"Em vez de ir às compras na “Black Friday”, para incentivar o consumismo, o melhor é ir para as ruas no dia 29/11 para protestar contra o agravamento da crise ambiental e do caos climático. A sociedade humana já ultrapassou a capacidade de carga do Planeta e precisa reduzir o padrão de produção e consumo insustentáveis, especialmente reduzir a queima de combustíveis fósseis", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 27-11-2019.
Eis o artigo.
“Vocês não estão fazendo o suficiente” Greta Thunberg.
“Não precisamos de oração, precisamos de ação” Paloma Costa.
A Cúpula da Ação Climática da ONU, ocorrida em Nova York, entre os dias 21 e 23 de setembro de 2019, foi precedida pelas maiores manifestações populares contra a crise ambiental. Mais de 4 milhões de jovens (com participação de adultos e idosos) chamaram a atenção para a Emergência Climática e ocuparam as ruas e praças de milhares de cidades em todo o mundo, na sexta-feira, 20 de setembro. Somando as manifestações da sexta-feira seguinte, dia 27/09, foram mais de 7 milhões de pessoas nas ruas, na maior revolta planetária da história.
Diante dos protestos pelo clima que se espalham pelos quatro cantos do mundo, o dicionário Collins elegeu “greve do clima” como a expressão do ano em 2019, observando que o uso do termo aumentou mais de 100 vezes em relação a anos anteriores. Outro dicionário, um dos principais de língua inglesa no mundo, o Oxford, elegeu o termo “emergência climática” como a sua palavra do ano de 2019. A publicação britânica define a expressão como “uma situação em que é necessária ação urgente para reduzir ou interromper a mudança climática e evitar danos ambientais potencialmente irreversíveis”. Portanto, os jovens estão influindo até nos dicionários.
As novas gerações buscam, com urgência, um compromisso das autoridades internacionais para evitar um colapso ecológico provocado pelo crescimento exponencial das atividades antrópicas. Uma Terra quente, inóspita e inabitável tornará a vida inviável num futuro não muito distante. Na trajetória atual, os sistemas planetário e civilizacional podem atingir um ponto de não retorno até meados do século.
Uma questão chave é manter a temperatura abaixo de 1,5º C, ou no máximo dos 2º C, de acordo com o que foi consensuado no Acordo de Paris, de 2015. Estes limites já são arriscados, mas ultrapassar estes números pode ter consequências imprevisíveis e irremediáveis. Para tanto é preciso não só reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE), mas diminuir em um ritmo consistente, pois a mudança climática é o principal desafio de nosso tempo.
A ONU – juntamente com o Grupo Consultivo de Ciência da Cúpula de Ação Climática – preparou um relatório síntese (“United in Science”) com os mais recentes dados críticos e descobertas científicas sobre a crise climática, divulgado durante a Cúpula de Nova York. Caso as tendências atuais de CO2 e outras emissões de gases de efeito estufa continuarem na próxima década (ver figura acima), a temperatura global média da Terra pode aquecer até 5º C acima daquela do período pré-industrial, o que provocaria um apocalipse ecológico.
Mesmo no caso do cumprimento das metas (NDCs) do Acordo de Paris, a temperatura poderá chegar a 2,9º a 3,4º C até 2100, o que teria um impacto de provocar grandes danos. Para manter a temperatura média abaixo do limite preferencial de 1,5º C seria necessário ações rápidas e globais, sem precedentes na história da humanidade. As emissões deveriam cair rapidamente na próxima década e chegar a emissões líquidas zero em 2050.
Mas apesar das palavras inflamadas do secretário-geral da ONU, António Guterres, e da ativista climática Greta Thunberg, as promessas feitas na Cúpula de Nova York não representaram nenhum tipo de revolução climática. Mais de 70 países se comprometeram com o objetivo de se tornar neutro em termos de clima até 2050 – uma das metas estabelecidas para a Cúpula do Clima, porém, os maiores poluidores nada apresentaram de novo.
A União Europeia, que se considera uma líder climática global e tem conseguido reduzir as emissões de CO2, apresenta dificuldade para fazer a promessa de neutralidade climática até meados do século, pois quatro de seus 28 países membros bloquearam a iniciativa, com medo do custo econômico de um corte rápido nas emissões.
A China, o maior emissor de dióxido de carbono do mundo, mesmo investindo muito em energias renováveis, não fez novas promessas em Nova York. Narendra Modi dobrou os planos da Índia de expandir a energia renovável, mas não prometeu reduzir o consumo de carvão e se tornar neutro nas emissões de carbono. Os Estados Unidos nem participaram da Cúpula e o presidente Trump já disse que deseja sair do Acordo de Paris. A Rússia disse que ratificaria o Acordo de Paris, mas não determinou nenhum corte de emissões. O Brasil também não participou da Cúpula e nem deve cumprir as metas voluntárias que apresentou, em 2015, em Paris (enquanto o desmatamento e as queimadas da Amazônia batem recordes da década).
Mas a própria ONU Meio Ambiente mostra que o mundo está fazendo exatamente o oposto do que deveria. Apesar dos avisos nos relatórios anuais da UNEP, as emissões de gases de efeito estufa cresceram a uma média de 1,6% ao ano entre 2008 e 2017. As emissões globais são agora quase exatamente o que os primeiros relatórios projetavam para 2020 se o mundo não alterasse seus modelos de crescimento insustentáveis e poluentes. Com as políticas atuais em vigor, o mundo caminha para um aumento de temperatura de 3,5°C neste século, em comparação com os níveis pré-industriais. Se as temperaturas mais quentes se concretizarem, todas as previsões de impactos climáticos catastróficos se tornarão realidade, tornando mais prováveis o colapso ambiental e civilizacional.
O gráfico abaixo, da ONU Meio Ambiente (UNEP, 2019), mostra o hiato (gap) existente para reduzir as emissões e se atingir as metas do Acordo de Paris. O hiato é estimado como a diferença entre o nível global projetado em 2030, com a plena implementação das Contribuições Nacionalmente Determinada (NDCs). Ou seja, as projeções científicas indicam que o ritmo atual não é consistente com a limitando do aumento da temperatura global em 2100 para abaixo de 2º C e 1,5º C, respectivamente.
Os líderes mundiais continuam apresentando palavras bonitas, mas pouco ação para evitar o
aquecimento global catastrófico. Desta forma, as jovens gerações da contemporalidade estão se sentindo traídas pela falta de ação para evitar o
colapso ambiental, como reflete as palavras indignadas da adolescente
Greta Thunberg durante a
Cúpula da Ação Climática: “Está tudo errado (…) Pessoas estão morrendo. Ecossistemas inteiros estão entrando em colapso. Estamos no início de uma extinção em massa. E tudo o que vocês podem falar é sobre dinheiro e sobre o conto de fadas do eterno crescimento econômico. Como vocês se atrevem!”
Portanto, a maioria das promessas de
redução de emissão de carbono para 2030, que os 184 países fizeram no
Acordo de Paris, não são suficientes para manter o
aquecimento global bem abaixo dos 2 graus Celsius. Alguns países não cumprem nem as suas promessas feitas de forma voluntária, sendo que alguns dos maiores emissores de
carbono do mundo continuarão aumentando suas emissões.
O relatório “
The truth behind the climate pledges” (2019), mostra que a maioria dos países do mundo não estão no caminho de cumprir as metas de redução das emissões necessárias para não estourar o “Orçamento de Carbono”. O relatório alerta que não reduzir as emissões de
CO2 custará ao mundo um mínimo de US$ 2 bilhões por dia em perdas econômicas devido a eventos climáticos agravados pelas
mudanças climáticas antropogênicas. Além disso, eventos e padrões climáticos afetarão a saúde humana, meios de subsistência, comida e água, além da
biodiversidade.Robert Watson, ex-presidente do
Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas e coautor do relatório que examinou de perto as 184 promessas voluntárias sob a
Acordo de Paris disse: “Os países precisam dobrar e triplicar seus compromissos de redução de 2030 para se alinhar à meta de
Paris. Mas na direção contrária, no dia 05 de novembro, o governo
Trump enviou um pedido formal para
retirar oficialmente os Estados Unidos do Acordo de Paris.
A análise feita no relatório das 184 promessas para 2030 revelou que quase 75% são insuficientes, conforme mostra a figura abaixo.
De fato, os primeiro e quarto maiores emissores do mundo,
China e
Índia, terão maiores emissões em 2030. Os
EUA são o segundo maior e seu compromisso é muito baixo. Também está em dúvida, dada a retirada do governo
Trump do acordo.
As emissões dos 4 maiores poluidores do mundo respondem por 56% das emissões globais:
China (26,8%),
EUA (13,1%),
União Europeia – 28 países (9%) e
Índia (7%). A análise da
NDCs mostra que:
A
China – disparado o maior emissor de
CO2 – prometeu reduzir a intensidade de carbono em 60-65% de 2005 a 2030 – mas como o
PIB vai mais do que triplicar no período, o resultado vai ser o
aumento das emissões absolutas de CO2 (as emissões já aumentaram em 80% entre 2005 e 2018 e vão continuar aumentando).
Os
EUA – o segundo maior poluidor – se comprometeu a reduzir as emissões em 26-28% de 2005 a 2025. Mas estas metas estão em risco com as medidas adotadas pelo governo
Trump. A
União Europeia prometeu reduzir as emissões em 40% até 2030, em relação a 1990 e estão no caminho de conseguir e efetivar a meta.
Entre os maiores poluidores, a
Índia possui as menores emissões per capita, mas também é aquele que apresenta a maior velocidade do crescimento das emissões. A promessas da
Índia são reduzir a intensidade das emissões em relação ao
PIB em 30-35% de 2005 a 2030. Mas isto significa, assim como a
China, a continuidade do
aumento das emissões absolutas.
A
Rússia, o quinto maior emissor, sequer apresentou metas para reduzir as emissões. Das promessas dos 152 países restantes, 126 estão parcialmente ou totalmente dependentes da ajuda internacional, em termos financeiros, tecnológicos e de implementação. Em síntese, pelo menos 130 nações, incluindo os 4 ou 5 maiores poluidores, não estão no caminho de reduzir as emissões em 50% até 2030, conforme acordado em
Paris, para manter a temperatura abaixo de 1,5º C acima dos níveis pré-industriais.
Estimativas do
Observatório do Clima (OC), com base nos dados do
SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), mostram que o
Brasil não deverá cumprir nem mesmo a generosa meta que se impôs para 2020 na
Política Nacional sobre Mudança do Clima. E não tem nem mesmo os instrumentos de governança para cumprir com o que se comprometeu para 2025 no
Acordo de Paris. Dados do
SEEG 7, lançados dia 06/11/2019, em
Recife, mostram que moradores de oito Estados brasileiros emitem mais
gases de efeito estufa do que um cidadão americano médio. São os habitantes dos
Estados amazônicos (exceto
Maranhão e
Amapá), cujas emissões per capita ultrapassam as 18 toneladas por ano emitidas nos
EUA por causa do desmatamento, e de
Mato Grosso do Sul, que tem emissões altas devido à agricultura e ao rebanho bovino. No
Brasil, o recordista em emissões per capita é
Mato Grosso, com 85 toneladas/habitante/ano em 2018. Ou seja, o
Brasil é um grande poluidor e não está fazendo o dever de casa.
Estes são assuntos que deveriam ser discutidos na
25ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP25), aquela que deveria ter sido realizada no
Brasil, mas não teve apoio governamental, foi transferida para o
Chile, mas foi cancelada na última hora devido às manifestações populares e foi confirmada, nas pressas, para a
Espanha, no início de dezembro de 2019. O mundo está na
emergência climática e nem consegue bem organizar uma
COP. Mas a
emergência climática não espera, continua e se
agrava.Relatório da
Organização Meteorológica Mundial (OMM), divulgado dia 25/11/2019, mostra que a concentração na atmosfera de gases que provocam o
efeito estufa e causam o
aquecimento global bateu recorde em 2018, aumentando mais rápido do que a média registrada na última década. Segundo
Petteri Taalas, secretário-geral da
OMM: “Não há sinais de uma desaceleração, muito menos de uma diminuição, na concentração de gases do efeito estufa na atmosfera, apesar de todos os compromissos assumidos no âmbito do
Acordo de Paris sobre as
mudanças climáticas. Essa tendência contínua de longo prazo significa que as gerações futuras terão que enfrentar impactos cada vez mais graves das
mudanças climáticas, incluindo aumento de temperatura, clima mais extremo, estresse hídrico, aumento do nível do mar e perturbação de ecossistemas marítimos e terrestres”.
Exatamente por tudo isto é que mais de 11 mil cientistas de todo o mundo alertaram, de maneira reiterada, que estamos enfrentando uma
emergência climática. O manifesto diz que os cientistas têm a obrigação moral de alertar claramente a humanidade sobre uma possível catástrofe que pode provocar “sofrimento humano incalculável”.
São as crianças e as futuras gerações que vão mais sofrer com a
crise climática. Por isto mesmo, a grande novidade da contemporalidade é o
movimento global da juventude que exige ações imediatas e não mais procrastinações e discursos demagógicos.
Depois das grandes mobilizações de setembro de 2019 (com mais de 7,5 milhões de jovens e outras pessoas nas demonstrações públicas) a juventude está voltando às ruas no dia 29 de novembro de 2019 e no dia 06 de dezembro, paralelamente à realização da
COP25.
Em vez de ir às compras na “Black Friday”, para incentivar o consumismo, o melhor é ir para as ruas no dia 29/11 para protestar contra o agravamento da
crise ambiental e do
caos climático. A sociedade humana já ultrapassou a capacidade de carga do Planeta e precisa reduzir o padrão de produção e consumo insustentáveis, especialmente reduzir a queima de combustíveis fósseis.
Como disse
Jem Bendell: “
A mudança climática é agora uma emergência planetária que representa uma ameaça existencial para a humanidade”. Somente um grande movimento popular pode pressionar as autoridades nacionais e internacionais para redirecionar os rumos da economia internacional e o estilo de produção e consumo, reduzindo a pegada ecológica da humanidade.
Referências:
Robert Watson et. al. The truth behind the climate pledges, Universal Ecological Fund (FEU-US), 2019. Leia
aqui.
WILLIAM J RIPPLE, et. al. World Scientists’ Warning of a Climate Emergency, BioScience, 05/11/2019. Leia
aqui.
UNEP. Lessons from a decade of emissions gap assessments, UNEP, 2019. Leia
aqui.
OC. Brasil não deve cumprir nem meta menos ambiciosa no clima, OC, 01/10/2019. Leia
aqui.
Leia mais
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Desafios da COP25 e a Greve do Clima 29 de novembro de 2019 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU