20 Abril 2015
Raimundo Rodrigues da Silva, um agricultor de 42 anos comprometido com a luta pelos direitos de suas terras, recebeu no ano passado um tiro mortal de escopeta na região de Campestre, a 280 quilômetros de São Luís, a capital do Estado do Maranhã, no nordeste do Brasil. Seu nome, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), estava incluído há bastante tempo em uma lista negra devido a sua luta contra o latifúndio que ameaça sua comunidade e contra o poderoso proprietário rural local que o encarna.
A reportagem é de María Martín, publicada pelo jornal El País, 20-04-2015.
Este é só um dos 116 assassinatos relatados pelo relatório da ONG Global Witness, que alerta sobre a violência sofrida pelos defensores do meio ambiente. O ano passado terminou com 21 vítimas a mais do que 2013, e o Brasil continua liderando o ranking mundial desse tipo de violência ambiental que permanece impune em 25% das mortes. Em seguida vêm Colômbia (25), Filipinas (15) e Honduras (12) em uma lista de 17 países. América Latina registrou 87 dos casos. Honduras, considerado o país mais violento do mundo segundo a ONU, também mantém sua posição pelo quinto ano consecutivo como o lugar com mais assassinatos de ativistas per capita.
A Global Witness, que investiga casos de corrupção e abusos na exploração de recursos naturais, qualifica as cifras, que podem ser muito mais altas porque não existem dados oficiais, de “dramáticas” e observa “uma tendência alarmante a que alguns Governos usem legislação antiterrorista contra ativistas, descrevendo-os como inimigos do Estado”.
No caso do Brasil, onde a organização contabilizou 477 assassinatos desde 2002, a maioria das mortes está relacionada a conflitos pela propriedade, controle e uso de terras, além do corte ilegal de árvores. Não à toa, com cerca de 5.000 km2 de área devastada por ano, o desmatamento da Amazônia é um dos maiores do mundo.
As causas se repetem em todo o globo e a situação se complica em pequenas comunidades e povos indígenas que batalham pelos títulos de propriedade de suas terras, um direito que acaba conflitando com os interesses da chamada agroindústria, da mineração, da construção de represas hidrelétricas ou do corte industrial. Cerca de 40% das vítimas são indígenas.
A maioria das mortes de ativistas é arquivada sem culpados, segundo o relatório. Nem sempre: o suposto assassino do agricultor Rodrigues espera na prisão o julgamento, uma exceção em um país em que cerca de 90% dos crimes não são resolvidos. Diogo Cabral, advogado da Comissão Pastoral da Terra, afirma que os assassinos de mais de 1.200 trabalhadores rurais envolvidos na defesa ambiental continuam impunes. “O caso de Rodrigues é um dos poucos no Brasil em que o assassino continua preso”, afirma Cabral.
Também no Brasil, em agosto de 2013, morreu o biólogo espanhol Gonzalo Alonso Hernández, firme defensor do Parque Cunhambebe, no Estado do Rio de Janeiro. Seus assassinos o executaram em sua própria casa e jogaram seu corpo em uma cachoeira do parque que, durante anos, ele defendeu de caçadores furtivos e incendiários que buscavam abrir espaço para a criação de gado. “Nunca tive outros inimigos além dos que denunciava por suas ilegalidades contra a natureza”, contou sua mulher, Maria de Lourdes Pena, depois do crime.
Dois anos depois, não há culpados pelo assassinato, segundo Pena. “A imprensa brasileira não deu nenhuma importância ao caso e, se não aparece nos jornais, ninguém se importa. Mas ainda tenho a esperança de que o crime perfeito não existe”, diz a viúva, emocionada. “A impunidade é um fenômeno que se vê em toda a América Latina, mas especialmente no Brasil. O número de assassinatos cairia se não houvesse essa impunidade”, lamenta Billy Kyte, autor do documento.
A organização denuncia também a falta de informação oficial e confiável sobre todos esses assassinatos, mas se arrisca a apontar os culpados que se repetem nos casos mais documentados: grupos paramilitares, policiais, guardas de segurança privados e militares. São eles que apertam o gatilho mas, geralmente, os responsáveis por contratar essas mortes são os grandes proprietários de terras, que conseguem se manter fora do radar das investigações.
Enquanto a Global Witness denuncia que empresas e governos normalmente realizam acordos sobre grandes superfícies de terra e matas para cultivar produtos comerciais, como a borracha ou a palmeira do dendê, o Brasil se prepara para votar uma lei que deixará a demarcação de áreas indígenas, atribuída ao Executivo e protegida pela Constituição, nas mãos de um Congresso em parte financiado pelos principais interessados em explorar essas terras.
Algumas das vítimas
Lúcio Gonçalves dos Santos, foi assassinado a tiros em dezembro de 2014, por um suposto comprador de terras, e enterrado de cabeça para baixo no local em que residia, no município de Alto Alegre dos Parecis, em Rondônia. Mais de 100 famílias estão acampadas no local há mais de 16 anos e até hoje a terra não foi regularizada como área de assentamento.
Julia Venezuela Almeida Guarani Kaiowá foi baleada, em dezembro do ano passado, na comunidade Tekoha Tey’i Juçu, em Caarapó, no Mato Grosso do Sul. Durante um ataque de pistoleiros e fazendeiros à comunidade indígena, a jovem Julia, de 17 anos, caiu depois de ser baleada. O ataque lembra o episódio que culminou com o assassinato do cacique Nísio Gomes Guarani Kaiowá, em novembro de 2011. Os indígenas, que lutam pela retomada de sua comunidade, afirmaram que um consórcio envolvendo fazendeiros, advogados e uma empresa de segurança deram fim ao corpo do indígena depois de levá-lo numa caçamba de caminhonete.
Marinalva Manoel foi assassinada em novembro com 35 facadas, às margens da BR-163, perto de Dourados, no Mato Grosso do Sul. Marinalva era uma liderança importante na luta pela demarcação de terras. Nos últimos tempos, antes de morrer, ela denunciava nas Assembleias Indígenas em que participativa, as inúmeras ameaças e perseguições que sofria por parte de fazendeiros locais e de pessoas contratadas por eles.
Luiz Alves de Campos foi assassinado a pauladas em agosto de 2014, em uma área de assentamento do Movimento Sem Terra, no município Porta da Folha, no Sergipe. Maria de Lourdes, prima da vítima, contou que Luiz Alves, 47 anos, já tinha informado à família que estava sendo ameaçado de morte.
Luís Carlos Silva morreu degolado em janeiro de 2014 por dois homens desconhecidos em um acampamento do município Presidente Vargas, no Maranhão. Os colegas afirmaram que Luís fazia parte de uma lista de lideranças marcadas para morrer, por causa da luta pela reforma agrária.
Maria do Carmo Moura e Gonçalo Araújo. O casal morreu assassinado a tiros e golpes de marreta em sua própria resid6encia no assentamento Juruena, no Mato Grosso. O crime foi relacionado à comercialização ilegal de lotes em áreas de assentamento da reforma agrária. Os responsáveis pelo crime foram presos dois dias após a ocorrência do fato. Maria do Carmo e Gonçalo Araújo já tinham sido vítimas de tentativa de assassinato.
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Brasil continua liderando as mortes de ativistas ambientais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU