17 Junho 2020
"Tem gente plantando solidariedade, cuidado, aproximação mesmo à distância, abraços só no olhar e no falar", escreve Dirceu Benincá, professor da Universidade Federal do Sul da Bahia - UFSB.
Francisco, o que você plantou em seu pomar? – Laranja e limão. Espera colher muito? – Vai depender da chuva, do sol, da própria planta, das pragas e do cuidado. Ele prosseguiu. –Tudo o que a gente planta, pode colher. E também pode não colher. Se não plantar, é certo que não colhe. Se plantar laranja, não irá colher pêssego, nem maçã. Se plantar coisa boa, tem boas chances de colher bons frutos. Se plantar espinheiro, irá colher espinhos. Se plantar vento, colherá tempestade... E assim seguiu Francisco com seus postulados e conclusões.
Aproveitei, então, para fazer outras perguntas: O que espera para depois da pandemia? – Vai depender também. De que? – Do que estamos plantando. Como assim? – Tem gente plantando solidariedade, cuidado, aproximação mesmo à distância, abraços só no olhar e no falar... E continuou. – Mas, tem também muita gente se especializando na arrogância, no ódio, na indiferença, na insensibilidade, no negacionismo do óbvio, nas fake news, na intolerância, enfim, na estupidez. A conversa com seu Francisco seguiu por esses rumos. Aí me pus a refletir.
O depois da pandemia é uma incógnita. Sim, porque por ora não sabemos se haverá depois e nem para quem. E também não sabemos quando será o depois. Porém, podemos ter uma quase certeza: O depois será do jeito que quisermos. Mas, não só, pois nem sempre o que queremos se concretiza. Além disso, muitas vezes o que não queremos nos sobrevém de modo intempestivo e inevitável. É verdade também que, como vivemos em sociedade, tem vontades e arbitrariedades que podem nos levar ao caos, como é o caso.
Escreveu Karl Marx outrora no Dezoito Brumário de Louis Bonaparte: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. Porém, há muitas circunstâncias e condições pessoais, sociais, econômicas, ambientais e culturais que podem ser mudadas. Não fosse assim, a história seria sempre pré-determinada. Porém, ignorar as heranças e o contexto é como pretender colher maças de laranjeiras.
Só haverá uma sociedade mais justa, solidária e humanizada se tivermos vontade, coragem e estratégias para construí-la. Não é uma pandemia que irá, por si só, tornar as pessoas melhores. Poderá, inclusive, embrutecê-las mais, como demonstra a realidade com o avanço do fascismo, do racismo e toda lista de “ismos” maléficos. Em última análise, tornar-se melhor ou pior do ponto de vista ético e humano é uma decisão pessoal e radical. Sempre é preciso decidir o que plantar. E isso só pode ser feito à luz do que se pretende colher. De antemão, o que se pode saber é que na semente está a colheita, embora esta também seja incerta.
Não obstante os muitos riscos e incertezas, plantar é preciso. Plantar tendo em vista colher a curto, médio e longo prazo. Plantar no terreno da humanidade, porque o ser humano continua sendo um feixe de possibilidades. Entre elas está a sensibilidade solidária, que pode obter níveis mais ou menos generosos, a depender de vários fatores. Um deles é a capacidade de abertura para uma educação como processo de formação do caráter.
É preciso educar-se e educar para a prática da solidariedade sistêmica, o que implica tomar consciência da complexidade dos sistemas organizativos e das relações sociais nas quais se está envolvido. A solidariedade enquanto sistema – com suas práticas correspondentes – é portadora de uma esperança vital porque nos arranca do mundo individualista, insensível e excludente e nos permite lutar pela concretização de outra ordem de mundo possível. Disse o poeta: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer... Pelos campos há fome em grandes plantações”. Vem, vamos embora plantar. Na verdade, quando perdemos a capacidade de plantar, cuidar e partilhar do melhor a quem necessita não haverá mais razão de viver!
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O pomar e a pandemia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU