24 Outubro 2025
O presidente da COP30 conversou com a InfoAmazonia sobre temas que serão centrais nas negociações climáticas em Belém: transição energética, financiamento, adaptação e os resultados esperados da conferência.
A reportagem é de Tais Gadea Lara, publicada por InfoAmazonia, 23-10-2025.
Falta menos de um mês para a Conferência Climática da ONU, a COP30. Em novembro, representantes de 198 Partes se reunirão em Belém para debater, negociar e decidir os elementos necessários para avançar na implementação do Acordo de Paris e enfrentar a crise climática.
Nos dias 13 e 14 de outubro, Brasília sediou o último encontro preparatório: a pré-COP. Delegações de 67 países participaram do fórum ministerial que — embora sem caráter decisório — buscou alinhar posições, necessidades e desafios antes das negociações formais.
“A pré-COP não é uma negociação. Ela serve justamente para que, quando a COP30 começar em Belém, os tópicos estejam amplamente discutidos e nós entendamos quais são os limites”, antecipou o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, em entrevista coletiva antes do evento.
Após reuniões fechadas com governos e encontros bilaterais, Corrêa do Lago conversou com a InfoAmazonia sobre o status e os próximos passos em alguns dos temas mais sensíveis das negociações climáticas.
Fazer a transição energética e deixar para trás os combustíveis fósseis
Como fazer a transição dos combustíveis fósseis para fontes mais sustentáveis, alinhadas às metas climáticas, é uma das questões que o Brasil tem abordado tanto em seu papel de presidente da COP30 quanto como maior produtor de petróleo da América Latina. No momento em que esta entrevista era finalizada, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu uma licença para a perfuração de petróleo no bloco 59, na bacia da foz do rio Amazonas.
Após a COP29, no Azerbaijão, que não mencionou combustíveis fósseis em nenhum dos textos aprovados, havia muita expectativa sobre como o Brasil trataria essa questão nas negociações. A presidência da COP30, incluindo Corrêa do Lago, respondeu a perguntas sobre o assunto em diversas ocasiões, afirmando que não há necessidade de repetir questões já decididas em conferências anteriores. Seu argumento é que, em Belém, os países devem se concentrar na implementação do que já foi acordado.
Durante a Semana do Clima em Londres, em junho passado, a Ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, havia dito que a COP30 poderia resultar em um roteiro que estabelecesse “como seria uma transição justa e planejada para acabar com os combustíveis fósseis”.
Seria possível que isso se incorporasse a um documento final em Belém? Para Corrêa do Lago, houve um problema de interpretação ou tradução das observações da ministra. “A frase da ministra é que talvez a experiência do Brasil na lógica criada para combater o desmatamento possa ser aplicada à avaliação dos possíveis planos de transition away from fossil fuels dos países nas NDCs”, disse ele à InfoAmazonia, referindo-se ao vocabulário incorporado na COP28, sobre “fazer uma transição que deixe para trás os combustíveis fósseis”, e enfatizou: “Não é que ela tenha proposto um roteiro”.
Para o presidente da COP30, os planos nacionais apresentados a cada cinco anos pelos países, conhecidos tecnicamente como Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), deveriam incorporar os resultados do Balanço Global, processo da ONU que avalia o progresso coletivo das metas do Acordo de Paris, onde esse vocabulário específico foi mencionado. “Na NDC do Brasil, nós mencionamos o transition away from fossil fuel. Consideramos que a NDC deve ser um projeto de desenvolvimento. Se você assinou que fará o transition away, é preciso incorporar a ideia à NDC”, explicou.
Estados Unidos (no governo Biden), Canadá, Emirados Árabes Unidos e Cingapura estão entre os países que incorporaram o vocabulário a seus planos nacionais, o que não significa explicitamente que a ambição (ou a falta dela) dos compromissos propostos seja compatível com isso na prática.
O financiamento e o roteiro cada vez menos ambicioso
No ano passado, em Baku, a COP29 concluiu com uma nova meta coletiva e quantificável de financiamento climático, conhecida como NCQG, na sigla em inglês, que deixou muito insatisfeitos os países em desenvolvimento.
A meta incluía o compromisso de mobilizar 300 bilhões de dólares anualmente até 2035, muito aquém do 1,3 trilhão sugerido pelo Grupo Independente de Especialistas de Alto Nível sobre Financiamento Climático, formado por economistas e especialistas internacionais para assessorar a ONU em questões de financiamento climático, e do mínimo de 1 trilhão de dólares solicitado pelos países em desenvolvimento. Também estabeleceu que as fontes de financiamento seriam múltiplas – públicas e privadas, bilaterais e multilaterais – contrastando com a responsabilidade dos países desenvolvidos de mobilizar fundos públicos para que os em desenvolvimento implementem suas políticas climáticas.
Em sua busca para compensar a baixa meta quantitativa, a NCQG incluiu uma meta em nível de aspiração: o Roteiro de Baku-Belém para aumentar o financiamento a 1,3 trilhão de dólares. Na época, pouco se entendeu sobre o que isso implicaria, para além de que seria liderado pelo Azerbaijão e pelo Brasil, que ocupavam as presidências da COP29 e da COP30.
Com o passar dos meses, soube-se que o roteiro seria um relatório preparado por ambas as presidências, com informações que servissem para ver como aumentar o financiamento.
Na pré-COP em Brasília, foi compartilhada pela primeira vez uma “atualização” do roteiro, que se limitou a uma apresentação de menos de 20 minutos sobre a estrutura do documento e carecia de detalhes sobre seu conteúdo. O que os delegados dos governos e representantes da sociedade civil enfatizaram foi que o documento não incluía um espaço para participação, perguntas ou intervenções.
A principal preocupação, segundo eles, é que o relatório do roteiro não passe disso, de um relatório, sem impacto no processo de negociação e decisão.
Foi um mal-entendido entre os diferentes atores, uma falha de comunicação entre as presidências, ou se reduziu a ambição sobre o que seria o roteiro ou o que foi dito que seria? “O mandato do roteiro é apresentar um documento que, desde o início, não se tinha ideia de que deveria ser considerado pela COP. É uma contribuição e, por isso, é muito amplo”, respondeu Corrêa do Lago, acrescentando: “Acho que é algo realmente para abrir um pouco a discussão.”
“Desde o início se sabia que era uma coisa muito ampla, e eu aproveitei isso para realmente tentar não ter apenas as contribuições dos países, que, na verdade, foram muito poucas”, acrescentou. Até junho deste ano, das 116 contribuições recebidas, apenas 20 eram de países ou grupos de países. O restante foi, em sua maioria, de organizações não governamentais e instituições de pesquisa.
Por essa característica de amplitude, a presidência da COP30 decidiu que, além das contribuições de países, instituições, academia e sociedade civil, sejam elaborados, em paralelo, dois relatórios diferentes para servir de contribuição ao seu conteúdo. Por um lado, um relatório produzido pelo Círculo de Ministros das Finanças, publicado na semana passada.
“Quando a COP termina, geralmente são os ministros do meio ambiente que retornam aos seus países e lutam para garantir que os resultados da conferência sejam encaixados em seus próprios países. Eu acho que seria muito mais eficaz se os ministros da fazenda fossem os responsáveis por levar os resultados da COP aos seus governos”, explica Lago, sobre as razões por trás deste relatório complementar.
Por outro lado, o roteiro poderia se beneficiar de um relatório ainda em desenvolvimento, a cargo do economista brasileiro José Alexandre Scheinkman. “Eu pedi a ele e a outros economistas que desenvolvessem diferentes ideias para a COP. Será uma série de contribuições acadêmicas muito interessantes”, explicou Corrêa do Lago. E acrescentou: “O clima é tão importante para a economia hoje que é natural que os teóricos da economia estejam trabalhando com clima e finanças.”
A adaptação e a necessidade de aumentar (muito) os fluxos de dinheiro
Os países em desenvolvimento e os mais vulneráveis aos impactos climáticos esperam que a COP30 seja a oportunidade necessária para que a adaptação receba a atenção que merece na ação climática multilateral. Mais especificamente, eles pedem um aumento no montante de financiamento alocado a políticas de preparação para os impactos climáticos.
Embora a lacuna tenha diminuído ao longo dos anos, 60% do financiamento climático mobilizado em 2022 foram para mitigação, ou seja, a redução de emissões. Agora, o grupo dos Países Menos Desenvolvidos (PMDs), com o apoio de outros países, pede que os fluxos de financiamento para a adaptação tripliquem em comparação com os níveis de 2022.
Como a presidência da COP30 espera abordar essa questão? “Estamos pensando que talvez possa funcionar um pacote de adaptação com elementos da negociação, que espero que incluam o Objetivo Global de Adaptação e algum aumento significativo no financiamento, mas também outras medidas, como iniciativas de grupos de países”, respondeu o diplomata, enfatizando: “Eu gostaria muito que as pessoas se lembrassem da COP30 como uma COP de adaptação.”
Em Belém, os países terão que finalizar os detalhes do Objetivo Global de Adaptação (Global Goal on Adaptation), estabelecido no Acordo de Paris para fortalecer a capacidade adaptativa e reduzir a vulnerabilidade aos impactos climáticos. Mais especificamente, será necessário definir o máximo de 100 indicadores que servirão como guia global para a implementação de ações de adaptação.
O encerramento da COP e as diferentes opções sobre a mesa
Muito se tem discutido nos últimos meses sobre a possibilidade, ou não, de a COP30 concluir com uma cover decision, ou seja, uma decisão não vinculada a um item específico da agenda, mas que abranja vários dos tópicos discutidos. Conferências como a COP25, a COP26 e a COP27 concluíram com um texto desse tipo. Mas o Brasil vinha resistindo a isso. E continua resistindo.
“Eu não gosto da ideia de uma cover decision porque muitas vezes gera um certo mistério e aparece de repente, no final das conferências, com um elemento surpresa”, disse Corrêa do Lago, acrescentando: “O outro problema é que, estatisticamente, as cover decisions não têm seguimento positivo.”
Mesmo com esses argumentos, a presidência da COP30 agora parece mais aberta à possibilidade de a conferência concluir com um documento integrado. “Vários países estão pedindo abertamente uma cover decision. Isso é muito diferente porque, se começarmos a COP já pensando em uma cover decision, não terá o elemento surpresa; terá um elemento verdadeiramente de negociação”, explicou.
Corrêa do Lago prefere que a COP prossiga normalmente com a aprovação inicial da agenda de trabalho de duas semanas, negociações e, depois disso, ao final, sejam “tomadas decisões em função disso”.
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