“A luta política deve vir acompanhada de um projeto de futuro, e é aí que não cabem todos os empregos, nem o atual modelo de trabalho baseado na exploração incessante dos recursos naturais em um planeta finito”. A reflexão é de Azahara Palomeque, publicada por La Marea/Climática, 10-10-2022. A tradução é do Cepat.
Centenas de trabalhadores manifestaram-se recentemente na Galícia (Espanha) contra os regulamentos europeus que proíbem a pesca a profundidades superiores a 400 metros em quase 90 zonas do Atlântico. “Não somos predadores, somos trabalhadores”, dizia Nacho Vázquez, um deles. A estabilidade econômica de muitas famílias estará em jogo se esta medida, destinada a proteger a biodiversidade marinha, entrar em vigor em uma época que foi descrita como a Sexta Extinção. A pesca de arrasto, prática que consiste no lançamento de enormes redes em grandes profundidades, é especialmente prejudicial para muitas espécies, muitas das quais acabam morrendo no processo, sem se tornar alimento, ao mesmo tempo em que gera enormes quantidades de resíduos plásticos, como analisávamos no último programa Climática con Carne Cruda. No entanto, após sua restrição, abre-se uma passagem para o surgimento do terrível fantasma do desemprego, como esses trabalhadores legitimamente alertaram.
O problema não é trivial, pois reflete uma das grandes dificuldades envolvidas na mitigação da crise climática: a saber, que a atividade humana, honrada, e muitas vezes até crucial para atender a necessidades essenciais como a alimentação, é terrivelmente destrutiva para outros animais, dos quais depende a médio e longo prazo também a nossa sobrevivência. No curto prazo, porém, é usada para pagar o aluguel, comprar livros didáticos para as crianças; enfim, dá vida a parte da população.
Quais trabalhos podemos ou não realizar em meio à inevitável emergência ambiental, como o mercado de trabalho vai se reestruturar e quais mecanismos de justiça social serão implementados em nível institucional para que os mais vulneráveis não paguem para uma crise em que as classes altas têm maior responsabilidade são algumas das grandes questões desta década, e provavelmente deste século.
Como em qualquer assunto complexo, não há receitas milagrosas, e mesmo os habituais discursos ideológicos esbarram nessa situação inédita. Um marxismo de manual, ou mesmo uma abordagem ortodoxa dos direitos humanos, encorajaria os trabalhadores a defenderem suas demandas tradicionais a todo custo, mesmo que estas estejam enquadradas em um paradigma disfuncional. Mas quando não há peixes, nem ar respirável, nem árvores, essa defesa terá sido pouco mais do que um minúsculo salva-vidas na onda de um tsunami. Por isso, a defesa dos direitos de todos deve ser feita a partir de uma consciência ecológica que, fundamentada em dados científicos, conceba soluções adaptadas à gravidade dos tempos que nos aguardam. Em outras palavras: a luta política deve vir acompanhada de um projeto de futuro, e é aí que não cabem todos os empregos, nem o atual modelo de trabalho baseado na exploração incessante dos recursos naturais em um planeta finito.
Um relatório recente da Ecologistas em Ação garante que há setores que são obrigados a decrescer, como a indústria automobilística, responsável por 1,8 milhão de empregos em nosso país, e do turismo, que emprega 2,62 milhões de pessoas. Estamos falando de uma porcentagem muito elevada do PIB que, se desaparecesse, provocaria o colapso imediato da economia espanhola; estamos falando, não esqueçamos, não de números, mas possivelmente de pessoas famintas e despejadas, que em outro momento contribuíram com sua melhor força de trabalho para uma atividade decente. No entanto, a escassez de combustíveis fósseis – em parte devido ao peak oil ou pico do petróleo – e o compromisso peremptório de reduzir as emissões de gases de efeito estufa impõem um cenário em que o carro particular em breve será inconcebível, a aviação que transporta milhares de turistas para nossas costas todos os anos será inviável, e mesmo aquelas praias lotadas de banhistas podem desaparecer devido à erosão e à elevação do nível do mar.
Ninguém em sã consciência gostaria de aniquilar as formas mais honradas de ganhar lentilhas, mas se essas lentilhas forem cultivadas na cratera de um vulcão e o vulcão entrar em erupção, o melhor é abandoná-las. Em contrapartida, o relatório propõe a criação de postos de trabalho nas áreas da agroecologia, da silvicultura e da gestão de resíduos, numericamente insuficientes, mesmo que os trabalhadores de um setor possam se deslocar facilmente para outro, o que é uma quimera.
Os pesquisadores e pesquisadoras de uma infinidade de disciplinas têm apelado para o estabelecimento de uma economia do cuidado, como David Graeber argumentou em Trabalhos de merda, juntamente com o desempenho de trabalhos voltados para o bem comum que impedem, por sua vez, que nos tornemos autômatos deprimidos e autoexplorados para o benefício milionário de quatro gestores.
O antropólogo norte-americano também propôs a implementação de uma renda básica universal, medida que a economista Ioana Marinescu estudou a fundo em combinação com um imposto sobre o carbono. Isso permitiria reduzir as emissões poluentes ao mesmo tempo em que arrecada o necessário para ter um colchão social que garanta a satisfação das necessidades básicas, o que é essencial durante o tempo em que perduram os reajustes do mercado e a formação daqueles que decidem mudar de setor.
A flexibilidade, entendida como o direito de aprender com base em condições dignas e não como demissão barata, ajudaria a enfrentar os atritos que certamente virão, à medida que a emergência climática se intensificar. Por outro lado, há muitas vozes comprometidas com o investimento no setor público, especialmente voltado para o fortalecimento do Estado de bem-estar (saúde, educação), desde que os autores de Limites do crescimento (1972) mostraram sua importância dentro de uma economia global desacelerada, se não completamente decrescente.
Em última análise, como previa o relatório da Ecologistas em Ação, seria necessário avançar para a desassalariamento, ou seja, um sistema em que a venda da nossa força de trabalho não fosse um requisito para levar uma vida boa caracterizada pela fartura do pão, redes coletivas de apoio e solidariedade. Esta é a única maneira de combater o monstro capitalista que conseguiu equiparar a dignidade humana com o crescimento infinito, jornadas de trabalho cada vez mais extenuantes e destruição planetária, quando precisaríamos de mais lazer, tempo para atividades que não destruam a natureza ou a nossa saúde, maior autonomia econômica e redistribuição da riqueza.