28 Fevereiro 2012
O Manifesto de Paris e o desafio dos progressistas. Um dos seus autores, o professor Daniel Cohen (foto), presidente do Conselho Científico da Fundação Jean-Jaurès e conselheiro econômico de François Hollande, defende que é preciso buscar soluções para evitar que a zona do euro se torne uma zona onde as políticas de austeridade implementadas simultaneamente pelos Estados membros da União Europeia façam a Europa afundar ainda mais na recessão.
A reportagem é de Umberto De Giovannangeli e Paolo Martini, publicada no jornal L'Unità, 27-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Professor Cohen, que é o principal significado político do "Manifesto de Paris", que será assinado em março pelo candidato à presidência da França pelo Partido Socialista, François Hollande, pelo secretário do Partido Democrata, Pier Luigi Bersani, e pelo líder da SPD [Partido Social-Democrata da Alemanha], Sigmar Gabriel?
A Europa está em um dilema. A crise da zona do euro, sob a forma de crises da dívida soberana, crises da balança dos pagamentos e da queda do crescimento já anunciada, exige uma redefinição das condições do funcionamento da zona. O Manifesto de Paris quer traçar o quadro para se buscar soluções para evitar que a zona do euro se torne uma zona onde as políticas de austeridade implementadas simultaneamente pelos Estados membros da União Europeia façam a Europa afundar ainda mais na recessão.
No passado, as forças progressistas europeias ganharam as eleições e guiaram os executivos. Porém, isso ficou circunscrito aos governos nacionais. Com o Manifesto de Paris, elas parecem ter adquirido uma nova abordagem europeia. Essa impressão lhe parece correta?
Hoje, a abordagem europeia se afirma com mais força do que no passado. A crise da dívida soberana que atingiu a Itália e a Espanha, depois de ter atingido a Grécia, a Irlanda e Portugal, e que ameaça até mesmo a França, é o resultado de uma evidente incapacidade das instituições europeias de enfrentar uma crise sistêmica como a que está em curso. Sem uma abordagem comum aos problemas, todo Estado seria deixado entregue a si mesmo, sem outro ponto de apoio do que o rigor e sem nenhuma perspectiva de crescimento. Claramente, todo Estado deve criar um quadro que garanta a sustentabilidade da sua dívida.
Mas, ao mesmo tempo, a União Europeia deve tomar iniciativas que estimulem um crescimento sustentado e sustentável. O Banco Europeu de Investimentos deve reforçar as suas intervenções nesse sentido. O orçamento que será alocado pela União para o período de 2013-2020 deve contribuir para a realização dessas intervenções de modo mais eficaz e com transparência, através de uma gestão econômica dinâmica e coerente dos fundos estruturais centrados no crescimento, no emprego, na competitividade e na justiça social.
A emissão de project bonds poderia contribuir para o financiamento de novos projetos em apoio a um crescimento mais respeitoso ao ambiente. A política industrial também espera por uma profunda reestruturação. Os seus lucros deverão ser reorientados para ir ao encontro das novas capacidades e expectativas dos povos e postos ao serviço do desenvolvimento de grandes projetos industriais, tecnológicos, infraestruturais e a favor da conversão ecológica europeia.
O principal compromisso das forças progressistas europeus é o de "dar peso às cifras" (no sentido financeiro) e ao desenvolvimento social. Isto não é simples, mas seria um verdadeiro desafio ao neoliberalismo. Quais poderiam ser os eixos dessa estratégia?
As socialdemocracias encontram hoje diversa dificuldades. Herdeiras da ideologia marxista, se propõem a expressar as reivindicações políticas e sociais da classe operário. Dito isso, dada a tendência do capital a se desmaterializar e a se desterritorializar, essa função se torna cada vez mais difícil. Herdeiras do pensamento de Keynes, as socialdemocracias também estão em crise por que a mundialização e a financeirização do capitalismo esvaziam os instrumentos tradicionais da política econômica. A crise financeira demonstrou a urgência de regulamentar o capitalismo financeiro, provando, ao mesmo tempo, a maior vulnerabilidade dos Estados aos mercados. Por isso, é a sua tarefa reencontrar as alavancas do crescimento e os instrumentos de estabilização macroeconômica. A nossa iniciativa quer demonstrar que, apesar dos diversos pontos de vista, existe um caminho comum.
Nos últimos anos, os partidos de direita se apropriaram da palavra "liberdade". Como os partidos europeus progressistas podem recuperar esse conceito?
Ninguém deveria cair na armadilha de se perguntar se é necessário escolher entre liberdade, igualdade ou fraternidade... O neoliberalismo corroeu sistematicamente o valor do trabalho, enfraquecendo o poder sindical, terceirizando o trabalho e privando-o de representação. O novo capitalismo anulou as formas tradicionais de produção, gerando concorrência entre os assalariados e individualização as remunerações dentro das empresas.
Na sua contribuição com a coleção Faire société publicada pela République des idées, Robert Castel fala de uma bifurcação da trajetória. O novo espírito do capitalismo define novas regras de jogo, determinando uma ruptura entre vencedores e vencidos que restitui a imagem do individualismo contemporâneo. Fazendo do protagonismo do indivíduo um imperativo categórico, o capitalismo exalta, sem dúvida, a dignidade de alguns perfis individuais contemporâneos, mas estigmatiza outros, deixando-os no abandono. Se diálogo social e democracia social não forem relançados, a Europa irá se expor ao risco de cair no redemoinho da deflação salarial.
Fugindo da luta contra as desigualdades e dos novos riscos sociais ligados à economia "desregulamentada", reduzindo a Europa a um puro espaço de vigilância e de punição, negligenciando diálogo social e democracia, viraremos as costas à necessidade de lutar contra a crise, aos desafios ambientais e à refundação de um projeto europeu. Em uma sociedade que, às vezes, definimos como pós-industrial, é preciso restituir ao termo "operário" uma força tal a ponto de ter um peso na negociação salarial, na definição das condições de trabalho e um lugar no horizonte de tomada de decisões das empresas.
A Taxa Tobin e os Eurobonds poderiam servir como exemplos para explicar concretamente essa nova estratégia para um cidadão eleitor?
Cada um dos dois exemplos mostram uma direção possível. Com relação às transações financeiras, deve ser imediatamente introduzida uma taxa de 0,05% que torne mais onerosas as operações especulativas, que combata a injustiça social e que reequilibre a taxação do capital e do trabalho. Além disso, essa taxa permitira que se financiasse tanto investimentos e projetos europeus em apoio ao emprego e ao crescimento sustentável, quanto a ajuda aos países em desenvolvimento e a sua adesão às políticas ambientais.
Os Eurobonds mostram à Europa o caminho a seguir. A União Europeia hoje está sozinha diante da necessidade de dar respostas apropriadas aos desafios postos pela crise da dívida soberana e das necessidades de investimentos produtivos de longo prazo. A solidariedade deve voltar a ocupar um papel de primeiro plano nas políticas europeias, como por exemplo mediante a emissão de Eurobonds que permitam mutualizar uma parte das dívidas soberanas. Além disso, a zona do euro se beneficiaria com a instituição de um mecanismo, por exemplo de uma agência de estabilidade, que emita eurobonds para a gestão comum de uma determinada parte da dívida pública e dos investimentos transfronteiriços.
Tem outros exemplos?
Queremos um aumento do controle democrático sobre as políticas europeias por parte tanto do Parlamento europeu, quanto dos parlamentos nacionais. Desse modo, se porá fim ao mito de que, nos últimos anos, prejudicou a Europa, isto é, de que ela tem as melhores soluções para todas as questões. Deve ficar claro que o conflito que, em nível nacional, opõe aqueles que pensam que a desregulamentação vai levar ao melhor dos mundos possíveis, e aqueles que, ao contrário, pensam que só a lei pode pôr as finanças e a economia a serviço de todos e de cada um, também se encontra em nível europeu. E nesse nível também cabe aos cidadãos resolvê-lo através do voto.
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Mais solidariedade e mais Europa: o desafio dos progressistas. Entrevista com Daniel Cohen - Instituto Humanitas Unisinos - IHU