06 Junho 2024
A polêmica suscitada nos últimos dias pela recusa do nosso país (Itália) em assinar a declaração do Conselho da União Europeia para a promoção de políticas a favor das comunidades LGBTQ+ constitui um ótimo exemplo de como as legítimas divergências de opinião podem degenerar em disputas ideológicas que obscurecem o sentido das questões, ao invés de ajudar a opinião pública a entender sua complexidade e formar um julgamento crítico.
O artigo é de Giuseppe Savagnone, diretor do Escritório para a Pastoral da Cultura da Arquidiocese de Palermo, na Itália, publicado por Settimana News, 29-05-2024.
"Que raiva e que vergonha deste governo que decide não assinar uma declaração para as políticas europeias a favor das pessoas LGBTQ+. Isso é inaceitável", comentou a secretária do Partido Democrático, Elly Schlein. "Escolha insensata", definiu Ivan Scalfarotto, do grupo Italia Viva. A decisão do nosso governo também foi "inaceitável", segundo a entidade. E pela parte da Azione, a deputada Daniela Ruffino falou de uma "página triste".
O líder dos 5Stelle, Giuseppe Conte, também foi contundente, sublinhando que, além da Itália, os únicos países da União Europeia que não assinaram o documento foram a Hungria e outros países do Leste Europeu, contrapondo essa "posição reacionária" ao projeto de seu partido de criar uma sociedade "em que todos sejam realmente livres para viver suas vidas sem precisar prestar contas a ninguém sobre suas escolhas".
A este coro de críticas, a ministra da Família, Natalidade e Igualdade de Oportunidades, Eugenia Roccella, respondeu com igual agressividade: "A esquerda usa a sagrada luta contra as discriminações ligadas à orientação sexual como uma folha de figueira para esconder seu verdadeiro objetivo, que é o gênero".
E acusou os críticos de quererem, essencialmente, relançar o projeto de lei Zan, bloqueado no Senado em outubro de 2021, após intermináveis polêmicas: "Somos contra as discriminações. Mas se a esquerda e Elly Schlein querem repropor a lei Zan, o gênero e a possibilidade de se declarar homem ou mulher, independentemente da realidade biológica, que tenham a coragem de dizê-lo claramente".
De fato, pouco antes da recusa em assinar o documento de 17 de maio, o governo italiano havia assinado um texto – também proposto em nível europeu – contra a homofobia, bifobia e transfobia, datado de 7 de maio. Então, por que, apenas dez dias depois, essa oposição à declaração do Conselho da UE?
A resposta está em um trecho que diz que "os Estados devem reafirmar seu compromisso de promover a igualdade e prevenir e combater a discriminação" com base não apenas "nas características sexuais, na orientação sexual", mas também "na identidade de gênero e na expressão de gênero".
Pode ser útil, para quem não estiver familiarizado com esses conceitos, o pequeno dicionário de termos que estava no início do projeto de lei Zan:
"Por orientação sexual entende-se a atração sexual ou afetiva por pessoas de sexo oposto, do mesmo sexo ou de ambos os sexos; por identidade de gênero entende-se a identificação percebida e manifestada de si em relação ao gênero, mesmo que não corresponda ao sexo, independentemente de ter concluído um percurso de transição" (art. 1).
Em outras palavras, nosso governo está disposto a combater as discriminações que envolvem a orientação sexual – e, portanto, aquelas que afetam gays, lésbicas, bissexuais –, mas não pretende de modo algum endossar o conceito de "identidade de gênero", e, portanto, a figura do transgênero, "independentemente de ter concluído um percurso de transição", ou seja, quando seu corpo ainda permanece o do sexo anterior.
As implicações práticas da questão que não se trata de uma posição avaliável de forma simplista com base na retórica "reacionários versus progressistas" fica evidente pelo fato – estranhamente nunca mencionado no debate atual – de que, na época do projeto de lei Zan, nada menos que 17 associações feministas, incluindo a Arcilesbica, protestaram publicamente, em um documento, contra o conceito de "identidade de gênero" presente naquele texto.
Em particular, elas denunciavam nessa expressão uma dissociação entre a identidade sexual percebida subjetivamente e a biológica do sexo, na qual, segundo elas, poderia se prever um desrespeito à identidade feminina:
"Em todo o mundo, a 'identidade de gênero' é hoje brandida como uma arma contra as mulheres. Não é mais o lugar onde o sexo se combina com todas as determinações sociais e históricas, é hoje o lugar onde se quer que a realidade dos corpos – em particular a dos corpos femininos – desapareça. É a premissa para a autodeterminação sem restrições na escolha do gênero ao qual se pretende pertencer".
A este ponto, continuavam as feministas, "o 'gênero' em substituição ao 'sexo' torna-se o lugar onde tudo o que é destinado às mulheres pode ser ocupado por homens que se identificam como 'mulheres' ou que dizem perceber-se como 'mulheres': desde os espaços físicos às cotas políticas destinadas às mulheres; dos fundos destinados à proteção das mulheres contra a violência masculina às ações positivas, às leis, ao bem-estar para as mulheres".
E citavam, por exemplo, um caso concreto: "Na Califórnia, 261 presos que se 'identificam' como mulheres pedem transferência para prisões femininas".
Não se trata de medos vagos. Na Europa – e não só – está em curso uma tendência política a endossar essa maneira de entender a identidade de gênero, que prescinde do corpo e de qualquer outra verificação, baseando-se apenas na autodeclaração.
Como na Espanha, onde, em fevereiro de 2023, foi definitivamente aprovada uma lei – solicitada insistentemente pelas associações LGBTQIA+ e contestada pelo Movimento Feminista – que permite mudar a identidade de gênero mediante a simples expressão de vontade de modificar o próprio estado civil, com uma dupla declaração a cada três meses, sem autorizações judiciais ou médicas.
Entende-se porque em Kansas, em 27 de abril de 2023, foi aprovada, sob pressão das feministas, uma "Carta dos Direitos das Mulheres", que as define com base na sua estrutura biológica e exclui os homens – independentemente do gênero em que se identificam – dos banheiros, vestiários e outros espaços íntimos femininos, além de separar os presos e limitar a participação nos esportes com base no sexo de nascimento.
Na Itália, em 21 de julho de 2015, a Corte Suprema de Cassação estabeleceu que a esterilização e a cirurgia de redesignação não são necessárias para mudar legalmente de sexo. Mas a Corte Constitucional, com a sentença 180 de 2017, estabeleceu um claro limite à autodeterminação individual, especificando que "o único elemento volitivo" não pode ter "relevância prioritária ou exclusiva para a verificação da transição".
Na sentença, menciona-se a "necessidade de uma verificação rigorosa não só da seriedade e unicidade da intenção, mas também da efetiva transição da identidade de gênero", confiando ao juiz a tarefa de verificar a natureza e a extensão das modificações dos caracteres sexuais. Em outras palavras, embora não seja indispensável uma cirurgia que modifique o corpo, pretende-se evitar que a autodeterminação do indivíduo se torne o único critério válido para a comunidade.
Uma filosofia mascarada Compreende-se, então, que invocar a identidade de gênero desvinculada desses limites não é apenas uma forma de afirmar direitos individuais, mas implica uma desvinculação do indivíduo do controle social, segundo o modelo, evocado por Conte, de uma liberdade "de viver a própria vida sem precisar prestar contas a ninguém sobre suas escolhas".
Uma concepção filosófica bem precisa, liberal e individualista, tradicionalmente própria da direita liberal e que, por isso, é muito surpreendente encontrar defendida não apenas pelos 5Stelle, mas por partidos que se declaram "de esquerda". Tanto mais que essa visão está longe de ser revolucionária, sendo, na verdade, a raiz do estilo de vida individual e social das sociedades neocapitalistas.
Mas há também um segundo aspecto a ser considerado, mencionado pelas associações feministas em seu documento, e que diz respeito à "realidade dos corpos – em particular os corpos femininos", que em uma absolutização da identidade de gênero perdem sua importância, substituídos pela percepção subjetiva da própria identidade sexual.
Aqui também está em jogo uma filosofia. Apesar das recorrentes declarações que negam a existência de "teorias de gênero" e atribuem sua invenção aos reacionários (recentemente, no Manifesto, falava-se, precisamente em referência à polêmica atual, de uma "fantasmagórica 'cultura de gênero'"), basta ler seus livros para aprender que os mais significativos estudiosos do gênero não se limitaram aos dados científicos, mas, a partir deles, construíram uma verdadeira e própria "teoria".
É certamente uma descoberta pela qual devemos ser gratos a autoras como Judith Butler a diferença entre o "sexo" biológico, pelo qual se é fêmea ou macho, e o "gênero", pelo qual se é mulher ou homem. A ela também se deve a superação de discriminações seculares pelas quais devemos todos nos envergonhar.
Mas, quando dessa descoberta se passa a sustentar, como faz Butler em seu livro mais famoso, que "o 'corpo' é por si só uma construção", em si inexistente, fica claro que não estamos diante de um dado cientificamente observável, mas sim de uma interpretação filosófica, correta ou errada que seja.
A "cultura de gênero" existe A "fantasmagórica 'cultura de gênero'" existe! E é inquietante que se negue com tanta segurança a sua existência. Porque uma filosofia se torna realmente perigosa justamente quando consegue convencer de que não é tal e expressa apenas a pura e simples realidade. O fantasma, mascarado de puro e simples dado de fato, torna-se indiscutível (sobre toda a questão remetemos a G. Savagnone, La sfida del gender tra opportunità e rischi, Cittadella, 2024).
De tudo isso, ninguém da "esquerda" considerou fazer menção. Preferiu-se acusar o governo de uma genérica discriminação das pessoas LGBTQ+, obscurecendo aos olhos do público o verdadeiro sentido da questão.
Mas o governo também revelou todos os seus limites culturais, insistindo em uma condenação igualmente genérica do gênero e dando assim a impressão de rejeitar em bloco a teoria – cientificamente indiscutível – da diferença entre sexo e gênero, sem nem mesmo mencionar o problema, real e muito sério, da disforia de gênero.
Assim, em vez de desenvolver um confronto mais aprofundado, que destacasse as condições e os limites dentro dos quais a sociedade pode e deve aceitar a escolha do transgênero, as partes se entrincheiraram em slogans.
Dessa forma, é impossível um verdadeiro debate público, que permita às pessoas entender e decidir, como seria adequado a uma democracia. Mas isso hoje não parece interessar a ninguém.
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O gênero, entre direitos e filosofia fantasma. Artigo de Giuseppe Savagnone - Instituto Humanitas Unisinos - IHU