Por: André | 02 Setembro 2013
Esta é a entrevista concedida pelo novo Secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin, ao jornal venezuelano Últimas Noticias, em 04 de agosto passado. Nela se pode perceber muitas das coisas da sua personalidade, da sua sensibilidade diplomática e da sua forma de se aproximar e ver as coisas.
Pietro Parolin, o novo Secretário de Estado do Papa Francisco, não é um homem de muitas palavras. Não foi fácil convencê-lo a conceder a entrevista. Refletiu durante uma semana e, oportunamente, aceitou ao pedido de Últimas Noticias. Nos recebeu na sala do magnífico edifício da Nunciatura Apostólica em Caracas, enfeitada com um busto de João Paulo II e a foto oficial e o escudo de sua Santidade Francisco, pontífice católico desde 13 de março passado.
A entrevista é de Manuel Isidro Molina e publicada no jornal venezuelano Últimas Noticias, 04-08-2013. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Parolin adverte: “Sobre questões políticas (internas da Venezuela), eu prefiro não opinar, porque não cabe a mim fazer isso. Além disso, é melhor agir nos bastidores”.
Contribui mais...
Se pode fazer mais. Haverá quem tenha que fazer declarações, porque a imprensa tem seu papel.
O bom jornalismo está em sintonia com o que é uma exigência social...
Sim.
O que está acontecendo na Igreja desde 13 de março passado, quando foi escolhido o cardeal Jorge Mario Bergoglio como novo Papa?
Creio que não está acontecendo nada de novo na Igreja, no sentido de que o novo é o comum.
Sempre com vontade de renovação?
Sim. Sempre, porque o protagonista principal na Igreja é o Espírito Santo.
Como interpreta o “fenômeno” Francisco?
A mim, o que me impactou e que considero um milagre da eleição do Papa Francisco, é a mudança repentina de clima que se percebeu na sequência. Antes havia pessimismo, muito injustamente, porque o Papa Bento XVI fez todo o possível para reformar a Igreja, se olharmos, por exemplo, o grande compromisso diante da pedofilia.
Essa tensão diante da pedofilia e da corrupção o deixou extenuado...
Também isso, imagino. Estávamos concentrados nesses problemas, parecia que a Igreja não seria capaz de se renovar; de repente, depois desta eleição e dos primeiros pronunciamentos do Papa, a situação mudou radicalmente para um clima de esperança, de renovação, de futuro, que antes parecia completamente travado. Eu considero isso, de verdade, um grande milagre. A coragem e a humildade do Papa Bento XVI de dar um passo para trás vai no mesmo sentido da coragem e da humildade de aceitar o pontificado do Papa Francisco, e seu novo fôlego.
O que mais o impactou do papado de Francisco?
O que mais me impactou é que mudou completamente a percepção que havia sobre a Igreja. De uma Igreja quase sitiada, com mil problemas, uma Igreja que parecia um pouco doente, digamos assim, passamos a uma Igreja que se abriu.
A revitalizou...
Sim. E que está olhando com grande confiança para o futuro de Deus. Me parece que é a coisa mais bonita que nos aconteceu.
O que significa o fato de que o Papa tenha começado seu primeiro périplo pelo Brasil?
Esta é uma coincidência, porque já estava decidido que a Jornada Mundial da Juventude seria no Brasil. Então, a qualquer Papa lhe correspondia estar ali.
Coincide também com o fato de que o Papa Francisco tenha feito sua opção pelos pobres e que o Brasil tenha sido ponta de lança da Teologia da Libertação.
Sobre a Teologia da Libertação, com muito sentimento, porque houve muito sofrimento, as coisas se esclareceram. Todos estes anos serviram, com muito sentimento, com muita dor, para esclarecer as coisas. É verdade que a Igreja tem uma opção preferencial pelos pobres, é uma escolha que a Igreja fez em nível universal. Mas também a Igreja sempre esclareceu que (a opção pelos pobres) não é uma opção excludente nem exclusiva.
Mas preferencial...
Sim, preferencial, mas significa que a Igreja é de todos, a Igreja oferece o Evangelho a todos com uma atenção especial aos pobres, porque eles são os preferidos do Senhor, com conhecimento de causa de que o Evangelho somente pode ser recebido com uma atitude de pobre.
A simplicidade proclamada por Francisco...
O Papa Francisco vai nesta linha. Esta atenção que ele manifestou desde os primeiros momentos de seu pontificado, coloca no centro da Igreja uma opção fundamental que é para todos, mas com uma atenção especial aos pobres.
Isso tem uma leitura entre os fiéis latino-caribenhos. Que leitura teria entre os fiéis africanos?
Há diferenças. A Teologia da Libertação teve menos repercussões na África do que na América Latina.
E na Europa com os padres operários...
Sim, seguramente, mas na África não. Este (do Papa Francisco pelos pobres) é um bom anúncio para a África, que se encontra em conflitos em diversos países e por conta das desigualdades. Penso que esta insistência do Papa é importante também para a África na questão da justiça social e da paz, que foram tratados nos dois últimos sínodos sobre a África realizados no Vaticano.
É um tema humano, o da pobreza, para a Igreja. Mas também, para os marxistas, é um tema classista...
A Igreja não pode assumir as categorias marxistas de luta de classes. Um dos pontos dos problemas que nasceram (com os proponentes da Teologia da Libertação) foi utilizar a categoria marxista de luta de classes para sua doutrina. A Igreja propõe sempre, como primeiro passo, a conversão dos corações e a educação das pessoas para a solidariedade que permita superar não apenas pessoal, mas também estruturalmente os problemas da sociedade. Sobre a pobreza, a Igreja tem um enorme patrimônio que é a sua doutrina social.
Que peso a Igreja dá à corrupção como base destes problemas?
O Papa chamou a atenção para isso. É um tema que toca a Igreja, porque sabe que a corrupção prejudica a fibra da sociedade e acarreta muitas consequências, como as mencionadas. É importante que haja uma luta contra a corrupção; sobretudo, na educação que é um âmbito fundamental da Igreja. A educação das pessoas para a legalidade, a honestidade, a coerência entre discurso e prática, de maneira tal que as pessoas saibam rechaçar essas tentações, e saibam construir sociedades saudáveis, sociedades positivas.
O Papa Francisco estimulou as relações inter-religiosas, ao menos entre as monoteístas... E quanto às misturas das crenças latino-caribenhas?
Sobre o diálogo ecumênico entre cristãos e o diálogo inter-religioso, o Papa se pronunciou na esteira de seus antecessores, por exemplo, João Paulo II com seu encontro em Assis. O Papa Francisco é muito claro, temos que seguir em diante neste caminho.
E sobre a mistura das crenças latino-caribenhas?
A Igreja segue o princípio de São Paulo, de tomar conhecimento de tudo e escolher o que é bom e o que é saudável. Tudo o que é compatível com o Evangelho pode ser assumido.
A Venezuela tem muita tradição com os Tambores de São João, os Diabos Dançantes, patrimônio cultural...
Essas são tradições boas, que vale a pena manter e reforçar, através das quais, sobretudo, crescer na fé.
Há algum sinal de uma visita do Papa Francisco à Venezuela?
Não saberia dizer. Não temos conhecimento de quais serão as intenções do Papa em relação a esse assunto.
O presidente Nicolás Maduro o convidou, por ocasião da sua visita ao Vaticano...
Me parece que não o convidou. Você acha que ele o convidou?
Abriu a possibilidade de vir...
Sim, mas um convite formal, creio que não existe. O Presidente lhe terá dito algo, que as portas da Venezuela estão abertas.
Em todo o caso, não lhe disse que estavam fechadas...
(Risos) Não, não, isso não. Agora, que eu saiba, não há um convite formal para que o Papa venha à Venezuela.
Na hierarquia católica se considera que esse encontro foi bom?
Sim, sim.
Produziu consequências imediatas?
A avaliação do encontro do Papa Francisco com o presidente Maduro é uma avaliação positiva na linha do diálogo que a Igreja promove. Foi testemunho de diálogo. O Papa sempre está disposto a receber a todos.
Ele demonstrou isso. Com a presidente argentina Cristina Kirchner se lhe atribuíam conflitos de opiniões...
O Papa a recebeu e a abraçou.
Recebeu o presidente Maduro, com quem também existe a pretensão de que há diferenças...
Certamente, o Papa está aberto a receber e conversar com todos. Me parece que este encontro com o presidente Maduro ajudou para que haja um diálogo com a Igreja, aqui na Venezuela.
De melhor qualidade?
Pelo menos se abriu canais de contato, e que se considere o diálogo como um método para a solução dos problemas.
Para compreender os problemas?
Para compreender e solucionar os problemas de uma maneira pacífica, humana e cristã.
Que percepção a Igreja tem sobre os sofrimentos sociais decorrentes da crise econômica em vários países da Europa?
A Igreja o assume como diz aquela frase do Concílio Vaticano II, do qual estamos celebrando 50 anos: a Igreja e os cristãos fazem seus todos os dramas do mundo contemporâneo. A Igreja fez um apelo para que na resolução da crise que a Europa está atravessando se leve em consideração o sofrimento humano.
E o que acontece com o “capitalismo selvagem”? Foi criticado por João Paulo II, assim como por Bento XVI, e é criticado pelo Papa Francisco. Por quais razões essa tendência segue predominando na Europa?
Isto é preocupante. A Igreja segue pedindo que se corrija isso, que sobre o econômico prime o humano, a ética e a moral. Sobre as leis da economia prime a pessoa humana. Daí nasce este sentido de amor aos pobres, de solidariedade, de uma economia verdadeiramente humana que ajude a desenvolver as pessoas e não a humilhá-las ou prejudicar sua dignidade. Este é um discurso fundamental para a Igreja, e temos todas as encíclicas papais desde a Rerum Novarum (1891), de Leão XIII, até a Caritas in Veritate (2009), de Bento XVI.
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“A situação mudou radicalmente para um clima de esperança, de renovação, de futuro”. Entrevista com Pietro Parolin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU