28 Fevereiro 2024
Libanês, 74 anos, emigrou para a França em 1975, Amin Maalouf está entre os protagonistas francófonos mais conhecidos do debate sobre conflitos civilizacionais contemporâneos. Primeiro jornalista, depois romancista e ensaísta, desde seu livro de 1983, As cruzadas vistas pelos árabes (Vestígio, 2023), descreveu e interpretou o encontro e o confronto entre o Ocidente e o Oriente. Depois do prêmio Goncourt em 1993 (O rochedo de Tânios, Cia das Letras, 1998;), o máximo reconhecimento do país de adoção veio em 2011 com a sua eleição para a Académie Française, para aquela 29ª cátedra que foi de Claude Lévi-Strauss.
Em outubro passado, alguns dias depois da eleição como “secretário vitalício” da Académie, saiu seu novo livro: vencedor do Prix Vauban 2023, será publicado na Itália com o título Il labirinto degli smarriti: l’Occidente e i suoi avversari (O labirinto dos perdidos: o Ocidente e seus adversários) pela Nave di Teseo. “La Lettura” encontra o autor em seu estúdio no Institut de France, à beira do Sena, a mil metros do canteiro de obras onde, após o incêndio de 2019, está renascendo Notre Dame.
A entrevista é de Marco Ventura, publicada em La Lettura, 25-02-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em que sentido você acha que teríamos nos perdido? Quem são os “perdidos”?
Os perdidos somos todos nós. Vivemos uma época que é ao mesmo tempo apaixonante e assustadora. Nenhuma geração antes da nossa teve todos esses meios para adquirir conhecimento. Ao mesmo tempo, no entanto, tenho a impressão de que perdemos o rumo. Não sabemos para onde ir.
Por quê?
Há muitos fatores. A situação é muito paradoxal. Dispomos dos meios tecnológicos e financeiros para construir o mundo que queremos, mas não sabemos que mundo construir, somos incapazes de impedir a explosão de conflitos, incapazes de interromper os conflitos que explodem. Incapazes de enfrentar o desafio climático. É tudo isso que explica a palavra perdidos.
O livro sugere que somente a cooperação pode nos salvar.
Não podemos mais nos dar ao luxo de viver numa lógica de luta pela hegemonia. O mundo se tornou tão sofisticado que precisa ser gerido num espírito de solidariedade. Entre os diferentes componentes da humanidade, entre as diferentes potências. Precisamos trabalhar juntos para enfrentar os grandes desafios do clima, da tecnologia. Mas não estamos conseguindo.
Evidentemente as potências não conseguem. A intolerância cresce em todo lugar, dentro do Países e em nível global. Não conseguimos mais realmente viver juntos.
O livro é uma galeria de personagens decisivos. São mais importantes os indivíduos ou as sociedades?
Há elementos pessoais que desempenham um papel. Há evoluções que não dependem de um elemento pessoal. A revolução industrial não depende desse ou daquele personagem. É um movimento histórico, de sociedade. Mas quando olhamos atentamente para a evolução dos países, os fatores individuais são decisivos. A história da Rússia não teria sido a mesma sem Stalin.
Então hoje precisaríamos de personagens, de líderes?
Eu não pularia para essa conclusão. Há momentos em que a sociedade produz uma figura. E depois há longos momentos em que a sociedade não consegue produzir uma figura que resolva milagrosamente os problemas. Precisaríamos de uma grande figura nos Estados Unidos? Idealmente, sim. Gostaríamos de um George Washington, talvez. Mas nem sempre a sociedade produz figuras dessa envergadura. Talvez precisemos delas, mas isso não significa necessariamente que aparecerão.
Como você definiria seu livro? Um ensaio escrito por um romancista?
Mesmo que seja um livro que não contém ficção, é um livro que conta histórias. O que eu queria contar, e me apaixonou enquanto fazia as pesquisas necessárias, é o percurso dos três países que desde que o Ocidente se tornou dominante no mundo, tentaram questionar o seu primado. O Japão, a Rússia e a China. Não há outros. Alguns países sonharam em ser como eles, outros simplesmente se opuseram ao Ocidente em diferentes momentos de sua ascensão. Mas apenas os três desafiaram o Ocidente.
Em primeiro lugar, o Japão.
A extraordinária história da era Meiji abalou o mundo, especialmente no tempo da guerra russo-japonesa. Entre os muitos desenvolvimentos teve a deriva da década de 1930 que levou ao ultranacionalismo, à loucura da qual surgiu a pior catástrofe. Em seguida houve a ressurreição depois da guerra, numa base completamente diferente, sem recurso à força militar. E hoje o Japão é um pilar da coalizão ocidental.
Depois a Rússia.
Quando lançou o seu desafio ao sistema ocidental, não sabíamos qual dos dois modelos teria triunfado. O rápido colapso do sistema soviético é um dos eventos mais espetaculares da história recente. Ainda não nos recuperamos das consequências daquele colapso. O que vivemos hoje é ainda uma sua consequência.
Finalmente, o desafio chinês.
É um caso diferente porque não falamos mais apenas do passado. O verdadeiro desafio da China ao Ocidente não é ontem, é hoje. A China é hoje a potência em ascensão, que afirma claramente querer questionar a supremacia do Ocidente. Aqui está, as três experiências são apaixonantes de contar e eu tive vontade de contá-las, é isso.
A narrativa serve para entender. Não é um fim em si mesmo.
Não, não é um fim em si mesma. Mas nem sequer está ao serviço de uma tese. Eu acredito na virtude de narrativa. Quando se conta uma história, não precisa espontaneamente, imediatamente tirar conclusões. É preciso que a história se desenvolva e que cada um tire as suas conclusões.
Em seu livro fala-se de oportunidades perdidas.
Às vezes a história não oferece mais oportunidades. Após a Primeira Guerra Mundial, o Egito teve um momento em que uma certa forma de patriotismo modernizador poderia ter levado a relações pacificadas com o Ocidente. Tudo desmoronou devido a más decisões tomadas pelos britânicos e pelos estadunidenses. E a oportunidade nunca mais apareceu.
Você se refere aos Estados Unidos e à China como os dois “finalistas” de uma competição. E agora?
Honestamente, ainda não sabemos. As relações entre as grandes potências são tão ruins que um deslize tecnológico pode causar uma explosão. Não podemos descartar isso. Podemos esperar, rezar, que aconteça como no caso dos mísseis cubanos.
Você escreve que a derrubada do Muro de Berlim como uma Hiroshima ao contrário.
Achamos que no final as coisas vão se arranjar. Mas não é garantido que sempre as coisas se arrumem milagrosamente. Pode-se apenas esperar.
Você se interessa pelo sistema religioso da Ásia oriental.
Pareceu-me interessante sublinhar que no mundo confucionista não existe ligação entre religião e identidade nacional, como no mundo muçulmano, cristão, judaico e até mesmo hindu. Não por isso evitam-se ditaduras e perseguições. Mas há algo interessante. Em outubro de 2022, enquanto escrevia o livro, estive na Coreia do Sul, onde a relação entre budismo e comunidades cristãs é pacífica. Segundo a ideia confucionista, o que importa é o comportamento civil, não a visão da vida após a morte.
A Coreia do Sul e o Japão, no entanto, são muito diferentes da China, que reprime a liberdade religiosa.
É verdade. No entanto, essa forma especial que eu chamaria entre aspas de ‘laicidade confucionista’ merece reflexão.
A sua avaliação sobre o mundo árabe-muçulmano é muito negativa.
É claro que o mundo árabe-muçulmano atravessa um dos seus períodos mais sombrios. Houve páginas luminosas do passado. Há pessoas maravilhosas que vêm dessa região de mundo. Muitas. Assim que forem colocadas em um ambiente favorável, podem fazer coisas extraordinárias. Mas o drama é que as sociedades do mundo árabe-muçulmano sufocam a criação, as iniciativas, a democracia.
Os ocidentais hoje veem uma ameaça no Islã.
A ameaça que os ocidentais veem nas suas sociedades está ligada ao fato que o enfraquecimento do mundo árabe-muçulmano levou a comportamentos irracionais, que se traduziram em atos de violência individual, cega, por vezes espetaculares, como no emblemático evento de 11 de setembro...
Mas não fala sobre isso no livro...
Já falei sobre isso em outros livros, não aqui. Aqui falo sobre os três desafios à supremacia do Ocidente. O que acontece no mundo muçulmano é importante, mas não constitui um desafio. Não há potências capazes de desempenhar esse papel.
O que esse livro representa em sua jornada como escritor?
Sou essencialmente um observador do mundo. Tenho consciência de viver numa época fascinante e inquietadora e toda vez que vejo um fenômeno que merece ser observado mais de perto, eu o faço.
Como em seus livros anteriores?
Há vinte e cinco anos constatei a emergência do fenômeno identitário e dediquei-lhe um livro que se intitulava Identidades. Depois me chamou a atenção o fato de que vivemos num mundo desregulado não apenas em termos climáticos, mas também em termos econômicos e políticos, e escrevi O mundo sem regras. No ensaio seguinte, O Naufrágio das Civilizações, constatei justamente o naufrágio das nossas civilizações. Hoje perguntamo-nos se o Ocidente manterá a sua primazia e nesse último livro quis reunir elementos factuais que permitam refletir sobre a relação entre o Ocidente e o resto do mundo.
O próximo livro?
Muitas vezes alterno um romance com um ensaio. Teoricamente, será, portanto, um romance. Mas ainda não sei.
Muitos livros, uma única pesquisa?
Um dos meus sonhos é ver o Ocidente e o mundo confucionista encontrarem uma fórmula de entendimento. Os dois precisam um do outro. As sociedades confucionistas, eu as chamo assim mesmo que seja um pouco superficial, precisam do Ocidente, da sua iniciativa, do seu culto à liberdade, e o Ocidente precisa de um pouco de sentido do dever, do vínculo com as gerações anteriores. Existem elementos culturais interessantes nesses dois universos. Mereceriam uma síntese.
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O Islã está no seu século sombrio. Espero na laicidade confucionista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU