"As direitas neoconservadoras e neoliberais mantêm apenas como ornamento ideológico, para fins demagógicos, algumas das conotações das direitas históricas: retóricas nacionalista-identitárias, ambições civilizatórias (a ideia da própria civilização como a única e autêntica), a exaltação do instrumento penal como fator de segurança. Na realidade, sua força consiste na capacidade de aderir plenamente ao poder global do sistema econômico-financeiro que impulsiona a revolução tecnológica do novo milênio", escreve Massimo Cacciari, filósofo italiano, em artigo publicado por La Stampa, 13-01-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "como não estamos no meio e nem no fim da história, como as contradições se multiplicam, nada está decidido. O que é certo, no entanto, é que as esquerdas ocidentais terão um futuro se conseguirem realmente entender as razões objetivas de seu fracasso, razões que ultrapassam em milhões de léguas limites e defeitos táticos ou erros de líderes, e souberem não apenas se 'reposicionar' à altura das novas formas sociais de produção, mas representar, dentro dessas formas, um sinal vivo de contradição".
"Contradição", continua refletindo o filósofo, "entre o pensamento necessariamente único da Máquina 'espiritual' e consciência crítica, entre trabalho dependente e comandado, por um lado, ao qual também pertence cada vez mais o trabalho do pesquisador e do cientista, e, por outro, a prepotente instância de liberdade que vem da própria ciência".
Os senhores da “Máquina Inteligente” são os atuais governantes do mundo. Mas é necessária uma política que saiba como distribuir a riqueza de forma justa.
“Coloque os Musk no comando!” Essa parece ser a marca da época em que já entramos. Nenhum projeto político, nenhuma estratégia definida, marcam esse processo. Trata-se de uma evolução, precisamente em sentido cultural-antropológico, do sistema que agora governa nosso mundo. A opinião pública participa, sujeito ativo e objeto, tanto quanto seus “líderes” políticos. O poder da Tecnologia (o aparato global formado por economia, finanças, ciência, inovação e desenvolvimento) há muito tempo deixou de ser percebido como aquilo capaz de responder às nossas necessidades, de superar as necessidades, mas a Autoridade soberana que as produz e dita. A Tecnologia domina o ‘ter de ser’ da humanidade e se tornou, com toda evidência, sua nova religião. É ela que nos guia através do nevoeiro, prometendo, se confiarmos em sua inteligência, eliminar a angustiante imprevisibilidade do próprio futuro. O que a Tecnologia afirma, se transforma em um tipo de profecia. Quão explicáveis são os algoritmos nos quais ela se baseia? Quão responsáveis são seus oráculos? Perguntas que se tornam dia após dia mais ociosas — o que universalmente se sente é que a Máquina, uma Máquina que já se tornou inteligente, “espiritual”, representa o fator fundamental em nossas vidas. E seus senhores são, portanto, necessariamente, seus soberanos. Portanto, assombrar-se com a afirmação política de Musk poderia soar aos ouvidos de um saudável realismo como um patético lamento.
Nas últimas décadas, afirmaram-se culturas políticas que atenderam esse processo e que nada têm a ver com as direitas e as esquerdas do século XX. Todas elas expressavam, em formas até contrapostas, a vontade política de usar o poder do sistema técnico-econômico para seus próprios fins. Elas ainda concebiam a Tecnologia como um instrumento.
Tudo muda entre as décadas de 1970 e 1980. Aí está a verdadeira revolução. Marcada pelos Reagan e pelas Thatcher. As direitas neoconservadoras e neoliberais mantêm apenas como ornamento ideológico, para fins demagógicos, algumas das conotações das direitas históricas: retóricas nacionalista-identitárias, ambições civilizatórias (a ideia da própria civilização como a única e autêntica), a exaltação do instrumento penal como fator de segurança. Na realidade, sua força consiste na capacidade de aderir plenamente ao poder global do sistema econômico-financeiro que impulsiona a revolução tecnológica do novo milênio. Eliminar os impedimentos que limitam sua afirmação, administrar o contexto cultural e social de modo a internalizar seus “valores” (o primeiro dos quais será o sucesso individual, a ser perseguido por todos os meios, segundo o modelo dos grandiosos sucessos da Tecnologia), é apenas isso que deve restar da “vocação política”.
A resistente ascensão das direitas nas democracias ocidentais encontra aqui sua explicação. Elas, em sua versão totalmente inédita, transversalmente presentes em toda parte do espectro político, refletem o sistema dominante, cuja natureza autenticamente revolucionária talvez somente agora as antigas esquerdas estejam começando a entender. Diante dos sucessos da Tecnologia, as primeiras mudaram radicalmente sua estratégia básica (mantendo apenas os resquícios populistas de seu passado), as segundas desempenharam o papel dos “bons conservadores”, daqueles que gostariam de tornar “doce” uma transição que, por si só, é irreversível e traumática.
Em vez de enfrentá-la, em vez de tentar organizar sindical e politicamente os sujeitos concretos que eram afetados por ela, limitou-se a tentar defender, quase nunca com eficácia (veja a tragédia das políticas de imigração), os “direitos humanos”, que ninguém jamais explicou o que fossem se não estivessem encarnados em normas positivas que tornassem sancionáveis os transgressores. Desde as épocas dos Reagan e das Thatcher, a nova direita está pronta para o encontro com os Musk. A velha esquerda não os viu crescer. Durante algum tempo, falou de um capitalismo burguês que não existia mais. Depois, ficou encantada com as ideologias do fim da história, da globalização econômico-financeira como portadora universal de democracia e de paz. Enquanto as novas direitas embarcavam no carro dos vencedores, conseguindo assim também dar a impressão de conduzi-lo, as esquerdas defendiam formas arcaicas de centralidade dos parlamentos e assembleias eletivas, sem sequer uma ideia sobre sua reforma.
O poder político da direita vence? Não, o que vence é a imagem de poder que o sistema-Musk expressa — e que as novas direitas, aquelas que contam, completamente estranhas às geografias parlamentares do século XX, idolatram. As esquerdas perdem porque parecem estar fora de jogo em relação aos fatores determinantes do nosso destino. Assumiram uma forma de abstencionismo, que perdura desde a década de 1980, tanto de qualquer efetiva participação quanto de qualquer eficácia crítica ao estado de coisas existente. Sua “abstenção” determina a derrocada de sua representatividade, especialmente no que diz respeito aos setores sociais mais fracos e mais afetados. E também isso, analisando bem, é totalmente razoável: são os menos protegidos que precisam de proteção. E onde você vai procurá-la, se não naqueles que lhe parecem mais aguerridos?
Como não estamos no meio e nem no fim da história, como as contradições se multiplicam, nada está decidido. O que é certo, no entanto, é que as esquerdas ocidentais terão um futuro se conseguirem realmente entender as razões objetivas de seu fracasso, razões que ultrapassam em milhões de léguas limites e defeitos táticos ou erros de líderes, e souberem não apenas se “reposicionar” à altura das novas formas sociais de produção, mas representar, dentro dessas formas, um sinal vivo de contradição. Contradição entre o pensamento necessariamente único da Máquina “espiritual” e consciência crítica, entre trabalho dependente e comandado, por um lado, ao qual também pertence cada vez mais o trabalho do pesquisador e do cientista, e, por outro, a prepotente instância de liberdade que vem da própria ciência. Sem utopias, com os pés firmemente plantados nas possibilidades reais que justamente as conquistas do intelecto humano hoje nos oferecem, mas que desaparecerão como neve ao sol sem uma política que saiba distribuir de forma justa a riqueza produzida e criar as condições para uma federação entre povos e nações além de qualquer delírio hegemônico.