Depois do primeiro papa latino-americano, é difícil, mas não impossível, que venha outro pontífice hispanofalante ou do Sul global. Entre os espanhóis, algumas vozes apontam para o cardeal Omella, que, curiosamente, completou 79 anos justamente nesta segunda-feira. Ele próprio se descartou como candidato em declarações à imprensa. Para outros nomes, como o cardeal Cobo (58 anos) ou o ex-reitor dos salesianos, Ángel Fernández Artime (64), parece que ainda não chegou o momento. Mas também é verdade que poucos imaginavam, há exatos 12 anos, que os cardeais escolheriam um papa vindo do fim do mundo.
O artigo é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 21-04-2025.
A morte de Bergoglio acontece no momento em que ele tentava destacar sua figura política internacional e enquanto ganha espaço a ofensiva conservadora dentro e fora da Igreja Católica.
A morte do Papa Francisco deixou uma instituição como a Igreja Católica sem liderança em meio a uma onda reacionária global (que também avança no Vaticano) e no momento em que Bergoglio havia decidido destacar seu papel como figura política internacional. O Papa falece pouco depois de enviar uma carta aos bispos dos EUA, pedindo que liderassem a resistência contra as deportações em massa de migrantes, iniciadas naquele país por ordem da Casa Branca de Donald Trump.
E agora? Essa é a pergunta que muitos se fazem no Vaticano e nas sedes cardinalícias de todo o mundo. A morte teve um elemento de surpresa, pois, apesar de seu delicado estado de saúde, ninguém poderia prever que Bergoglio faleceria nesta Segunda-feira de Páscoa, justamente depois de ter presidido a bênção Urbi et Orbi e de ter desfilado, pela última vez, no papamóvel para saudar uma Praça São Pedro lotada de fiéis.
Francisco deixa muitas incógnitas. Não houve tempo para negociar um sucessor, ao contrário do que aconteceu com a morte de João Paulo II – cuja agonia foi acompanhada durante semanas e que foi sucedido por seu substituto natural, Joseph Ratzinger – e do próprio Bento XVI, que renunciou ao cargo numa decisão histórica, mas que proporcionou algum tempo.
Entre as posições de Francisco que entram em choque com a contraofensiva conservadora (a autodenominada antiwoke) estão desde a luta contra a mudança climática – os EUA voltaram a abandonar o Acordo de Paris –, os gestos em direção às mulheres e à comunidade LGTBI, até a crítica ao rearmamento internacional. Ele também criticou a onda anti-imigrante que está ganhando espaço não apenas nos EUA, mas também na União Europeia.
A política em geral, e a ascensão de Javier Milei à presidência da Argentina em particular, estão entre os motivos pelos quais um papa argentino jamais visitou seu país natal. A oposição política que se formou na Espanha também manteve Francisco distante do país.
A morte de Francisco, além de despertar as lógicas ambições em vista de um conclave que se anuncia mais aberto do que nunca, deixa a Igreja Católica em uma espécie de orfandade que não se via desde o falecimento de outro papa carismático: João Paulo II.
Quem sucederá Bergoglio? Haverá um Francisco II? Ou, ao contrário, como costuma acontecer sempre que há um papa progressista, virá um pontífice mais conservador? A Igreja aplicará sua “teoria do pêndulo” ou ousará continuar com as reformas iniciadas por Francisco?
As reformas de Bergoglio não contaram com o apoio de boa parte da máquina curial. Algumas não chegaram a se concretizar, como a valorização do papel das mulheres e dos leigos, mas outras avançaram bastante, como a reforma da Cúria, as bênçãos a casais homossexuais ou o esforço sério para erradicar os abusos sexuais. Também avançou na busca de unidade entre as diversas confissões cristãs e na redefinição do papel do Bispo de Roma. Francisco morre sem tomar uma decisão definitiva, por exemplo, sobre o futuro do Opus Dei ou, no caso da Espanha, sem nomear o novo núncio apostólico.
De fato, os grupos ultracatólicos mais críticos ao papa aproveitaram desde que Francisco adoeceu, em fevereiro passado, para reativar sua campanha de influência e posicionar seus candidatos de olho no futuro conclave.
Por que tantas dúvidas? Em grande parte, porque Francisco não quis ser um papa tradicional. Não quis governar a golpes de autoridade, nem tomar decisões como um soberano absoluto da Igreja. O estilo Bergoglio foi mais o de um pontificado participativo, baseado na escuta e na consulta.
Assim, além de convocar um processo sinodal, criou o famoso grupo dos “C9”, com vários cardeais (entre eles o espanhol Omella), para assessorá-lo no governo da Igreja. Agora, em um Estado como o Vaticano, o sucessor de Francisco será escolhido por uma eleição entre os cardeais com menos de 80 anos.
Quem sucederá Bergoglio? A incerteza também se estende aos nomes que já circulam para se tornar o novo pontífice. Como era de se esperar, surgiram muitos nomes. No entanto, trata-se da eleição papal mais globalizada da história, com 135 cardeais eleitores de 94 países.
Mesmo assim, já despontam alguns possíveis candidatos que simbolizam distintas “almas” da Igreja. Desde os mais conservadores (que há tempos vêm promovendo seus nomes por meio de sites ultracatólicos), aos mais progressistas (se é que se pode falar em progressismo entre os purpurados), passando por uma maioria que tende a dar continuidade ao que Bergoglio tentou fazer, sem frear as reformas.
Há nomes? O mais evidente, sobretudo se o conclave for breve, é o secretário de Estado, Pietro Parolin. O italiano, provavelmente o eclesiástico mais conhecido dentro da Igreja depois de Francisco, seria um pontífice moderado que, embora conservador, foi um dos principais colaboradores do papa por mais de uma década.
Ser italiano também pode jogar a seu favor, após três pontificados não italianos. Além disso, tem boa reputação entre os líderes mundiais. Outro italiano, representante do setor mais alinhado a Bergoglio, é o presidente da Conferência Episcopal Italiana, o cardeal Zuppi, a quem Francisco confiou a frustrada mediação multilateral (China, EUA, Ucrânia, Rússia e ONU) para tentar deter a invasão de Putin na Ucrânia. Já o filipino Luis Antonio Tagle, que se tornaria o primeiro papa asiático da história moderna, simbolizaria uma aposta decidida em uma Igreja voltada para a ação social e os pobres.
No outro extremo estão os grandes opositores de Francisco que, embora com poucas chances reais, poderiam ajudar a inclinar a balança para o lado ultraconservador: o norte-americano Leo Burke (assessor de Donald Trump), o ex-prefeito da Doutrina da Fé, Gerhard Müller, e o guineano Robert Sarah, que se opuseram abertamente às bênçãos a casais homossexuais, à comunhão para divorciados recasados e se declararam favoráveis ao retorno das missas em latim. Um candidato que poderia ter chances é Peter Erdö, do setor conservador, mas que não se posicionou claramente contra Bergoglio. Ou ainda Willem Eijk, cardeal dos Países Baixos.
Depois do primeiro papa latino-americano, é difícil, mas não impossível, que venha outro pontífice hispanofalante ou do Sul global. Entre os espanhóis, algumas vozes apontam para o cardeal Omella, que, curiosamente, completou 79 anos justamente nesta segunda-feira. Ele próprio se descartou como candidato em declarações à imprensa. Para outros nomes, como o cardeal Cobo (58 anos) ou o ex-reitor dos salesianos, Ángel Fernández Artime (64), parece que ainda não chegou o momento. Mas também é verdade que poucos imaginavam, há exatos 12 anos, que os cardeais escolheriam um papa vindo do fim do mundo.