17 Setembro 2024
Além da consolidação de cabos eleitorais nos executivos e legislativos municipais, há uma articulação do mercado para eleger Tarcísio de Freitas em 2026 e privatizar estatais.
A reportagem é de Marcelo Menna Barreto, publicada por ExtraClasse, 16-09-2024.
As eleições de 2024 serão muito mais do que a escolha de 5.568 prefeitos e 57.119 vereadores de Norte ao Sul do país. Os resultados irão compor um mapa que, na visão de quem acompanha a política nacional, apontará possíveis rumos do Brasil em 2026.
A matemática é simples. Estes futuros prefeitos e vereadores serão eventuais cabos eleitorais de candidatos a deputados estaduais, federais, governadores, senadores e presidente da República.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), antagonistas do pleito de 2022, de certa forma, terão suas forças políticas postas novamente à prova.
O cenário agora está mais próximo do dia a dia da população. Será uma eleição sob influência de emendas parlamentares infladas pelo Congresso Nacional, que reduziu o orçamento do Executivo para políticas públicas à metade. Foi a troca pela sobrevivência política do ex-presidente Jair Bolsonaro herdada por Lula.
No campo da ideologia ou do pragmatismo, uma coisa é certa: as eleições municipais no Brasil servem como base de sustentação para carreiras e avanço político, tanto no nível estadual quanto no federal.
Silvana Krause, doutora em Ciência Política pela Katholische Universität Eichstätt (Alemanha) e professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), evidencia: “Eleição municipal sempre é um momento de avaliação das forças políticas para daqui a dois anos, um termômetro para ver como é que está a expectativa do eleitorado em relação ao contexto político”.
João Feres Júnior, doutor em Ciência Política pela City University of New York (EUA) e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), vê nas eleições deste ano, “em grande medida, um teste da resiliência do bolsonarismo sem o Bolsonaro”.
Jessé Souza, doutor em Sociologia pela Ruprecht-Karls-Universität Heidelberg (Alemanha) e autor de best-sellers como A Elite do Atraso (Leya) e A Ralé Brasileira (Civilização Brasileira), sentencia: “A batalha agora é evitar a fascistização do país”.
Luís Nassif, jornalista, fundador do portal GGN, aponta estar em curso um cenário perigoso para o futuro dos brasileiros: “Uma articulação entre mercado e ultradireita. Lula está dando tudo que o mercado quer na política monetária e cambial, mas não dá a cereja do bolo, que é a queima de estatais”.
O fortalecimento da direita é um consenso em todas as análises. Outro, a pulverização dela. É a fragmentação dessa direita que, na opinião de Feres Júnior, pode favorecer candidatos alinhados às ideias de Lula nas prefeituras de municípios sem segundo turno, aqueles com menos de 200 mil eleitores e que o nome do prefeito sai junto dos vereadores eleitos no próximo dia 6 de outubro.
Já para 27 de outubro – caso nenhum candidato ao Executivo obtenha mais de 50% dos votos válidos –, diz o professor da Uerj, o jogo é mais complicado. “Toda a direita se une e os candidatos da esquerda vão precisar, de alguma maneira, tentar tirar votos por uma franja mais ao centro.”
O partido do presidente Lula “perdeu muita capilaridade em municípios” e busca recompor a base de apoio do governo federal em uma estratégia de apostar em candidatos viáveis, mesmo que não estejam em seus quadros, descreve Feres Júnior. Isso ocorre em São Paulo onde, pela primeira vez, o PT deixa de lançar candidatura própria. “Tem esse lado. De ganhar terreno”, argumenta.
Nassif vê o governo Lula no meio de um “jogo complexo”, com falta de criatividade em iniciativas para a geração de mais legitimidade e apoio popular, o que é um grande problema.
“É assustador”, diz Nassif. Pois isso ocorre enquanto extremistas se apoiam em um discurso simples e destrutivo. A esquerda, por outro lado, enfrenta dificuldades para formular uma fala unificada e eficaz.
“O governo está empenhado nessas guerras dentro do Congresso para manter a governabilidade. Então, fica em uma situação enrolada para enfrentar a onda da ultradireita. A bandeira dela é destruição das instituições e bala contra malfeitor. E malfeitor é todo mundo que discorda, né?”, lamenta o jornalista.
Silvana Krause fala sobre a onda que muitos cientistas políticos definem como uma polarização calcificada e que foi se construindo desde a eleição de 2014.
“Chama atenção porque, ao que parece, ela (a polarização) não está tão calcificada assim”, opina a professora da Ufrgs. No seu entendimento, os estrategistas políticos têm percebido que “tem um centro aí que está precisando ser ocupado, que está precisando ser reorganizado para cumprir um outro papel”.
Acontece, de fato, o que Souza relata. “Todo o mundo é meio que forçado a se tornar alguma coisa como o centro, especialmente aqui entre nós. Na França, um pouquinho menos”, afirma, ao lembrar a Nova Frente Popular (NFP). Formada para o segundo turno das eleições do Parlamento francês, a coalizão de esquerda barrou a vitória da extrema direita e surpreendeu. Ficou como o maior bloco na Assembleia Nacional francesa. “Não se sabe até quando”, pondera o sociólogo.
Estudos de grupo que Feres Júnior realiza corroboram em parte com a ideia de Silvana. “Essa polarização Lula versus Bolsonaro, na verdade, é dos bolsonaristas; não dos que votam no Lula. Os lulistas, vamos dizer assim, se pergunta para eles sobre as intenções de voto, falam que ainda estão vendo quem são os candidatos. São os bolsonaristas que já estão fechados. Não é verdade que há uma polarização total”, explica o professor.
A análise geral é que, se alguns candidatos insistem em bater na tecla da polarização ideológica, isso se dá – com exceções – para fugir da ausência de propostas concretas para os problemas reais da população. A evidência nacional está na figura do candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB).
Silvana traz o exemplo de Porto Alegre. A polarização é canalizada pela disputa entre os governos federal, estadual e municipal. “Há uma polarização da responsabilização da tragédia (climática), que é muito diferente de uma polarização ideológica”, indica, ao rememorar a enchente de maio que inundou as ruas da capital gaúcha.
Silvana e Feres Júnior fazem coro na avaliação de que Bolsonaro foi o responsável por levar a direita brasileira para o extremismo, mas que passará por um teste nas eleições deste ano.
“Isso é uma questão, se o bolsonarismo vai se sustentar como aglutinador de um movimento. Lideranças conservadoras nos municípios vão se manter fiéis em meio de um contexto em que Bolsonaro perde avaliação positiva?”, indaga a professora.
Feres Júnior lembra que parte da direita tradicional “namora” com o eleitorado de Bolsonaro em várias regiões do Brasil. “Eu costumo dizer que conheço bolsonaristas desde que eu era criança. Sempre houve gente contra gays, contra negros, com postura autoritária e Bolsonaro os deu representação política.
Como a direita tradicional implodiu, esse pessoal está competindo com outros mais novos, bolsonaristas mais raiz, para mostrar quem é mais reaça. É uma coisa terrível, mas, ao mesmo tempo, acho que cria algumas oportunidades para progressistas nessa divisão”, avalia o professor.
Por outro lado, Silvana vê a Frente Ampla que acabou “por pouco” com os sonhos de reeleição de Bolsonaro não se reproduzir nos municípios. “Isso mostra a fragilidade, o quanto o poder estadual e o poder local não têm projeto de nação. Não interessa que teve Frente Ampla. Aqui no meu campo de disputa, o jogo é outro. E aí fica uma colcha de retalhos de articulação política, de projeto de médio e longo prazo”, pontua.
Feres Júnior expõe outra preocupação. Suas pesquisas captam ainda muita rejeição à política dita tradicional. “Tem muita gente de centro mais despolitizada, que fala que quer algo ‘novo’. É o que eu chamo de efeito prolongado da Lava Jato e isso sempre ajuda mais os oportunistas, esse pessoal que tem a cara do Bolsonaro”, declara.
Jessé Souza não tem dúvidas de que a Operação Lava Jato foi um projeto de poder apoiado pelos Estados Unidos e pelas elites nacionais para desmoralizar a política.
Se a ideia era interromper a série de quatro vitórias presidenciais consecutivas e retirar o PT do poder, a democracia acabou enfraquecida, com o caminho pavimentado para figuras autoritárias e um discurso religioso fundamentalista, entende Souza.
Luís Nassif viu em agosto um “segundo tempo” da conspiração que derrubou o governo Dilma Rousseff (PT) para abrir espaço ao que chama de “governos negocistas de Temer e Bolsonaro”.
A referência foi a série de matérias da Folha de S. Paulo voltadas contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. “Tem duas âncoras hoje aí na sociedade: Lula e o Supremo. Há uma pressão enorme do mercado, junto com a mídia aqui de São Paulo, da Faria Lima, atuando”, declara.
A ideia é criar um ambiente propício para a eleição de Tarcísio de Freitas (Republicanos) para presidente da República em 2026. “Ele virou a esperança desse pessoal para a venda da Petrobras, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal”, afirma o jornalista.
“Uma aliança do mercado com a ultradireita que junta o crime organizado. O bolsonarismo foi estimulado pela indústria de armas dos Estados Unidos, pela máfia dos cassinos de Las Vegas e pela indústria de mineração que atua de forma irregular com o mercado junto. Mercado e crime organizado não querem regulação. Sem regulação, quatro anos de governo Tarcísio destrói definitivamente um projeto de nação, um projeto de Estado. Quem passa a mandar são os BTGs da vida. É um momento complicado”, conclui Nassif.
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Eleições: um olho em 2024 e outro em 2026 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU