15 Novembro 2019
No ano passado, nasceram na Espanha 369.000 crianças. Desde que o Acordo de Paris contra as mudanças climáticas foi assinado em 2015, foram 1,5 milhões, segundo o Instituto Nacional de Estatística. A saúde de todos eles já está se deteriorando pela crise climática. Agora e pelo resto de suas vidas, de acordo com o mais recente inventário científico anual sobre saúde e mudança climática Lancet Countdown.
A reportagem é de Raúl Rejón, publicada por El Diario, 14-11-2019. A tradução é do Cepat.
Um mundo superaquecido afeta a saúde de “várias maneiras interconectadas”, explica o estudo. As ondas de calor e frio, poluição exacerbada, eventos meteorológicos extremos e a expansão de doenças infecciosas decorrentes da alteração do clima afetam especialmente os grupos mais vulneráveis, como os mais jovens e os mais velhos. Embora existam diferenças regionais, a crise climática “sempre afeta os componentes mais frágeis do nosso planeta e da sociedade”, destaca o microbiólogo Jaime Martínez-Urtaza, que participou do estudo.
“Uma criança nascida hoje viverá em um mundo que será 4 graus mais quente que a média da era pré-industrial”, explicam pesquisadores de 35 centros científicos que colaboraram no relatório. O aumento da frequência, intensidade e duração dos picos de calor é o impacto mais imediato na saúde das pessoas.
Essa análise global explica como, em grandes áreas como a Europa e o Japão, cada vez mais e mais pessoas precisam enfrentar as ondas de calor. Na Espanha, os picos duram agora o triplo em relação ao final do século XX. A média de dias com calor especialmente alto passou de 5 para 15 dias. Também chegam cada vez mais cedo. Sete das nove ondas registradas antes do dia primeiro de julho se deram a partir de 2001, como constatou a Agência Estatal de Meteorologia.
O relatório internacional indica que, além dos pequenos, esse fenômeno ataca fortemente a população acima de 65 anos e os trabalhadores ao ar livre. A Europa em geral e a região do Mediterrâneo em particular se destacam pela mescla de elevação de temperaturas com o envelhecimento acelerado da população.
Nesse sentido, a pesquisadora do Instituto de Saúde Carlos III, Cristina Linares, explica que, na Espanha, a mortalidade por ondas de calor conseguiu ser freada graças a planos específicos contra picos quentes que “demonstraram ser eficazes”, mas alerta: o impacto do frio extremo aumentou.
As crianças são as principais vítimas de dois impactos climáticos cada vez mais rápidos: doenças infecciosas e desnutrição. “Seus corpos e sistemas imunológicos ainda estão em processo de desenvolvimento, por isso são mais suscetíveis a doenças e poluentes ambientais”, explica Nick Watts, diretor executivo do anuário.
A mudança climática influencia a aptidão do ambiente para a propagação de doenças infecciosas e está reduzindo as colheitas. Recém-nascidos e crianças de pouca idade sofrem com mais virulência a desnutrição que, além disso, hipoteca sua saúde ao deteriorar seu desenvolvimento. “Existe um risco real de ameaça na produção de alimentos e as crianças na primeira infância costumam ser mais propensas a sofrer sequelas permanentes”, insiste o pesquisador Martínez-Urtaza.
Cada vez mais partes do mundo têm condições favoráveis para que surjam várias infecções. Uma tendência “preocupante em alta”. Nove dos dez anos mais propícios para a transmissão da dengue foram registrados a partir de 2001, certifica o documento.
A dengue – assim como a malária - é uma das doenças tropicais com maior prevalência no mundo. As crianças sofrem mais infecções por esses vírus e patógenos relacionados com a diarreia, também exacerbados pelas novas condições climáticas.
Apesar de ser classificado como tropical, o vírus da dengue se espalha por toda a Europa. Muitos países do continente estão se tornando habitats perfeitos para os mosquitos da família Aedes que transmitem o vírus.
A variedade tigres (Aedes albopictus) se estabeleceu na Espanha, ao longo de toda a costa do Mediterrâneo, de maneira que, em 2018, foram registrados os primeiros casos de contágio interno da doença. As novas condições climáticas (temperaturas mais suaves durante mais tempo em zonas úmidas) favorecem a capacidade do mosquito-tigre transportar e inocular o vírus em Malta, Grécia, Itália, Croácia e Espanha. Esse mesmo inseto é capaz de transmitir chikungunya e zika.
A poluição atmosférica e a mudança climática possuem um nexo fortíssimo: ambas provêm da queima de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás. A poluição do ar, exacerbada pelo aquecimento global, prejudica os organismos em crescimento. “Na adolescência, a poluição prejudica o coração, os pulmões e todos os demais órgãos vitais”. E, além disso, os efeitos vão se acumulando com o tempo.
Como consequência, o relatório calcula que, anualmente, cerca de 2,9 milhões de mortes são atribuíveis às micropartículas PM 2,5 presentes no ar. Um de seus principais emissores são os motores a diesel. A Agência Europeia de Meio Ambiente calcula que na Espanha cerca de 38.000 pessoas morrem prematuramente devido à poluição. No entanto, há nove meses, uma pesquisa baseada em um novo modelo de cálculo dobrou essas estimativas. Apesar disso, só em 2015, os subsídios para manter o consumo de combustíveis fósseis passaram de 318 para 428 bilhões de dólares, ressalta Lancet Countdown.
Do modo como está a situação, a mudança climática “determinará a saúde das gerações presentes e futuras”, preveem os pesquisadores. Martínez-Urtaza conclui: “Os danos são persistentes e as consequências para a saúde podem durar sua vida toda”.
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A crise climática deteriora a saúde das crianças nascidas hoje - Instituto Humanitas Unisinos - IHU