06 Dezembro 2019
Os grandes encontros mundiais nos quais os países falam sobre questões que afetam o cotidiano das pessoas, como a COP25, que acontece nesses dias em Madri, provocam grandes expectativas internacionais. Milhões de pessoas esperam que esses encontros produzam soluções para frear o desastre climático a respeito do qual estamos cada vez mais conscientes. Contudo, especialistas na área alertam que é impossível uma grande mudança eco-social sem mudar radicalmente o paradigma econômico global.
A reportagem é de Laura Cruz, publicada por El Salto, 05-12-2019. A tradução é do Cepat.
Jaime Nieto, economista e pesquisador das Universidades de Valladolid e Leeds, analisou como mudaria a economia a transição ecológica para energias renováveis por meio do módulo econômico do projeto MEDEAS. Juntamente com outros pesquisadores, como Óscar Carpintero, Ignacio de Blas e Luis J. Miguel, examinaram três dos possíveis cenários: cenário business as usual - no qual praticamente nada mudaria, continuaríamos a crescer economicamente no ritmo atual - cenário growth - crescimento - e o cenário post growth - pós-crescimento. Sua pesquisa simulou esses três cenários com e sem limites ambientais.
“Obviamente, o mais suicida é o business as usual, sem limites ambientais, ou seja, continuar crescendo sem reparar em recursos e como um modelo econômico a seguir. Nesse cenário, as emissões de CO2 aumentariam em ritmo vertiginoso e, a curto prazo, seria muito prejudicial para a vida humana”, afirma Nieto.
Uma das conclusões a que chegaram é que, por mais paradoxal que possa parecer, se for cumprido realmente o Acordo de Paris da Convenção Marco das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que a partir de 2020 terá que substituir o protocolo de Kyoto, as emissões de CO2 aumentariam a um ritmo muito alto. “O de Paris não merece ser chamado de acordo, porque cada país faz as reduções que deseja e não haverá órgão de controle que imponha sanções se isso não acontece. Além disso, o que cada país planeja está muito aquém do que a Organização das Nações Unidas estabelece como essencial para que a mudança climática não ocorra”, diz Luis González Reyes, membro da Ecologists in Action.
Os estímulos econômicos para aumentar o PIB dos países desenvolvidos são nutridos, por exemplo, pela deslocalização. Ocorre em setores-chave, como o de alimentação. Nazareth Castro, fundadora do Carro de combate, analisa no livro Los monocultivos que conquistaron el mundo (Akal, 2019) os impactos socioambientais da cana de açúcar, soja e óleo de palma. “Para sair do poço, a primeira coisa a fazer é não continuar cavando, ou seja, não ampliar esse modelo a territórios que ainda não chegaram”, diz Castro. “Quando você lê que os agricultores que possuem 25% da terra estão produzindo 75% da alimentação mundial, o que nos mostra é que existem maneiras muito mais eficientes de produzir alimentos do que a produção típica do capitalismo”.
No entanto, as soluções não virão das mãos de pequenas decisões de consumo individual, mas a mudança terá que acontecer globalmente. “Na minha opinião, o decrescimento acontecerá queiramos ou não. Agora, estamos vivendo um choque com os limites de disponibilidade de energia e material, o que significará um inevitável decrescimento no Produto Interno Bruto (PIB)”, afirma González Reyes. Seu delineamento já está começando a chegar. Numerosas crises econômicas nas quais os países mais fortes são os maiores produtores de energia fóssil e veículos, como no caso alemão, são um claro sintoma disso. “Existe uma correlação linear se olharmos para os dados globais de energia e PIB”, diz, “porque o PIB só cresce se cresce o consumo de energia ou o consumo de diferentes materiais”.
González Reyes trabalhou em um projeto de modelagem que analisa como o mundo do trabalho seria afetado com uma mudança de paradigma econômico e acoplando os limites ambientais. “Uma dessas políticas é a que tem a ver com o decrescimento. Conseguiríamos chegar aos limites da descarbonização impostos pela Organização das Nações Unidas com uma redução no nível das máquinas e há uma diminuição no trabalho humano nos setores secundários e terciários, que não são imprescindíveis para a vida”.
Por isso, concluíram que é imprescindível reduzir as horas de trabalho assalariado para poder enfrentar o desafio climático e também modificar outros padrões, como uma redução muito drástica no uso de veículos particulares ou de climatizadores de espaços de forma seletiva, que significarão vidas muito mais austeras. Ao mesmo tempo, aumentariam as horas de trabalho reprodutivo (tarefas de cuidado e tempo gasto no lar em geral).
“No caso espanhol, implica um colapso do trabalho no turismo e também no transporte. Mas não somente os setores serão reduzidos, há alguns que podem aumentar em um cenário de decrescimento global. São a educação e a saúde, por exemplo, e outros que atendem necessidades básicas, como móveis, indústria de alimentos e de armazenamento”.
O fato de aumentarem seu peso econômico não significa que continuemos a concebê-los como agora. “Na Argentina, que é um país com uma capacidade muito alta de produzir alimentos, a soja domina tudo. Essa monocultura é dedicada principalmente a agrocombustíveis e ração animal para a indústria da carne, uma das mais poluentes e cujas práticas estão associadas a doenças e torturas”, afirma Nazaret Castro. “É necessário colocar no centro o sustento da vida e qualquer solução que não vá por aí, será uma solução falsa. É preciso aproximar o consumo, reorientar a economia”.
Jaime Nieto também analisou a redução da semana de trabalho no cenário growth com limites ambientais e post growth. “Percebemos que menos horas de trabalho assalariado significariam que as pessoas teriam mais tempo para suas decisões diárias, como a escolha dos alimentos que consumirão, que mais tempo significaria uma redução importante de produtos ultraprocessados que normalmente são embalados em vários plásticos”.
A urgência climática e a superação do que os ambientalistas chamam de pico do petróleo - momento em que se alcança a mais alta taxa de extração de petróleo global, para depois entrar em declínio rapidamente, pois começa a custar mais extrai-lo e começa a ser muito mais difícil encontrar novas reservas - são sinais inequívocos de que a mudança de paradigma não pode ser gradual, porque não há tempo para isso. “Não estamos em 1970, quando se podia pensar em uma reconversão gradual de vários setores com planos de transição. Em 2019, deixamos todo o tempo que tivemos para levar adiante esses planos de transição escalonados. Agora, não temos tempo. A Organização das Nações Unidas propõe reduções de 8% ao ano nas emissões. Esse é um ritmo elevadíssimo”, diz González Reyes.
Dá como exemplo o colapso do bloco soviético e a época da desindustrialização na qual foram feitas reduções muito fortes de emissões, que atingiram um máximo de 4% ao ano. Uma redução do dobro, durante décadas, que ocorra em todo o mundo e sem nenhum ajuste social muito forte, é ‘ilusória’. É o que precede, segundo González Reyes, o colapso. Ou seja, uma ordem antiga que cai e uma que emerge. “Não quero dizer que será da noite para o dia. Durará décadas”.
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Menos horas de trabalho assalariado para evitar o colapso climático - Instituto Humanitas Unisinos - IHU