Por: Patricia Fachin | 01 Dezembro 2016
“Se o mundo terá que se adaptar a Donald Trump à frente da presidência, na agenda de clima e em vários outros temas, Trump também terá que se adequar à realidade, que é indiscutível, da transição energética”, diz Carlos Rittl à IHU On-Line, na entrevista concedida por telefone, após participar da COP 22, em Marrakesh.
Segundo ele, a avaliação entre os membros da Conferência Climática é de que possivelmente a eleição do presidente americano poderá gerar um impacto na participação dos EUA no enfrentamento das mudanças climáticas, dado o “negacionismo climático” de Trump. Mas, independentemente dos rumos dos EUA daqui para frente, afirma, os demais países membros da Conferência “se empenharam de uma maneira mais coesa para assegurar que a agenda avançasse, tanto na negociação como em meio a diferentes setores, entre eles, o privado. (...) Além disso, o Secretário Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, e a Secretária Executiva da Convenção de Clima, Patrícia Espinosa, fizeram declarações muito contundentes de que essa é uma agenda imparável, e a reação de todos foi de que, independentemente do que aconteça nos Estados Unidos ou em qualquer outro país, essa agenda vai avançar”.
Carlos Rittl comenta ainda a participação do Brasil na última conferência, e critica especialmente as declarações do ministro da Agropecuária e Abastecimento, Blairo Maggi, que “tentou passar uma imagem de que tudo anda bem na agricultura brasileira, alegando que produzimos de maneira sustentável, não contribuímos para as mudanças climáticas e que não existe violência no campo”. Na avaliação de Rittl, as declarações geraram “constrangimento, porque aqueles que acompanham a realidade do Brasil sabem não apenas que continuamos destruindo florestas, mas que a agricultura e a pecuária são responsáveis por uma parte significativa das emissões brasileiras”.
Carlos Rittl, no IHU, em 2015
Foto: Ricardo Machado | IHU
Carlos Rittl é mestre e doutor em Biologia Tropical e Recursos Naturais. Foi coordenador do Greenpeace Brasil, coordenador da Campanha de Clima, e do WWF-Brasil, coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia. Atualmente é coordenador executivo do Observatório do Clima.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quais foram os pontos altos da COP 22, que na avaliação de muitos foi uma conferência mais técnica?
Carlos Rittl - De fato essa foi uma COP diferente. Enquanto no ano passado existia um pacote a ser acordado e algumas decisões complementares, neste ano o desafio era começar a tirar o Acordo de Paris do papel, definindo suas regras e começando a detalhar alguns instrumentos que foram instituídos no Acordo de Paris.
Implementar o Acordo de Paris significa assegurar que seus objetivos sejam alcançados, entre eles, o de limitar o aquecimento global bem abaixo dos 2 graus ou de 1,5 grau. Isso depende não apenas do cumprimento dos compromissos nacionais individualmente, mas também do aumento do nível de ambição. Em tese, a COP de Marrakesh deveria começar a pavimentar o caminho para que tivéssemos o cumprimento dos compromissos assumidos por cada país no ano passado, enquanto asseguramos o aumento do nível de ambição necessária para limitar o aquecimento global dentro daqueles limites, já que, hoje, a soma dos esforços prometidos nos levaria a um mundo, pelo menos, 3 graus mais quente do que os níveis pré-industriais.
Além disso, Marrakesh deveria também entregar uma agenda para assegurar que entre 2021 e 2025 tivéssemos, pelo menos, 100 bilhões de dólares à disposição de países em desenvolvimento, especialmente para os países mais pobres. Com isso eles poderiam desenvolver políticas e implementar ações para reduzir suas emissões ou se desenvolverem promovendo inclusão social enquanto limitam ou reduzem suas emissões, e também para que consigam lidar de uma maneira mais preparada com os impactos já presentes das mudanças climáticas.
A COP de Marrakesh colocou uma agenda para que todas essas regras sejam definidas até 2018. Essa agenda foi definida, todos os temas que compõem o pacote de Paris serão objeto de discussão e negociação ao longo dos próximos dois anos, mas, de fato, o sucesso dessa agenda é difícil de mensurar agora, já que de concreto muito pouco foi acrescido além do que já tínhamos em relação às diretrizes estabelecidas em Paris. O sucesso poderá ser avaliado ao final dos próximos dois anos, quando saberemos com certeza se antes de 2020, por exemplo, conseguiremos ver mais promessas de cortes de emissões mais profundos do que aqueles que temos até agora.
IHU On-Line - Alguns fizeram uma crítica ao fato de que os países ratificaram o acordo de Paris rapidamente. Concorda com essa crítica? Dada a ratificação, como foi a reunião da CNA para discutir a implementação do acordo?
Carlos Rittl - A crítica foi feita pelo fato de que uma reunião que pretende criar regras, procedimentos, diretrizes e medidas para implementar o Acordo de Paris, depende de um tempo razoável para ser preparada, e nós só tivemos a “certeza” de que o acordo entraria em vigor neste ano, um pouco antes da realização da COP 22. Todos trabalhavam com uma expectativa de que o acordo entraria em vigor em 2020. Então, existia um desafio enorme de tornar a primeira reunião das partes – a CNA – efetiva e fazer com que ela entregasse uma agenda de decisões efetivas.
Apesar disso, eu vejo a rápida ratificação do acordo como um bom problema, porque antecipa a discussão sobre o pacote de implementação do Acordo de Paris e nos permite vislumbrar a possibilidade de aumentar a ambição climática por parte dos países antes de 2020. Significa, também, acelerar a discussão de como serão arrecadados esses 100 bilhões de dólares por ano, entre 2021 e 2025.
Na semana passada, 113 países já haviam ratificado o Acordo. Isso indica que, politicamente, não se perdeu o momento do ano passado, em que a pressão da sociedade e de vários setores e lideranças, entre elas o Papa Francisco, e o engajamento do setor privado e de diferentes setores da sociedade nessa agenda fizeram com que os países ratificassem o acordo rapidamente. Entre os países que já ratificaram o acordo, estão o Reino Unido, o Japão e a Austrália.
A diferença entre o conjunto de compromissos e aquilo que o próprio Acordo prevê como necessário, é muito grande. Por isso, essa antecipação, mesmo lidando com as dificuldades de criar um pacote de instrumentos homogêneo, amplo, abrangente e que dependa de regras muito específicas, é um desafio que foi assumido pelos países e, de maneira muito clara, definiu-se, inclusive, que não vai se esperar até 2020 para que todas essas regras sejam fechadas; isso será concluído em 2018.
Como era previsto no Acordo de Paris, a CNA deveria entregar muita coisa, mas como se esperava igualmente que essa CNA acontecesse somente em 2020, a reunião acabou sendo suspensa para ter continuidade nos próximos dois anos. Com isso ela foi suspensa, mas será reaberta na próxima COP, e a primeira CNA será concluída somente em 2018. Desse modo será uma reunião em três partes, mas a negociação vai ocorrer já em maio do ano que vem.
IHU On-Line - Como a eleição de Trump repercutiu na COP 22, especialmente após ele declarar que pretende rever a ratificação dos EUA ao acordo de Paris? Há risco de os EUA mudarem de posição em relação ao acordo da COP 22?
Carlos Rittl - O impacto da eleição foi de uma grande reflexão. Na manhã em que saiu o resultado da eleição, ficou muito evidente o silêncio nos corredores da COP. A impressão era de que todos estavam tentando assimilar o significado da eleição de Donald Trump à presidência norte-americana.
Todos sabem que haverá algum impacto; ninguém é ingênuo em dizer que não haverá, pelos interesses que ele representa, por sua associação à indústria de combustíveis fósseis, pelas suas próprias convicções, crenças e pelo seu próprio negacionismo climático. Embora ele tenha dado entrevistas, nesses últimos dias, dizendo que tem uma mente aberta a respeito do assunto, fica claro que ele tomará medidas, entre outras, para reduzir as restrições às termoelétricas a carvão, à exploração de gás de xisto e aos combustíveis fósseis em geral. Portanto, isso vai ter impactos na própria trajetória de emissões dos Estados Unidos.
Outro impacto muito provável é a retirada de recursos de cooperação para o apoio aos países em desenvolvimento nas suas próprias ações de enfrentamento das mudanças climáticas. Os Estados Unidos têm uma participação importante no financiamento internacional e, muito provavelmente, esses recursos serão diminuídos ou não existirão ao longo dos próximos anos. Isso terá um impacto grande para os países mais pobres, que terão menos recursos à disposição para suas próprias ações; isso é o que mais preocupa.
Por outro lado, países da União Europeia, China, Brasil, Arábia Saudita e uma coalizão formada por mais de 100 países, chamada de Coalizão de Alta Ambição, que congrega muitos países e que foi liderada pelos países mais vulneráveis, se manifestaram no sentido de manutenção dos seus compromissos. A impressão que tenho é de que na conferência, justamente pela natureza das declarações ao longo da campanha e dos riscos que a agenda internacional poderia correr com uma ausência dos Estados Unidos, todos se empenharam de uma maneira mais coesa para assegurar que a agenda avançasse, tanto na negociação como em meio a diferentes setores, entre eles, o privado.
Mesmo nos Estados Unidos há um anúncio de novos investimentos em fontes de energia renováveis. Além disso, o Secretário Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, e a Secretária Executiva da Convenção de Clima, Patrícia Espinosa, fizeram declarações muito contundentes de que essa é uma agenda imparável, e a reação de todos foi de que, independentemente do que aconteça nos Estados Unidos ou em qualquer outro país, essa agenda vai avançar. Essa foi a reação imediata e se concretizou em resultados na própria COP 22.
Nos Estados Unidos, mesmo que Donald Trump queira dar um novo impulso às fontes fósseis de energia, o que ele não poderá ignorar é que o setor de energias renováveis cria mais empregos, não só em relação à média da economia americana, mas em relação a toda a indústria de combustíveis fósseis: o setor de energia solar, no ano passado, criou mais empregos do que os setores de carvão, petróleo e gás natural no seu conjunto. Isso significa que há benefícios econômicos associados à ação climática e geração de empregos. Ele não poderá ignorar isso e reverter uma tendência que já ocorre e que não depende única e exclusivamente do governo federal dos Estados Unidos.
Estados americanos estão empenhados no desenvolvimento de políticas de promoção de fontes de energia renováveis, municípios americanos também, e a maioria da população americana apoia a ação climática e os investimentos em energias renováveis. Além disso, hoje, a maior parte dos investimentos em fontes de energia renováveis, nos Estados Unidos, ocorre em estados onde a maioria dos eleitores é republicana. Então, se o mundo terá que se adaptar a Donald Trump à frente da presidência, na agenda de clima e em vários outros temas, Trump também terá que se adequar à realidade, que é indiscutível, da transição energética e à realidade de quão competitivas são as fontes de energia renováveis.
IHU On-Line - Durante alguns anos o Brasil comemorou o combate ao desmatamento como um dos meios de conter as emissões de gases de efeito estufa. Mas na COP 22 o governo disse que as taxas de desmatamento pararam de cair. Que impacto isso pode ter nas metas nacionais brasileiras? Por que as taxas de desmatamento pararam de cair?
Carlos Rittl - Temos que analisar a participação do Brasil sob diferentes óticas. Primeiro, a da diplomacia. Na negociação em si, o Brasil teve um papel que foi positivo para poder contribuir com o resultado final da negociação, inclusive assegurando alguns itens que poderiam ficar meio soltos e sem uma agenda específica de discussão no ano que vem, somente sendo retomados na COP 23. Na reabertura da CNA, o Brasil, nos instantes finais da COP, se posicionou de maneira muito incisiva para que esses assuntos não ficassem órfãos e só fossem objeto de discussão em novembro do ano que vem. Houve uma participação positiva e uma contribuição para o resultado final da conferência.
O Brasil se apresentou com a presença de dois ministros na Conferência, como ocorre todos os anos. O ministro José Sarney Filho fez uma referência importante ao mencionar que 1,5 grau é uma meta a ser buscada, de forma a instigar todos os países a trabalharem e limitarem o aquecimento global dentro desse limite. Isso foi bastante relevante. Ao defender essa meta, o Brasil abre uma janela de oportunidade para, inclusive, discutir o grau de ambição das nossas metas. Outra informação importante, passada pelo ministro , foi de que o Brasil, até o final do ano, apresentará as diretrizes da sua estratégia para implementar as suas metas nacionais.
Antecipar essa discussão, mesmo que estejamos falando de compromissos para depois de 2020, nos permite engajar os diferentes setores da sociedade na implementação dessas metas e transformar a agenda climática em uma agenda de Estado e não de governo. Faltou, contudo, no discurso do ministro, a indicação do que nós mesmos faremos como algo a mais, ou pelo menos uma indicação de que se todos os países estiverem dispostos a colocar mais ambição na mesa, o Brasil também o fará. Essa teria sido uma mensagem política, que não compromete em nada o país em obrigatoriamente fazer algo a mais do que já se comprometeu, mas dava uma direção para onde estamos olhando.
Embora o ministro Sarney tenha reconhecido o aumento da taxa de desmatamento e informado que a taxa de 2016 também aumentará, o ministro da Agropecuária e Abastecimento, Blairo Maggi, tentou passar uma imagem de que tudo anda bem na agricultura brasileira, alegando que produzimos de maneira sustentável, não contribuímos para as mudanças climáticas e que não existe violência no campo. Isso causou certo constrangimento, porque aqueles que acompanham a realidade do Brasil sabem que não apenas continuamos destruindo florestas, mas que a agricultura e a pecuária são responsáveis por uma parte significativa das emissões brasileiras. Faltou, portanto, por parte do ministro, uma reflexão mais realista e mais próxima daquilo que acontece de fato no país.
É importante reconhecer progressos, como, por exemplo, a redução da taxa anual de desmatamento em relação a 10 anos atrás, mas seria necessário reconhecer também que o desmatamento não é um problema superado. Seria importante ele admitir que, embora a agricultura tenha potencial de ser parte da solução para o clima, hoje a agricultura e, especialmente, a pecuária ainda não são sustentáveis.
Faltou ainda reconhecer que a violência no campo é patente, é muito evidente, seja no desrespeito aos direitos de populações indígenas, comunidades ribeirinhas, seja no desrespeito às suas lideranças. O Brasil está no topo do ranking como o país que mais mata ambientalistas no planeta; é algo vergonhoso, que precisa ser conhecido para que possamos olhar para frente sem tentar passar para o mundo que no Brasil tudo está resolvido.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Carlos Rittl – A expectativa de todos é de que a agenda de clima seja tratada como um componente estratégico da nossa agenda de desenvolvimento. Embora haja empenho do ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, e de sua esquipe em levar essa agenda adiante, ela ainda não é uma agenda prioritária, seja para o próprio Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, seja para o Ministério da Fazenda, o Ministério do Planejamento ou Ministério de Minas e Energia. Não basta apenas o empenho de um Ministério. É importante que essa agenda seja prioritária para a Presidência da República, para a Casa Civil, para o Ministério da Fazenda, para o Ministério de Planejamento, para o Ministério das Cidades, para o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Enfim, se essa não for uma agenda prioritária para o país, continuaremos discutindo políticas que, embora possam ser bem desenhadas, não farão frente aos rumos do desenvolvimento, às políticas de desenvolvimento e aos investimentos voltados para o desenvolvimento do Brasil.
Diante da atual recessão econômica, deveríamos estar prestando atenção em setores como, por exemplo, o setor de energia eólica, pois temos muito potencial para o desenvolvimento desse tipo de energia no Sul e no Nordeste do país. Esse setor, apesar do segundo ano de recessão no país, está gerando dezenas de milhares de empregos, mesmo sem estar recebendo grandes incentivos, apenas por uma resposta dos investidores a uma energia cujos custos são muito competitivos hoje.
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A rápida ratificação do Acordo de Paris é um bom problema. Entrevista especial com Carlos Rittl - Instituto Humanitas Unisinos - IHU