Igrejas locais não acompanham a posição moderada do Vaticano sobre invasão russa da Ucrânia

Foto: PxHere

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

09 Março 2022

 

O presidente da Conferência dos Bispos da Polônia fez o que o Papa Francisco evita fazer: condenou publicamente a invasão da Ucrânia pela Rússia e cobrou do líder da Igreja Ortodoxa Russa para usar sua influência perante a Vladimir Putin e peça-lhe para encerrar a guerra e que os soldados russos recuem.

“O tempo acertará a conta desses crimes, incluindo as cortes internacionais”, alertou o arcebispo Stanislaw Gadecki, em uma carta ao Patriarca Kirill, datada de 02 de março. “No entanto, mesmo se alguém evitar a justiça humana, haverá um tribunal que não poderá ser evitado”.

 

A reportagem é de Nicole Winfield, publicada por National Catholic Reporter, 08-03-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

 

O tom de Gądecki, em comparação, contrastava fortemente com a neutralidade do Vaticano e de Francisco até hoje. A Santa Sé pediu paz, corredores humanitários, um cessar-fogo e um retorno às negociações, e até se ofereceu como mediadora. Mas Francisco ainda não condenou publicamente a Rússia pelo nome por sua invasão ou apelou publicamente a Kirill, e o Vaticano não fez comentários sobre o ataque russo à maior usina nuclear da Europa que provocou um incêndio na sexta-feira.

Para um papa que declarou imoral a mera posse de armas nucleares e advertiu contra o uso de energia atômica pela ameaça ambiental representada pelos vazamentos de radiação, o silêncio foi ainda mais notável.

O Vaticano tem uma tradição de diplomacia silenciosa, acreditando que pode facilitar melhor o diálogo se não tomar partido ou chamar publicamente os agressores. Há muito tempo usa esse argumento para defender o Papa Pio XII, o papa da época da Segunda Guerra Mundial criticado por alguns grupos judeus por não se manifestar o suficiente contra o Holocausto. O Vaticano diz que a diplomacia silenciosa ajudou a salvar vidas na época, e continuou essa tradição da Ostpolitik da Guerra Fria em sua diplomacia dos bastidores.

Francisco deu um passo sem precedentes na semana passada, quando foi à Embaixada da Rússia na Santa Sé para se encontrar com o embaixador. Mas a única coisa que o Vaticano disse sobre a reunião foi que Francisco foi “expressar sua preocupação com a guerra”. Ele também falou por telefone com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.

O secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, deu um passo igualmente incomum nesta semana quando, em entrevista a quatro jornais italianos, ele realmente citou a Rússia ao dizer que a guerra havia sido “desencadeada pela Rússia contra a Ucrânia”.

No caso da Ucrânia, que conta com alguns milhões de católicos entre sua população majoritariamente ortodoxa, Francisco não tem vergonha de suas esperanças de melhorar as relações com a Igreja Ortodoxa Russa e seu influente líder, Kirill. Ainda em dezembro, quando os temores de uma invasão russa já eram tangíveis, Francisco expressou a esperança de um segundo encontro com Kirill após seu encontro histórico em 2016, o primeiro entre um papa e um patriarca russo em um milênio.

“Um encontro com o patriarca Kirill não está longe do horizonte”, disse Francisco a repórteres a caminho de casa da Grécia. “Estou sempre disponível, também estou disposto a ir a Moscou: para falar com um irmão, não há necessidade de protocolos. Um irmão é um irmão antes de todos os protocolos.”

O embaixador de Francisco na Rússia, o arcebispo Giovanni D'Agnello, se encontrou na quinta-feira com Kirill na residência do patriarca no Mosteiro Danilov em Moscou. O gabinete de Kirill disse que o patriarca lembrou a “nova página na história” aberta pela reunião de 2016, agradeceu a “posição moderada e sábia” da Santa Sé em resistir a ser arrastada para o conflito e insistiu que as igrejas só podem ser pacificadoras.

O Vaticano não relatou a reunião e seu porta-voz não respondeu quando solicitado a comentar.

Um dos principais conselheiros de comunicação de Francisco, o padre jesuíta Antonio Spadaro, no entanto, observou que Kirill está “enfrentando um grande desafio” de avaliar a crescente lista de padres ortodoxos, metropolitas e fiéis ucranianos comuns que estão implorando que ele levante sua voz contra Putin e mudar de posição. Em um ensaio publicado pela agência de notícias italiana Adnkronos, Spadaro não incluiu Francisco entre eles, embora tenha citado o papa dizendo recentemente que era “muito triste” que os cristãos estivessem fazendo guerra.

Esse tom moderado ecoou nesta semana quando o embaixador da Santa Sé nas Nações Unidas enfatizou a necessidade de corredores humanitários na Ucrânia para permitir a saída de refugiados e a entrada de ajuda humanitária. Ele não identificou a Rússia como a causadora dessas necessidades, conforme o documento informativo do Vaticano.

O ministro das Relações Exteriores da Santa Sé, arcebispo Paul Gallagher, reuniu-se quarta-feira com seu homólogo italiano, Luigi Di Maio. O Ministério das Relações Exteriores da Itália disse que Di Maio “repetiu a firme condenação da Itália à agressão russa contra a Ucrânia e o compromisso de continuar no caminho de sanções efetivas e incisivas contra o governo da Federação Russa”, enquanto ajuda a Ucrânia nas áreas “humanitárias, econômicas e de defesa”.

O Vaticano, que está enviando suprimentos médicos à Ucrânia, não se manifestou após a reunião.

Tal silêncio não foi compartilhado pelo chefe da Igreja Católica ucraniana, que tem sido enfático em suas denúncias diárias sobre a invasão russa. Tampouco foi compartilhada pelos bispos poloneses, que agora estão ajudando a mobilizar a recepção de dezenas de milhares de refugiados ucranianos que cruzaram a fronteira.

“Peço a você, irmão, que apele a Vladimir Putin pelo fim da guerra sem sentido contra o povo ucraniano”, disse o bispo polonês Gądecki em sua carta a Kirill. “Peço-lhe da maneira mais humilde para pedir a retirada das tropas russas do estado soberano que é a Ucrânia”.

“Peço também que apelem aos soldados russos para que não participem desta guerra injusta, que se recusem a cumprir ordens que, como já vimos, levam a muitos crimes de guerra”, acrescentou. “Recusar-se a seguir ordens em tal situação é uma obrigação moral”.

 

Leia mais