29 Janeiro 2016
Carlos Augusto Klink, secretário de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, detalhou em entrevista exclusiva as metas brasileiras de redução de emissões de gases de efeito estufa apresentadas em preparo para a COP 21. Klink é biólogo com mestrado e doutorado pela Universidade de Harvard e integra a equipe responsável pelas negociações relativas à Conferência do Clima.
A reportagem fou publicada por Envolverde, 27-01-2016.
Apesar de algumas críticas à INDC, especialistas apontam que, com a INDC brasileira, o país assume um papel de liderança para puxar um compromisso mais sólido de outros países. É possível que tenhamos compromissos mais robustos em Paris?
Não apenas é possível como já está acontecendo. No contexto político da construção da INDC do Brasil, fizemos consulta dentro da Convenção do Clima, fizemos um arranjo político muito sério dentro do governo para construir esses compromissos.
Fizemos uma busca bilateral com empresas, ONGs, academia, sociedade civil. Foi muito importante porque deu esse lastro político de transparência na construção do processo e ajudou a ter essa robustez forte.
Eu tenho viajado muito dentro e fora do Brasil por conta das pré-negociações. Recebemos o chefe de negociação do clima dos Estados Unidos que nos enalteceu e propôs para juntos fazermos Paris valer a pena. Recebemos também o principal negociador europeu no Rio de Janeiro, que falou publicamente que o Brasil deu um sinal forte importante.
Utilizamos as visitas presidenciais para fazer acordos bilaterais, que demonstram claramente que a INDC provocou uma movimentação no cenário internacional.
A gente vê com olhos muito positivos esse papel de protagonista do Brasil. O que o Brasil quer é que Paris produza um acordo robusto, acordado e que a COP 21 tenha sucesso.
Atualmente, já alcançamos 41% de redução de emissões em relação a 2005. Para 2025, a meta é de 37%. Está previsto um aumento?
Não. Temos que olhar da seguinte forma: a política hoje é doméstica, lá atrás foi feita uma projeção de emissões e se pensou em baixar as emissões para 2 bilhões de toneladas. Essa é a Política Nacional do Clima, aprovada no Congresso Nacional, com nove planos setoriais, etc.
O combate ao desmatamento foi o grande carro-chefe da redução de emissões. Conseguimos a redução de 41%. O tamanho da redução é o grande trunfo.
Mas o perfil da emissão brasileira mudou. Antes era o desmatamento, que representava 58% e hoje representa 15%. E os setores de energia e agricultura têm uma tendência de aumento. O país cresce, o país tem mais gente. É preciso olhar a médio e longo prazo.
Antes era uma linha business as usual, com planos olhando para setores: plano A, plano B, plano C. Agora vamos olhar para toda a economia brasileira, para todo os setores da economia. A INDC representa 37% de redução para todo o território nacional, para toda a economia brasileira.
Nós queremos contabilizar as reduções já feitas. Esse esforço, doméstico e voluntário, tem que ser reconhecido. Por que colocamos o ano-base de 2005? Primeiro porque é a base da nossa política nacional e também ajuda a reconhecer o esforço.
A gente tinha uma emissão alta, baixamos fortemente e vamos manter baixa até 2025 e baixar um pouco mais para 2030. Basicamente é esse o perfil que a gente planta.
Não dá mais pra ficar reduzindo só desmatamento. Não tem mais onde cortar, com o avanço do combate ao desmatamento. Como as emissões brasileiras se requalificam, temos que ter outras políticas estruturantes que abranjam outros setores que não estão mais escondidos, mascarados pelo número do desmatamento.
Na INDC a gente fala: como estruturar o crescimento econômico na agricultura, na energia – a demanda de energia vai crescer. Tem que atacar conjuntamente.
Ainda não está claro por que não se pode comparar os 41% que temos hoje com os 37% prometidos para 2025.
É mais a maneira de encarar o problema. Saímos de uma maneira de atacar o problema para outro tipo de abordagem. Se você olhar as estimativas do Ministério da Ciência e Tecnologia, feitas em 2012, houve crescimento de emissões na área de energia e na área de agricultura. A gente estava com um tipo de categoria, reduzimos 41%, agora muda o nível de discussão mundial. O Brasil se apresenta para um compromisso internacional vinculante, não mais voluntário, com revisões periódicas. Quer dizer, a proposta brasileira na convenção é esta.
Só que não estamos mais lá no passado quando eu conseguia reduzir muito com o combate ao desmatamento. Estamos em outro momento, de tendência de aumento de emissões de outros setores. É outro mundo.
Para eu apartar esse novo problema, não é só reduzir o desmatamento. É como se fosse juros compostos, mas construindo uma nova maneira de compor a curva futura. Essa é a lógica, só que agora não é mais a curva tendenciosa do business as usual. Vamos ter que entrar no cerne da economia no Brasil.
Não é na lógica da INDC. Não dá pra comparar, é como se a gente tivesse evoluído do business as usual. Para o novo corte de emissões, vamos ter que ir no cerne da economia brasileira. Onde a gente acredita que o Brasil tem um grande trunfo.
No debate sobre a manutenção dos 2ºC, está claro que o mundo precisa mudar o caminho do desenvolvimento para um novo modelo. As INDCs representam essa mudança? Como?
Sem sombra de dúvida. No site da convenção saiu um primeiro apanhado das INDCs mostrando o quanto isso representa no objetivo de 2ºC. Com as INDCs hoje, se tudo for cumprido, a gente está no caminho de dois graus. Só que esse objetivo é para 2100. Estamos no caminho. Se as INDCs se concretizarem como prometidas hoje, elas nos mantêm no rastro dos 2 graus.
E tem a questão dos custos. Isso vai ser custoso para a economia, o que eu faço com as energias fósseis, como fomentar o potencial enorme que todo mundo apresentou, que são as energias renováveis.
É um jogo político, técnico, tecnológico, de investimento. O que a gente não quer é perder: todo mundo apresentou e está bom. Só que agora precisa de uma visão mais de cima, mais estruturante da Convenção do Clima, não é só deixar cada um cumprir o que quer. Tem que ver como fazemos isso acontecer.
Entra aí um debate mais profundo e estruturante, que trata de tecnologia, como se ajuda os países pobres, como financia. É um debate dos mais difíceis.
E o Brasil não condicionou sua INDC ao financiamento. Muitos países em desenvolvimento condicionaram. O Brasil dá um passo além, afirmando “isto é sério para todos nós, queremos pautar o nosso crescimento econômico, queremos crescimento econômico, ainda temos que trabalhar a redução da pobreza, temos diferenças regionais enormes, temos população aumentando, envelhecendo, queremos pautar nesse crivo”.
Claro que isso não impede que o Brasil olhe para negociações bilaterais, apoios, etc. para fazer ainda mais.
A gente fez questão de não condicionar a INDC para mostrar que é possível. O interessante é que isso vem muito da experiência da política doméstica brasileira. O Brasil mostrou que conseguiu reduzir o desmatamento. O Brasil mostrou que dá pra fazer, mas não pode ser só isso.
Daí a importância que o Brasil defende de que as revisões das INDCs sejam feitas a cada cinco anos.
No encontro da presidente Dilma Rousseff com a chanceler alemã Angela Merkel, foi prometida a descarbonização da economia até 2100. Nesse caso, já estão sendo pensadas alternativas em relação ao investimento no pré-sal, no petróleo?
A questão da energia também é um desafio para o Brasil, que é o nosso grande trunfo e nossa grande dificuldade.
É preciso olhar o contexto e a dimensão das coisas. A matriz energética brasileira já é ultra renovável e ultra limpa. Para melhorar ainda mais é muito mais complicado do que um país que possa abrir mão e diversificar sua matriz energética.
O Brasil tem esse trunfo. Já temos um tanto de renovável. Para aumentar ainda mais é um esforço maior. O importante é manter nossa matriz diversificada, sabendo que vamos ter demanda de energia.
Também é importante ter uma visão de médio e longo prazo.
O governo também se comprometeu a compensar as emissões de gases de efeito estufa provenientes da supressão legal da vegetação até 2030. Como isso será feito?
São os 12 milhões de restauração florestal que constam na INDC. A gente fez um bilhão de contas. Eu digo por experiência própria, reduzir o desmatamento de 29 mil km2 pra 5 mil km2 foi ultra difícil. A política doméstica exige que a gente chegue a 4 mil km2 em 2020. Baixar de 5 mil pra 4 mil é tão difícil quanto baixar de 30 mil pra 5 mil.
Ainda é difícil saber o quanto é desmatamento ilegal e o quanto é supressão legal. A gente não tem esse número consolidado hoje. É necessário mensurar.
Se 60% do desmatamento em 2025 for legal, tenho que fazer as contas do quanto de retirada de carbono eu tenho que ter (contar, mensurar, auditar, verificar) e trazer o carbono de volta.
Dá pra fazer amanhã? Quero fazer o quanto antes, mas a gente tem dificuldade em saber o que é legal porque entra na competência dos estados. A gente tem negociado muito com os estados: vamos checar os números, vamos combater em conjunto.
Isso é importante porque há um debate mundial com a intenção de restaurar 350 milhões de hectares até 2030 no planeta. Nós prometemos 12 milhões até 2020.
Tratar de florestas é diferente de falar: vamos descarbonizar a economia. Esse é um debate político muito forte. A gente sabe que tem que mexer em toda a estrutura energética, de exploração de carvão mineral, de petróleo, disso, daquilo, quando a gente vê que tem um movimento muito forte de novas tecnologias de ganho de eficiência energética.
Para a floresta é uma resposta mais imediata. Na nossa INDC a gente quer mostrar que vai conseguir fazer.
O Brasil se lança um desafio: não é só dizer que vamos reflorestar e resolver. Mas eu tenho que garantir que aquele carbono vai ficar lá, durante muito tempo, que tudo esteja monitorado para ser relatado para a convenção.
É um outro princípio, que ajuda a construir duas coisas importantes: uma nova possibilidade para uma nova economia de floresta no Brasil, de plantios, etc., e também começa a tirar o país da posição de possuir somente uma taxa de desmatamento. Começa a construir uma taxa de retomada do carbono, reflorestamento, restauração. A gente não tem isso mensurado no Brasil.
Uma das suas bandeiras é a integração da área ambiental com outras áreas do governo. Quais são as principais dificuldades em se conseguir isso? O que já foi feito?
Quando eu cheguei aqui há quatro anos, o grande desafio que a gente tinha na Política de Clima era fazer essa integração. Naquele momento, me chamou muito a atenção certa desconfiança com a área ambiental. Mas o MMA se colocou de outra maneira na Esplanada, via a Política de Clima. A partir dela ficou claro que vamos ter que negociar e trabalhar conjuntamente com os outros setores para combater as mudanças climáticas.
E isso fez com que a área ambiental e a econômica passassem a ter um entendimento diferenciado. De um lado, o meio ambiente viu que outros setores estão interessados no crescimento econômico do país com desenvolvimento sustentável. Por outro lado, esses setores passaram a pensar: “não é só crescer por crescer”. Isso é uma troca positiva.
Se a gente levar em conta a nossa INDC, é isso que estamos traçando. Vamos traçar o crescimento econômico do Brasil com bases muito mais ambientalmente sustentáveis. Esse é o pulo e conseguimos levar isso para os mais altos níveis de tomadores de decisão brasileiros, e internacionalmente isso está muito claro.
Não está feito, mas temos alguns termômetros: o engajamento do setor financeiro nos planos setoriais da Política Nacional do Clima, no Código Florestal ou na construção da INDC. E não é um engajamento para boi dormir não. É engajamento de CEOs, de empresas com estruturação corporativa. Isso está claro, muito claro. Acho que abrimos uma nova maneira de pensar a área ambiental com a área de desenvolvimento a longo prazo do Brasil.
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“Para o novo corte de emissões, vamos ter que ir no cerne da economia brasileira” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU