21 Dezembro 2023
O Presidente anunciou um Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) que flexibiliza o regime de trabalho, desregula a economia interna e externa, afeta a indústria nacional e abre caminho para a privatização de empresas públicas.
A reportagem é de Sebastián Cazón, publicada por Página 12, 21-12-2023.
Com a eliminação e modificação de mais de 300 leis, Javier Milei anunciou, por cadeia nacional, um conjunto de reformas que restringem as funções do Estado e fortalecem as forças de mercado. De costas para o Congresso, assim como na cerimônia de posse, o Presidente apresentou um megadecreto de necessidade e urgência (DNU) que desregula o comércio interno e externo, revoga a lei de aluguéis, reduz os direitos trabalhistas e dá o pontapé inicial para a privatização de empresas públicas e clubes de futebol. "Começamos a desbloquear essa estrutura jurídica institucional opressora que destruiu nosso país", afirmou Milei no Salão Branco da Casa Rosada. Longe do entusiasmo presidencial, as ruas de Buenos Aires receberam as medidas com buzinas e panelaços, e uma multidão se aproximou da Plaza Congreso para repudiar o ajuste.
O discurso durou apenas 15 minutos, foi lido e não aprofundou nos detalhes do DNU que declara "a emergência pública em matéria econômica, financeira, fiscal, administrativa, previdenciária, tarifária, sanitária e social". Em sua exposição, o presidente mais uma vez culpou a herança recebida e justificou o programa feroz de ajuste fiscal, afirmando que busca "evitar a pior crise da história" argentina. "Hoje é um dia histórico, depois de décadas de fracassos, empobrecimento e anomias, começamos o caminho da reconstrução", lançou.
Sem mencionar datas exatas, Milei afirmou que nas últimas décadas foram aplicadas "receitas fracassadas", que "alguns chamam de esquerda, socialistas, fascistas, comunistas". "É uma doutrina de pensamento que parte da premissa de que a razão do Estado é mais importante do que os indivíduos que compõem a nação", sintetizou o Presidente, acompanhado por Federico Sturzenegger, que foi o autor intelectual do decreto, apesar de não ter cargo no governo.
Sob esse preceito, o chefe de Estado enumerou 30 pontos que considera a "base da reconstrução econômica argentina" e inclui uma série de revogações: a Lei de Aluguel, a Lei de Abastecimento, a Lei das Gôndolas, a Lei de Compra Nacional, a Lei de Terras, o Observatório de Preços do Ministério da Economia, a Lei de Promoção Industrial, o sistema nacional de comércio minerador, a Lei de Promoção Comercial, a regulamentação que impede a privatização das empresas e o regime de sociedades do Estado. Sobre esses dois últimos pontos, também destacou que todas as empresas estatais serão "transformadas em sociedades anônimas para sua posterior privatização" e autorizou a "transferência do pacote acionário total ou parcial da Aerolíneas Argentinas". Além disso, foi permitido que os clubes de futebol deixem de ser organizações sem fins lucrativos, um antigo desejo do ex-presidente Mauricio Macri.
Para se referir ao regime de trabalho, Milei usou o eufemismo clássico da "modernização" e antecipou uma reforma que, entre outras coisas, estabelece mudanças no sistema de indenizações, amplia o período de teste para 8 meses e incorpora bloqueios ou ocupações de estabelecimentos como motivo de demissão. O argumento que o presidente apresentou para avançar na flexibilização é que "o emprego privado está estagnado em 6 milhões de postos de trabalho há mais de uma década" e que "um terço dos trabalhadores formais são pobres". Assim, cortando direitos trabalhistas, prometeu combater "o emprego precário" e os "salários miseráveis".
Na mesma linha, o DNU estabeleceu pisos de cobertura mínima para atividades consideradas como serviços essenciais. Assim, os sindicatos "não poderão impor às partes uma cobertura inferior a 50 por cento". Por serem "trascendentales", o artigo define as atividades de "produção de medicamentos e/ou insumos hospitalares; transporte marítimo, fluvial, terrestre e subterrâneo de pessoas e/ou mercadorias através dos diferentes meios utilizados para tal fim; serviços de rádio e televisão; atividades industriais contínuas, incluindo siderurgia e produção de alumínio, atividade química e atividade cimenteira; indústria alimentícia em toda a sua cadeia de valor".
Ao mesmo tempo, o Presidente informou que está reformando o Código Aduaneiro para "facilitar o comércio internacional" e está modificando o Código Civil e Comercial para "reforçar o princípio de liberdade contratual entre as partes" e "garantir que as obrigações contraídas em moeda estrangeira devem ser pagas na moeda acordada".
Em relação às obras sociais e planos de saúde, ele alertou que está transformando seu quadro regulatório e eliminando as restrições de preços. Em termos concretos, os artigos que permitem "revisar os valores das mensalidades" e a obrigatoriedade de "transferir em caso de falência, fechamento ou cessação de atividades" para outros provedores foram eliminados. Por fim, o Presidente indicou que os serviços de internet via satélite estão sendo desregulamentados.
Empilhadas uma sobre a outra, as mais de 300 reformas incorporadas ao decreto recapitulam em grande parte o plano econômico de Carlos Menem, "o melhor presidente da história", segundo Milei. O objetivo, explica o presidente, é "devolver a liberdade e a autonomia aos indivíduos, tirando o Estado de cima deles". Para justificar as medidas, o libertário mais uma vez recorreu à herança deixada por Alberto Fernández: afirmou que a Argentina tem um "déficit consolidado de 15 por cento do PIB" e que o Banco Central está "sem reservas". "É um país que estava a caminho de se chocar com uma inflação anual de 15 mil por cento", garantiu, concluindo: "A crise exige ação imediata".
"É uma descontaminação legislativa", afirmou Sturzenegger há algumas semanas sobre este projeto que ele havia apresentado a Carlos Melconian para aplicar em uma eventual presidência de Patricia Bullrich. A presença de Sturzenegger na cadeia nacional foi surpreendente porque, além da consultoria, ele não foi designado para nenhum cargo no governo.
No Salão Branco da Balcarce 50, além do ex-funcionário da Aliança, estavam atrás de Milei, o chefe de gabinete, Nicolás Posse; o secretário de Energia, Eduardo Chirillo; e o secretário Legal e Técnico, Javier Herrera Bravo. Sentados estavam os ministros da Economia, Luis Caputo; Defesa, Luis Petri; Capital Humano, Sandra Pettovello; Infraestrutura, Guillermo Ferraro; Justiça, Mariano Cúneo Libarona; Segurança, Patricia Bullrich; e Saúde, Mario Russo. Não participou da sessão a Secretária Geral da Presidência, Karina Milei, que supervisionou a gravação da mensagem.
Para os primeiros meses de gestão, Milei tem elaborado um esquema de três passos: o "plano de estabilização" do ministro da Economia, Luis Caputo, que incluiu uma brutal desvalorização e um choque fiscal e monetário; o DNU de Sturzenegger que "desregula a economia" e o tratamento no Congresso de um conjunto de leis que incluem reformas tributárias (reversão de Ganancias e redução de Bienes Personales), a suspensão da lei de mobilidade jubilatória e uma reforma política (revogação das PASO). Para cumprir o terceiro ponto, a Casa Rosada confirmou que Milei convocará nos próximos dias sessões extraordinárias.
O trâmite legislativo dos projetos será tão espinhoso quanto a aceitação política e social do DNU. Em princípio, o Partido Justicialista já expressou que é "nulo e inconstitucional", a Coalición Cívica antecipou que estudará se "viola direitos constitucionais" e sindicatos anunciaram protestos para rejeitá-lo.
Enquanto isso, ontem à noite nas ruas da cidade de Buenos Aires e da região metropolitana, justo em 20 de dezembro, começaram a soar buzinas e panelas em repúdio ao discurso presidencial. "Unidade dos trabalhadores...", cantava a multidão que se aproximou do Congresso Nacional. No final do dia, tudo parecia um déjà vu de duas décadas atrás.
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Argentina. Milei assinou um decreto para eliminar milhares de direitos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU