29 Julho 2024
Durante a emocionante cerimônia fluvial de abertura da Paris 2024 ao vivo, seu perfil e seu sorriso apareceram com grande destaque: Muhammad Yunus, o famoso "banqueiro dos pobres" bengali que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2006, é a inspiração por trás dos vínculos virtuosos entre os Jogos de Paris e os desafios civis da transição social e ecológica. Uma aposta que Yunus vem levando adiante apaixonadamente há anos, como ele explicou ao Avvenire logo após desembarcar na França, diretamente de Bangladesh. Em seu olhar, além do habitual ardor cívico, há também lampejos de indignação pelas terríveis repressões em curso em seu país. Mas ele está feliz por retornar a uma Paris Olímpica onde desenvolveu parcerias importantes: "A França é um país líder que pode mostrar o caminho, em termos de ideias e novas formas de resolver problemas”.
A entrevista é de Daniele Zappalà, publicada por Avvenire, 28-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
As Olimpíadas podem contribuir para ampliar a economia social?
Sim, porque essa economia já está pronta para permear a vida cotidiana nas empresas, nos negócios, nas escolas, entre os jovens, os aposentados, enfim, todos. A única questão crucial é a vontade de implementá-la de fato. Felizmente, as pessoas estão começando a perceber que agora é um bom momento para entrar em ação. Encontro jovens galvanizados o tempo todo que estão agindo, trazendo novas ideias e fortalecendo o movimento.
A economia civil compartilha os valores da Carta Olímpica?
Com certeza. Desde as origens, as Olimpíadas promovem a aspiração pessoal de dar o melhor de si e almejar o máximo. Também na economia, o que acontece na base deve ser capaz de alcançar e inspirar o topo, irradiando o todo, como acontece na carreira de um atleta que se torna um campeão.
Você quer conectar as bases com o topo da economia. O que significa?
Hoje, o mundo está convergindo na mesma direção, mas está nas mãos de um número cada vez menor de pessoas que detêm as riquezas. Basta sentar-se por um momento e o mundo nos alcança. Mas o sistema atual não é bom, porque esvazia a base de recursos, tornando o topo ainda mais poderoso. Portanto, o sistema precisa ser redesenhado em nome de uma redistribuição a serviço de todos. Para fazer isso, a melhor maneira que conheço é integrar a economia social no sistema. Dando-lhe mais força. Como atletas bem treinados, esses novos empreendedores crescerão até se tornar campeões.
Um exemplo concreto?
A luta contra o desemprego. Não há motivos bem fundamentados para haver pessoas desempregadas. O que está faltando é a capacidade de financiamento. O financiamento é o oxigênio dos empreendedores. Ao receber dinheiro, qualquer pessoa pode abrir uma empresa. A diferença entre mim e as pessoas mais ricas do mundo é que os bancos não me dão dinheiro. Portanto, eu simplesmente digo: vamos abrir as portas para todos, como no esporte. Um aspirante a empresário não pede dinheiro de modo indefinido, mas apenas o suficiente para começar. Não é um presente, mas um investimento. Até o momento, esse dinheiro não está vindo das principais instituições financeiras. Portanto, temos de mudá-las, como fiz com outras ao conceber o microcrédito. Por exemplo, é uma forma de financiar as mulheres pobres em Bangladesh, que assim se tornaram empreendedoras.
Você participou do A Economia de Francisco. A espiritualidade é importante nessa transição?
Sim, é importante em todos os lugares, porque é preciso adotar uma perspectiva inspirada por valores mais elevados: entrar nos negócios, em primeiro lugar, não para ganhar dinheiro, mas para resolver problemas. Podemos conseguir isso. Devemos descer sempre para baixo para resolver os problemas e permitir que as energias da base, que são realmente ilimitadas, se expressem.
Sobre a ligação entre esporte e economia civil, você tem um sonho?
Que o esporte chegue a todos os lugares, tanto nos países pobres quanto nos ricos. Tanto nas famílias pobres quanto nas ricas. Porque o esporte é capaz de abrir as mentes e infundir o gosto de embarcar em um empreendimento social. O esporte sugere a ideia de que atingir uma meta é sempre possível. Na verdade, ninguém deveria pensar que a iniciativa econômica cabe apenas aos governos. Graças ao esporte, qualquer pessoa pode dizer: eu posso fazer isso, posso mudar o mundo.
Que legado espera para esses Jogos?
Conseguir mostrar que podemos abrir novos horizontes, especialmente para os jovens que praticam ou poderiam praticar esportes. Dar aos jovens o gosto de fazer algo novo e diferente para mudar o mundo. Pessoalmente, sou um otimista compulsivo. Nunca desisto.
As Olimpíadas promovem a paz. A economia civil pode apoiá-los nesse sentido?
Claro que sim. Paz significa ser feliz junto com a vida humana. Poder fazer o que se deseja intimamente. Se você vier até mim e depois fechar a porta novamente, não serei feliz, porque você não me autoriza a fazer o que eu gostaria. Esse é o novo desafio da economia: abrir a porta para todos. E se eu conseguir realizar o que almejo, então encontrarei a paz. Não terei mais motivos para participar da separação de recursos. Além disso, serei capaz de me proteger dos acumuladores: um ponto fundamental.
Então, os atletas de Paris podem servir de modelo para os empreendedores da mudança?
Sim, enormemente. Esses atletas são criativos, competitivos, focados e sabem como atingir seus objetivos. Mantendo também um espírito crítico, eles já estão mudando o mundo. Como em um revezamento esportivo, os empreendedores chegam com uma ideia para encontrar um parceiro pronto para investir nessa ideia. O segredo é conseguir trabalhar juntos. Uma simples ideia, uma parceria.
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"Vamos competir por um mundo mais solidário". Entrevista com Muhammad Yunus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU