“Falar da mudança climática é algo muito poderoso, que todo mundo pode fazer”. Entrevista com Katharine Hayhoe

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03 Dezembro 2019

"O melhor que podemos fazer para lutar contra a mudança climática é falar sobre isso com todas as pessoas que pudermos". É a premissa que a cientista canadense Katharine Hayhoe (Toronto, 1972) utilizou para proferir, no ano passado, uma palestra na TED (série de conferências realizadas na Europa, na Ásia e nas Américas pela fundação Sapling, dos Estados Unidos), que foi vista por cerca de dois milhões de pessoas. Quando é perguntado à diretora do Centro de Ciência do Clima, da Universidade Tecnológica do Texas, por que se está agindo tão devagar frente à emergência climática, recomenda dar uma olhada na lista Fortune das empresas mais ricas do mundo.

A entrevista é de Alex Fernández Muerza, publicada por El Diario, 01-02-2019. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

É tarde demais para atuar em relação à mudança climática?

Se fumamos há anos, alguns de seus efeitos já são inevitáveis, mas ainda não temos câncer de pulmão. Com a mudança climática é a mesma coisa. Das escolhas que fazemos, depende que nossa civilização sobreviva ou não, e não é muito tarde para tomá-las. O planeta sobreviverá com ou sem nós. Que sobrevivamos significa que os sistemas humanos se adaptam entre 1,5 e 2 graus. Com 2,5 graus, provavelmente também sobreviveríamos, com 3 graus haverá quem não sobreviva, com 4 graus muitos não sobreviverão.

Estamos perto do ponto de não retorno, o último momento para reduzir as emissões antes de uma mudança climática catastrófica inevitável?

Sim e não. Em algumas ilhas e áreas costeiras, esse ponto em termos de aumento do nível do mar já foi alcançado. Mas se falarmos de nossa civilização, a probabilidade existe, embora ainda não tenha ocorrido. Portanto, nossas ações agora são muito importantes.

O aquecimento global está acelerando?

Sim, está acelerando. As pessoas costumam dizer que os cientistas são muito tendenciosos e, na realidade, somos muito conservadores. Fizemos um bom trabalho com as projeções da temperatura média global, mas subestimamos as fortes chuvas, inundações, furacões e tufões, ondas de calor... Hoje, sabemos que o aumento do nível do mar é duas vezes mais rápido que há 25 anos. É por isso que temos que reduzir nossas emissões o mais rápido possível e também remover o máximo de CO2 possível da atmosfera.

Em sua palestra TED afirma que a coisa mais importante que uma pessoa pode fazer em relação à mudança climática é falar sobre o assunto.

Falar da mudança climática é algo muito poderoso, que todo mundo pode fazer. E você tem que incentivar as pessoas, porque é isso que mantém o interesse a longo prazo e enfrenta o medo. Vou lhe contar uma história. Dei minha palestra em dezembro do ano passado. Em maio, eu estava em Londres para visitar várias localidades do Reino Unido. Na estação de trem, um homem se aproximou de mim, me disse que tinha visto minha palestra TED e que me mostraria a lista com os nomes das pessoas com quem havia conversado. Eu pensei que seria 70 ou 80, e me mostrou 10.000 pessoas! Graças a isso, disse-me que havia sido declarada a emergência climática em sua cidade.

Serve para alguma coisa reduzir nossas emissões na Espanha, se os Estados Unidos e a China não fazem o suficiente?

No meu país, o Canadá, me dizem que “geramos apenas 2% das emissões globais”, na Noruega, que “somos um país pequeno”, na Eslováquia, que “somos um país minúsculo”, nos Estados Unidos, que “a China tem muita gente”, na China, que “por pessoa, não produzimos tanto CO2 como nos Estados Unidos”. Todo mundo diz o mesmo. Mas tudo conta, especialmente em um país rico. Segundo a Oxfam, 10% da população mundial produz 50% das emissões globais.

Se as soluções para as mudanças climáticas são tão positivas, por que existem pessoas que não querem apoiá-las?

A lista Fortune das empresas mais ricas do mundo aponta o Walmart como a primeira. Seus responsáveis trabalham para conseguir se abastecer com 50% de energias limpas até 2025. Na posição 11 está a Apple, que já usa 100% de energias limpas, e está descarbonizando sua cadeia de fornecimento na China. Quais são as outras empresas? Petróleo, petróleo, gás, gás. E empresas de automóveis que baseiam seus negócios na queima de petróleo. Esse é o problema. As empresas que controlam o mundo são as que mais perdem, quando se enfrenta a mudança climática.

Como é possível acelerar a resposta, então?

Se voltássemos aos anos 1980, com os níveis de CO2 daquela época, e a tecnologia de hoje, viveríamos em um mundo muito melhor. Contudo, não foram feitas as mudanças que precisariam ser realizadas. Uma das razões já comentamos: as empresas mais ricas. Outra razão é que o petróleo, o gás e o carvão são fortemente subsidiados. O Fundo Monetário Internacional (FMI), que não é uma ONG ambiental precisamente, calculou que esses subsídios são astronômicos. Algumas das energias limpas também recebem subsídios, depende do lugar, mas é uma proporção de 50 a 1.

Nos Estados Unidos, os subsídios aos combustíveis fósseis superam o orçamento do Pentágono. Você e eu, cada uma das pessoas neste planeta, pagamos para usar combustíveis fósseis. Se resolvermos isso, as coisas iriam muito mais rápido. É por isso que as políticas são tão importantes. Políticas como a do preço ao carbono, ou do cap and trade, políticas que buscam o pagamento real por carbono, em vez do artificialmente baixo que pagamos hoje.

O movimento Extintion Rebellion diz que não se deve dar esperança, porque as pessoas reagem apenas quando já não resta. O que pensa?

O medo nos faz reagir, mas pode nos levar ao pânico. Quando um urso nos persegue - no Canadá isso acontece - temos que correr muito rápido, e o medo nos dá energia. Serve para um problema imediato. Mas a mudança climática é um problema de longo prazo. O Extinction Rebellion faz um bom trabalho de conscientização e aponta as soluções para agirmos todos juntos. Mas, não é possível manter o medo o tempo todo, e é um problema que levará anos, décadas. Se as pessoas sentirem medo, ficarão paralisadas e precisamos de mais ação do que nunca. Precisamos de uma esperança racional, para não dizer que está tudo bem, porque está mal. É necessário apresentar o problema com as soluções, e dizer o que cada pessoa pode fazer.

Você virá à Cúpula Mundial do Clima em Madri (COP25)?

Não irei por várias razões. A primeira é que a maior parte do nosso trabalho científico já está feito. No Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), produzimos a ciência que todos os países poderão utilizar posteriormente para suas negociações na COP. Por isso, os relatórios são tão conservadores, porque todos têm que estar de acordo, algo que em si só também é um problema. Só fui a uma COP, a de Paris, com uma ONG que oferece apoio científico a muitos países que não podem ter seus próprios cientistas para um debate político posterior.

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