03 Mai 2022
No Corriere della Sera, o Papa fala de Putin e de outras pessoas - mesmo que seus colunistas escrevam há meses que o Pontífice nunca menciona nomes - e ao mesmo tempo desenvolve suas opiniões geopolíticas pessoais para explicar passagens desses 68 dias de guerra que nunca foram compreendidas no passado.
A reportagem é publicada por Il Sismografo, 03-05-2022.
Esta é uma entrevista que não é apenas inesperada e surpreendente, mas sobretudo problemática. Algumas respostas têm cheiro de rompimento e, às vezes, dizem o contrário do que foi dito há mais de 60 dias.
Aqui estão algumas passagens citadas do Corriere della Sera:
- No primeiro dia da guerra liguei para o presidente ucraniano Zelensky.
- Putin, por outro lado, não liguei para ele. Ouvi-o em dezembro no meu aniversário, mas desta vez não, não liguei.
- Eu queria fazer um gesto claro para o mundo inteiro ver e por isso fui ao embaixador russo.
- Pedi que explicassem, eu disse "por favor, parem".
- Então pedi ao Cardeal Parolin, depois de vinte dias de guerra, que enviasse a Putin a mensagem de que estava disposto a ir a Moscou.
- Claro, era necessário que o líder do Kremlin abrisse algumas janelas.
- Ainda não recebemos uma resposta e continuamos insistindo, mesmo que eu tema que Putin não possa e não queira ter esse encontro agora.
- Mas tanta brutalidade como não parar?
- Vinte e cinco anos atrás, com Ruanda, vivemos a mesma coisa.
- Os latidos da OTAN à porta da Rússia levaram o chefe do Kremlin a reagir mal e desencadear o conflito.
- Uma raiva que não posso dizer se foi provocada - pergunta-se o Papa -, mas, talvez sim, facilitada.
- Não posso responder, estou muito longe, à questão de saber se é certo abastecer os ucranianos com armas.
- O claro é que as armas estão sendo testadas naquela terra. Os russos agora sabem que os tanques são de pouca utilidade e estão pensando em outras coisas.
- As guerras são travadas para isso: para testar as armas que produzimos. Este foi o caso na Guerra Civil Espanhola antes da Segunda Guerra Mundial.
- O comércio de armas é um escândalo, poucos se opõem a isso.
- Há dois ou três anos, um navio carregado de armas chegou a Gênova, que teve que ser transferido para um grande cargueiro para transportá-los para o Iêmen.
- Os portuários não quiseram. Eles disseram: vamos pensar nas crianças do Iêmen. É uma coisa pequena, mas um gesto bonito. Deveria haver tantos assim.
- Eu não vou para Kiev, por enquanto. Enviei o Cardeal Michael Czerny, (prefeito do Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral) e o Cardeal Konrad Krajewski, que foram lá pela quarta vez. Mas sinto que não preciso ir. Primeiro tenho que ir a Moscou, primeiro tenho que conhecer Putin. Mas também sou padre, o que posso fazer? Eu faço o que eu posso. Se Putin abrir a porta...
- Falei com Kirill por 40 minutos via zoom. Os vinte primeiros com um cartão na mão ele me leu todas as justificativas para a guerra. Eu escutei e disse a ele: eu não entendo nada disso.
- Irmão, não somos clérigos de estado, não podemos usar a linguagem da política, mas a de Jesus. Somos pastores do mesmo povo santo de Deus. Para isso, devemos buscar caminhos de paz, para acabar com o fogo das armas.
- O Patriarca não pode se transformar no coroinha de Putin. Eu tinha um encontro marcado com ele em Jerusalém no dia 14 de junho.
- Teria sido nosso segundo cara a cara, nada a ver com a guerra. Mas agora ele também concorda: vamos parar, pode ser um sinal ambíguo.
- Meu alarme não foi um mérito, mas apenas a constatação da realidade: Síria, Iêmen, Iraque, na África uma guerra atrás da outra.
- Há interesses internacionais em todas as partes. Não se pode pensar que um estado livre possa fazer guerra a outro estado livre. Na Ucrânia foram os outros que criaram o conflito.
- A única coisa que é atribuída aos ucranianos é que eles reagiram no Donbass, mas vamos falar de dez anos atrás. Esse argumento é antigo. Claro que são um povo cioso de si.
- Por exemplo, quando para a Via Crucis havia duas mulheres, uma russa e outra ucraniana, que tinham que ler a oração juntas, fizeram disso um escândalo.
- Então liguei para o Krajewski que estava lá e ele me disse: pare, não leia a oração. Eles estão certos, mesmo que não entendamos completamente.
- Então eles permaneceram em silêncio. Eles têm uma suscetibilidade, eles se sentem derrotados ou escravizados porque na Segunda Guerra Mundial eles pagaram muito. Tantos homens mortos, é um povo mártir.
- Mas também tenhamos cuidado com o que pode acontecer agora na Transnístria.
- Para a paz não há vontade suficiente
- A guerra é terrível e temos que gritar.
- Por isso quis publicar um livro com Solferino que tem como subtítulo A coragem de construir a paz.
- Orbán, quando o conheci, ele me disse que os russos têm um plano, que no dia 9 de maio tudo terminará. Espero que assim seja, para que também entendamos a velocidade da escalada dos dias de hoje.
- Porque agora não é só o Donbass, é a Crimeia, é Odessa, está tirando o porto do Mar Negro da Ucrânia, só isso. Estou pessimista, mas devemos fazer todos os gestos possíveis para parar a guerra.
- 'A Itália está fazendo um bom trabalho. A relação com Mario Draghi é boa, é muito boa. No passado, quando ele estava no Banco Central Europeu, eu lhe pedi conselhos.
- Ele é uma pessoa direta e simples. Eu admirava o Giorgio Napolitano, que é ótimo, e agora admiro muito o Sergio Mattarella.
- Respeito muito Emma Bonino: não compartilho suas ideias, mas ela conhece a África melhor do que ninguém. Na frente desta mulher eu tiro o chapéu.
- Muitas vezes encontrei uma mentalidade pré-conciliar que se disfarçava de conciliar. Em continentes como América Latina e África era mais fácil. Na Itália talvez seja mais difícil.
- Mas há bons padres, bons párocos, boas freiras, bons leigos. Por exemplo, uma das coisas que tento fazer para renovar a Igreja italiana é não mudar muito os bispos. O Cardeal Gantin disse que o bispo é o esposo da Igreja, todo bispo é o esposo da Igreja por toda a vida.
- Quando há um hábito, é bom. É por isso que tento nomear padres, como aconteceu em Gênova, Turim, Calábria. Acredito que esta seja a renovação da Igreja italiana.
- Agora a próxima assembleia terá que escolher o novo presidente da CEI, procuro encontrar alguém que queira fazer uma boa mudança.
- Prefiro que seja cardeal, que tenha autoridade. E que ele tenha a possibilidade de escolher o secretário, que pode dizer: quero trabalhar com essa pessoa”.
Sobre o cardeal jesuíta Carlo Maria Martini ele se lembra de ter relido um artigo "perfeito", publicado depois de 11 de setembro, sobre terrorismo e guerra e conclui: "É tão relevante que pedi para republicá-lo no Osservatore Romano. Continua nos jornais investigar a realidade, contá-la. É um serviço ao país pelo qual sempre lhe agradecerei".
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Papa Francisco. “Putin não para. Quero encontrá-lo em Moscou. Agora não irei a Kiev” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU