18 Julho 2024
A Anistia Internacional criticou fortemente a proibição, em vigor na França, do uso do hijab, dizendo que esse fato está impactando negativamente nas mulheres e jovens muçulmanas desportistas no país.
A informação é publicada por 7Margens, 16-07-2024.
Num novo relatório, intitulado “Já não podemos respirar. Até os desportos, já não os podemos praticar” e publicado em antecipação dos Jogos Olímpicos de Paris, a Anistia denuncia o que constitui uma violação do direito internacional em matéria de direitos humanos e expõe a ação discriminatória das autoridades francesas e o fraco empenho do Comitê Olímpico Internacional (COI) nesta matéria.
“As regras discriminatórias que controlam o que as mulheres vestem são uma violação dos direitos humanos das mulheres e jovens muçulmanas e têm um impacto devastador na participação delas nos esportes, bloqueando os esforços para tornar a prática desportiva mais inclusiva e acessível”, assinala Anna Błuś, investigadora dos direitos das mulheres da Anistia Internacional na Europa.
As proibições do uso do hijab em vários esportes na França geraram um contexto em que o país anfitrião dos Jogos Olímpicos acaba por violar várias obrigações ao abrigo dos tratados internacionais de direitos humanos de que é parte, bem como os compromissos e valores estabelecidos no próprio quadro de direitos humanos do COI. Apesar dos repetidos apelos até este momento, o COI recusou-se a pedir às autoridades francesas que revogassem a proibição do uso do hijab pelas atletas nos Jogos Olímpicos e em todos os níveis do desporto.
Em resposta a uma carta de uma coligação de organizações que exigiam que tomasse medidas, o COI alegou que a proibição francesa do uso de hijab no desporto estava fora do âmbito do movimento olímpico, afirmando que “a liberdade de religião é interpretada de formas muito diferentes por cada Estado”. Porém, a resposta do COI não mencionou outros direitos violados por esta proibição, como a liberdade de expressão e o acesso à saúde, afirma a Anistia num comunicado de imprensa enviado ao 7Margens.
As proibições impostas pela França aos hijabs desportivos vão contra as regras de vestuário de organismos desportivos internacionais como a FIFA (Federação Internacional de Futebol), a FIBA (Federação Internacional de Basquetebol) e a FIVB (Federação Internacional de Voleibol). A Anistia Internacional analisou as regras de 38 países europeus e concluiu que a França é o único país que consagrou a proibição do uso de véu religioso, quer no nível da legislação nacional, quer no nível dos regulamentos desportivos individuais.
“É uma clara violação da Carta Olímpica, dos seus valores e disposições, e uma violação dos nossos direitos e liberdades fundamentais. Penso que vai ser um momento vergonhoso para a França”, afirmou a jogadora de basquetebol Hélène Bâ à Anistia Internacional a propósito da proibição do uso do hijab nos Jogos Olímpicos deste ano.
“É triste. É ainda mais vergonhoso estar neste ponto em 2024, a bloquear sonhos só por causa de um pedaço de tecido”, referiu outra mulher, designada por “B”.
Na França, a proibição de as mulheres muçulmanas usarem qualquer tipo de véu religioso vai muito para além dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos. A proibição do uso de hijabs está em vigor em vários desportos, como o futebol, o basquetebol e o voleibol, tanto em nível profissional como amador. Estas proibições, implementadas por federações desportivas, significam que muitas mulheres muçulmanas não só são excluídas da participação em desportos como também nunca chegam a ter as oportunidades de treino e competição necessárias para atingir o nível olímpico, detalha a Anistia.
“No nível psicológico também é difícil, porque nos sentimos realmente excluídas… Especialmente se formos para o banco e o árbitro nos mandar ir para o banco de reservas a arquibancada. Toda a gente te vê… é uma caminhada de vergonha”, acrescentou B.
Já Founé Diawara, copresidente do coletivo de futebol dos utilizadores de hijab mencionou: “A nossa luta não é política ou religiosa, mas centra-se no nosso direito humano de participar no desporto”.
“Nenhum legislador deve ditar o que uma mulher pode ou não vestir e nenhuma mulher deve ser forçada a escolher entre o desporto que ama e a sua fé, identidade cultural ou crenças”, defendeu ainda Anna Błuś. “Não é tarde demais para as autoridades francesas, as federações desportivas e o COI fazerem a coisa certa e anularem todas as proibições de atletas que usam o hijab no desporto francês, tanto nos Jogos Olímpicos de verão como em todos os desportos, em todos os níveis”, concluiu.
De acordo com o direito internacional, a neutralidade do Estado ou o secularismo (laїcité) não são razões legítimas para impor restrições à liberdade de expressão e/ou à liberdade de religião, explica a Anistia. No entanto, há vários anos que as autoridades francesas têm vindo a utilizar estes conceitos como instrumentos para justificar a promulgação de leis e políticas com um impacto desproporcionado nas mulheres e jovens muçulmanas. Além disso, toda esta situação ocorre no contexto de uma campanha persistente que dura há vinte anos de legislação e regulamentação prejudiciais do vestuário das mulheres e jovens muçulmanas na França, alimentada por preconceitos, racismo e islamofobia de gênero.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
França. Proibição do “hijab” nos esportes é discriminatória e viola Carta Olímpica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU