudança na Igreja por parte de Francisco foi a criação do chamado G-8, um conselho de oito cardeais de todos os continentes, nomeados pelo Papa, que têm instruções para assessorá-lo na reforma da cúria e no governo universal da Igreja.
5. Abusos contra menores
Sem dúvida, um dos temas mais controversos em todo o mundo é a questão da pedofilia no âmbito eclesiástico e Francisco continua na linha de seu predecessor, Bento XVI, o primeiro a enfrentar diretamente esse tema. Havia passado apenas um mês desde a sua eleição, quando Francisco convocou para agir “com decisão” contra os casos de abusos sexuais contra menores por parte de sacerdotes. Corria maio quando, pela segunda vez desde que foi eleito, o Papa Francisco condenou com força a violência contra os menores. Mais adiante, em julho, assinou um decreto que endurece as penas contra os abusos a menores na Santa Sé e na cúria. E em outubro, destituiu um bispo irlandês, William Lee, que em 2010 reconheceu ter protegido um sacerdote pedófilo.
6. Nomeação chave
No dia 31 de agosto nomeou como secretário de Estado, no posto mais importante da Santa Sé, Pietro Parolin, em substituição ao questionado cardeal Tarcisio Bertone. Dias depois, o novo número dois de Francisco falou, pela primeira vez desde a cúpula da Santa Sé, que o celibato “pode ser discutido”.
7. A relação com outros credos
“Eu disse outras vezes e vou repeti-lo agora: é uma contradição que um cristão seja antissemita. Suas raízes são um pouco judias. Um cristão não pode ser antissemita! Que o antissemitismo seja vedado do coração e da vida de cada homem e de cada mulher!”, disse Francisco quando começava o seu papado. Meses depois recebeu em Santa Marta o rabino Abraham Skorka, seu amigo, com quem manteve inúmeras conversas, cafés da manhã, almoços e jantas. O Pontífice compartilhou o rito da bênção dos alimentos e supervisionou se o alimento do seu convidado era kosher. Meses atrás, havia chamado de “irmão” os “muçulmanos do mundo inteiro”, na mesma linha de seus antecessores, Paulo VI e João Paulo II.
8. O “Banco Vaticano”
Controvertida em alguns espaços e bem recebida em outros, o Papa criou, em junho, uma comissão especial para investigar o Instituto para as Obras de Religião (IOR), o chamado “banco vaticano”, criado em 1942, envolto em escândalos e suspeito de lavagem de dinheiro. Na Santa Sé, revelou-se que foi uma ideia de Francisco. “Nasceu do desejo do Santo Padre de conhecer melhor a posição jurídica e as atividades do Instituto para permitir uma melhor harmonização deste com a missão da Igreja universal e da Sé Apostólica, no contexto mais amplo de reformas que seja oportuno realizar nas instituições que dão auxílio à Sé Apostólica”, indicou um comunicado. Em junho, o diretor e o subdiretor do Banco do Vaticano renunciaram em meio a revelações sobre um escândalo financeiro.
8bis. Sua intervenção na Síria
Durante as semanas mais quentes do conflito civil na Síria, isto é, quando os Estados Unidos expressaram sua intenção de intervir militarmente, o Papa teve um papel central. Com uma dupla estratégia, diplomática e religiosa, Francisco fez um apelo à paz convocando um dia de vigília e meditação, orações e audiências públicas, e convocou os 71 embaixadores acreditados junto à Santa Sé para insistir em favor do diálogo e inclusive através do Twitter. “A paz é um bem que ultrapassa qualquer barreira, porque é um bem de toda a humanidade”, sentenciou em um tuit publicado em manhã de setembro.
Frases célebres
1. “A deusa propina”
Duas palavras dissímeis que unidas Francisco utilizou para fustigar contra a corrupção semanas atrás, em sua homilia na missa matutina da residência de Santa Marta, onde mora. Enquanto o Vaticano se via sacudido pelo incrível caso do superior dos camilianos, Renato Salvatore, preso por ter urdido o sequestro de dois padres que poderiam ter impedido sua eleição para superior da ordem, Francisco chamou para rezar “para que o Senhor mude o coração destes devotos da deusa propina e se deem conta de que a dignidade vem do trabalho digno”.
2. “Façam agitação”
Fazia meses que se esperava a chegada de Francisco ao continente americano. Nos jornais do mundo, a contagem regressiva apontava para a última semana de julho. O Papa encabeçaria a Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro. Durante a Jornada, em uma conversa com jovens católicos de diversos países, entre eles vários argentinos, o Sumo Pontífice respondeu a uma pergunta com um insólito apelo: “O que espero da Jornada? Espero agitação, que crie agitação, que a Igreja saia às ruas. Que nos defendamos da comodidade, que nos defendamos do clericalismo”, disse.
3. “Quem sou eu para julgar um gay?”
Moderado, mas revolucionário, Francisco pronunciou essa reflexão a vários milhares de pés de altura. Disse isso ao responder às perguntas de vários jornalistas que o acompanhavam no voo de volta a Roma, do Rio. Um deles o consultou sobre a sua posição diante do “lobby gay”. “Se uma pessoa é gay e busca o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”, respondeu. “O Catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem. Diz que não se deve marginalizar estas pessoas por causa disso. É preciso integrá-las na sociedade. O problema não é ter esta tendência. Devemos ser irmãos. O problema é fazer um lobby”, disse o Papa.
4. “Bispo de luxo”
Inesperadamente, se tornou conhecido em todo o mundo e os meios de comunicação decidiram chamá-lo de “bispo de luxo”. O alemão Franz-Peter Tebartz-van Elst foi acusado, em setembro, de ter gasto supostamente 31 milhões de euros para reformar a sede da sua diocese em Limburg. Pouco depois, o Papa se reuniu com ele. E em outubro foi dado o comunicado no qual o Vaticano informava que o bispo seria afastado do seu ministério episcopal, enquanto se investigava em profundidade “a questão da construção da sede episcopal”. Francisco demorou um pouco para tomar uma decisão em assunto sensível em relação à sua forma de conduzir a Igreja.
5. “Não existe um Deus católico, existe Deus”, disse o Papa durante a primeira reunião do conselho dos oito cardeais de todos os continentes que o ajudarão na reforma da cúria e no governo, e voltou a surpreender com fortes críticas à administração central da Igreja.
6. “Aos jovens, digo: não tenham medo de ir contra a corrente!”
“Quando querem nos roubar a esperança, quando nos propõem valores avariados, como a comida em mau estado, assim como a comida estragada nos faz mal, estes valores nos fazem mal”, clamou o Papa da janela do terceiro andar do Palácio Apostólico, durante a oração mariana do Angelus, em meados de junho.
7. “Joguem os pratos, mas não deixem de se perdoar”
É conhecida a postura da Igreja, e do próprio Papa sobre o divórcio. Francisco deixou isso claro, mas com humor, durante um discurso no começo de outubro, onde pediu aos casais para que façam o possível para manter-se unidos no casamento, apesar das adversidades. “Eu sempre digo aos recém casados, briguem, joguem os pratos, mas nunca vão dormir sem antes fazer as pazes. Nunca!”, disse, e provocou risadas e aplausos entre os presentes.
8. “A cúria tem um defeito: é vaticanocêntrica”
A palavra ‘abertura’, utilizada em grande parte dos artigos que buscam descrever a direção eclesiástica de Francisco, corresponderia novamente, desta vez, para descrever a entrevista que o pontífice deu a Eugenio Scalfari, o fundador do jornal La Repubblica, de 89 anos.
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Francisco: oito meses, oito decisões, oito frases - Instituto Humanitas Unisinos - IHU