27 Outubro 2023
"Hoje a sociedade israelense está angustiada pela sensação que o mundo não entende o trauma vivido a partir de 7 de outubro. E essa incompreensão corre o risco de produzir consequências catastróficas", escreve Gad Lerner, jornalista, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 26-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Israel pode ser ajudado a escapar do beco sem saída em que está se enfiando, na ilusão de que poderá sobreviver apenas graças à sua força militar? Hoje a sociedade israelense está angustiada pela sensação que o mundo não entende o trauma vivido a partir de 7 de outubro. E essa incompreensão corre o risco de produzir consequências catastróficas.
Alastra-se uma dúvida, de que Israel seja agora considerado um estorvo, uma anomalia difícil de suportar, mesmo pelas nações que até agora defenderam o seu direito de existência. O confirma como caiu no vazio o inaceitável pedido de demissão do secretário-geral da ONU. Seguido pela escolha de lado da Turquia, um país da OTAN, cujo presidente chama “libertadores, não terroristas”, os fanáticos milicianos do Hamas. Ao mesmo tempo em que assume cada vez mais um papel fundamental o Catar, protetor do Hamas, monarquia wahabita da qual, aliás, também somos fornecedores de armas.
Leio o “apelo contra a indiferença moral” assinado por dezenas de intelectuais pacifistas israelenses, primeiros signatários David Grossman, Eva Illouz e Aviad Kleinberg: “Para nossa consternação, alguns membros da esquerda global, indivíduos que até agora eram nossos parceiros políticos, reagiram com indiferença a estes acontecimentos horríveis e por vezes até justificaram as ações do Hamas”. E isso justamente quando “precisamos do apoio e da solidariedade da esquerda global, na forma de um apelo inequívoco contra a violência indiscriminada contra os civis de ambos os lados". Com isso são acusados de traição em sua pátria e, ao mesmo tempo, de apoiar Netanyahu no exterior. Contudo, estão apenas tentando fazer com que nós compreendamos que o massacre de inocentes perpetrado pelo Hamas em território israelense não pode ser banalizado como um episódio entre muitos de um século de guerras. Diga-se claramente, se realmente se quiser insistir em fazer valer a contabilidade de mortes: em cem anos de guerras árabe-israelenses, perderam a vida nem um décimo dos judeus que os nazistas exterminaram em apenas dois meses de 1941, quando invadiram a União Soviética. Os mortos são sempre demais, é claro, mas essa desproporção ainda pesa enormemente na psicologia do israelense médio.
O alerta chega até nós de homens e mulheres que sempre buscaram o diálogo e a convivência com os palestinos. E por essa razão estão angustiados com o estado de espírito enraizado nos seus concidadãos levados a dizer uns aos outros: “Não devemos mais confiar em ninguém. Contamos apenas com a nossa própria força. Venderemos caro as nossas vidas. Até à arma proibida, se necessário.”
Hoje parece impossível desativar essa ira funesta. À qual parece somar-se o desespero, o senso de impotência das minorias clarividentes de ambos os lados. Gostaria que todos apreciassem o esforço que vibra no dramático, belíssimo “Diário de Tel Aviv” que diariamente nos envia Manuela Dviri: uma mulher que perdeu o filho Yoni na guerra, colocou-se à frente do movimento pacifista e organizou o cuidado das crianças palestinas que sofrem de patologias graves nos hospitais israelenses. Justamente como fez Yocheved Lifshitz, a mulher feita refém pelo Hamas, que saudou seus carcereiros invocando a “paz” em árabe e em hebraico. Por trás da síndrome de abandono que gera a pulsão para o desafio mortal, esconde-se a visão errônea, mas difundida, de Israel como “estado colonial”. Apoiada, mas não por isso justificada, pela ocupação dos Territórios palestinos, que continua há mais de meio século. Essa visão de Israel como um corpo estranho, uma entidade provisória a ser extirpada nas terras do Islã, tem origens distantes. Ela parte de uma interpretação da história das Cruzadas em que se assinala que o Reino Latino de Jerusalém durou apenas 88 anos antes ser derrubado; um destino ao qual, dando tempo ao tempo, Israel também estaria predestinado.
Mas é insustentável a comparação entre as pequenas legiões de cavaleiros e os milhões de judeus que ali emigraram e criaram raízes durante décadas. Também não se pode esquecer que eles vinham em grande maioria da Europa Oriental e dos países árabes. Não podem ser liquidados como posto avançado do Ocidente.
O destino de Israel também dependerá da nossa compreensão das vicissitudes que o levaram a dar respostas erradas à sensação de cerco vivida. O que não implica adesão acrítica, no mínimo o contrário. Ajuda Israel quem evita a lógica da retaliação e o empurra a reconhecer a necessidade improrrogável de o povo palestino alcançar a autodeterminação.
Mas abandonar Israel à sua sorte seria irresponsável, além de imoral.
P.s. Numa semana, a nossa subscrição para a sede do MSF em Gaza alcançou 150 mil euros. Aqui está uma maneira correta de fazer ouvir a nossa voz.
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Vamos ajudar Israel a sair deste feio beco sem saída. Artigo de Gad Lerner - Instituto Humanitas Unisinos - IHU