"A guerra na Ucrânia está se tornando insuportável para o resto do mundo. Na África, Ásia e América Latina amadurece uma posição equidistante que - com ou sem razão - está se tornando majoritária", escreve o cientista político italiano Mario Giro, professor de Relações Internacionais na Universidade para Estrangeiros de Perúgia, na Itália, em artigo publicado por Domani, 01-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
O Ocidente não deve ser vítima de sua própria autorreferencialidade: mesmo que vencer a guerra, pode perder a paz. Na missão que o cardeal Matteo Zuppi, presidente da CEI, está realizando em Kiev e Moscou, há uma novidade inconformista: ir contracorrente, isto é, contra os costumeiros discursos belicistas como se não houvesse alternativa e aos quais até mesmo o Ocidente parece ter se acostumado.
Independentemente de como se possa pensar, existe um perigo: acreditar que todos pensem como nós. Não é assim: a guerra na Ucrânia está se tornando insuportável para o resto do mundo. Na África, Ásia e América Latina amadurece uma posição equidistante que - com ou sem razão - está se tornando majoritária.
O Ocidente corre o risco de pagar um preço muito alto por tal "solidão esplêndida". Sabemos muito bem que considerar-se sozinhos no mundo e os melhores entre todos é uma doença típica de nós, ocidentais.
Há muito ótimas razões para apoiar essa posição: a maturidade das nossas democracias, o respeito pelos direitos, a liberdade e assim por diante. Mas isso não é suficiente para "estar no mundo", mesmo quando se está entre os mais ricos e mais armados: o Sul Global tem seu próprio orgulho e identidade. Acima de tudo, não aceita mais lições. O Ocidente deve ter cuidado para não se isolar.
A próxima cúpula do BRICS representa um sinal de alarme, bem como o debate (do qual não se fala) dentro das Nações Unidas. Cresce silenciosamente uma oposição às decisões ocidentais: não se compreende a obstinação sobre a guerra e a razão da ausência de esforços diplomáticos. Não agrada que a ONU seja posta de lado (e com ela o multilateralismo). Acima de tudo, irrita o duplo padrão ocidental que contradiz o que criou ou sustentou por décadas. A ideia de que as regras sirvam apenas para os "outros" incomoda o resto do mundo.
Moscou se aproveita desse fluxo de antipatia antiocidental para encobrir sua própria política imperialista, ainda que esteja claro para todos a que visa. O Sul Global não escolhe a Rússia, mas nem mesmo o Ocidente. É sobretudo Pequim que tira partido desse clima: o discurso multilateralista e antiunipolar dos chineses agrada cada vez mais porque parece respeitoso com as identidades de cada um. Com a globalização o mundo cresceu e agora muitos estados estão se sentindo "adultos", isto é, capazes de fazer valer a sua individualidade na prossecução do interesse nacional. Os melhores exemplos são Turquia, Arábia Saudita e Israel: potências médias que não escutam mais o Ocidente, com o qual foram aliadas por décadas. Os interesses não coincidem mais.
Isso também acontece na África, mas sobretudo na América Latina e na Ásia. No mês passado, a Indonésia até conseguiu fazer realizar manobras navais conjuntas a EUA, Rússia e China, às quais as três grandes potências não puderam escapar. O mundo mudou: o Ocidente não pode ficar confinado apenas às suas próprias razões, mesmo que sejam justas. Não é mais suficiente.
Leia mais
- O imperialismo criminoso de Putin e a invasão da Ucrânia. Os povos nunca devem ser identificados com o regime
- Estamos em guerra: nacionalismo, imperialismo, cosmopolítica. Artigo de Étienne Balibar
- A lógica política do imperialismo russo
- O enviado chinês à Ucrânia: “Queremos chegar a uma trégua e restaurar a paz o mais rápido possível”
- Não vamos parar de buscar a paz ou será a “Terceira Guerra Mundial”
- Próximo encontro entre Kirill e Francisco? Zuppi investiga o patriarca russo em Moscou
- Ria Novosti: Kirill e Zuppi concordam em dizer que as Igrejas devem servir a paz
- Uma cúpula entre as Igrejas em conflito: a proposta do Conselho Mundial de Igrejas. Entrevista com Heinrich Bedford-Strohm
- Como a paz foi impedida na Ucrânia e na Europa. Artigo de Domenico Gallo
- Dias após tentativa de golpe de Estado, Papa Francisco envia cardeal para negociações de paz
- O cardeal Zuppi encontra apenas um funcionário de nível médio no Kremlin e trabalha para repatriar 20.000 crianças ucranianas
- Zuppi em Moscou: D. Pezzi (bispo russo), “ótimas notícias. Após os últimos acontecimentos, a urgência e a disponibilidade para a paz parecem ter aumentado”
- Yermak sobre a missão do cardeal Zuppi: “Útil se ajudar na troca de prisioneiros, mas não precisamos de mediação”
- Comunicado de imprensa da Santa Sé sobre a visita de Cardeal Zuppi a Moscou
- Zuppi: “A segunda parada está prevista em Moscou, verei o Papa antes da missão”
- Zuppi em Kiev na hora mais difícil "A paz não deve permanecer apenas um sonho"
- Zelensky reitera: Não precisamos de iniciativas do Vaticano para um acordo de paz
- Ucrânia: religiosos em tempos de guerra
- Nem mesmo a ameaça atômica consegue parar a guerra. Artigo de Domenico Quirico
- O mundo pede a paz. Como acabar com a guerra na Ucrânia
- Poderá o Papa Francisco promover a paz na Ucrânia? Artigo de Thomas Reese
- Zelensky esfria as expectativas de paz do Vaticano: "A Rússia deve retirar todas as suas tropas do território da Ucrânia"
- Papa Francisco convida o Minuto pela Paz que unirá fiéis de diferentes religiões na quinta-feira, 8 de junho
- “Zuppi é a manobra certa para a paz. Eu estou recomeçando, mas não será outra Bose”. Entrevista com Enzo Bianchi
- Vaticano: enviado do Papa a Kiev reuniu-se com Volodymyr Zelensky
- O Kremlin nega que Putin planeje se encontrar com Zuppi em Moscou
- Dois dias intensos para o cardeal Zuppi em Kiev. Possíveis reuniões para traçar o “mapa do Vaticano” da Ucrânia após a agressão
- Paz na Ucrânia: Zuppi enviado do Papa a Kyiv em 5 e 6 de junho
- A rede do Vaticano para ajudar Zuppi na Ucrânia fica mais fraca, o Papa pede ajuda ao presidente Lula
- Francisco e Lula, telefonema sobre as questões da paz na Ucrânia e a luta contra a pobreza
- A guerra comprada. Artigo de Raniero La Valle
- A guerra da Ucrânia: a expansão da OTAN comprada por 94 milhões de dólares
- O horror próximo vindouro. Artigo de Angelo Panebianco
- Enviado de paz do papa à Ucrânia diz que guerra é uma “pandemia” que afeta a todos
- A difícil “missão” na Ucrânia. Artigo de Luigi Sandri
- O Papa e o difícil caminho para a paz. Artigo de Lucetta Scaraffia
- O enviado chinês à Ucrânia: “Queremos chegar a uma trégua e restaurar a paz o mais rápido possível”
- Para Mons. Gugerotti “nada consta do que foi afirmado a seu respeito”
- Cardeal Matteo Zuppi e arcebispo Claudio Gugerotti: eis a “missão” de paz do Papa para encontrar um acordo que permita a assinatura de uma trégua e o início de um diálogo entre a Ucrânia e a Rússia
- Diplomacia: concluída a missão do CMI na Ucrânia e em Moscou, "chamados a ser pacificadores e instrumento de diálogo"
- O enviado chinês à Ucrânia: “Queremos chegar a uma trégua e restaurar a paz o mais rápido possível”
- O Papa Francisco atende o telefone durante a audiência, começa entre os fiéis a pergunta: “Com quem ele estava falando?” Hipótese: comunicações sobre a guerra
- “As impronunciáveis palavras paz e mediação”. Mas o Vaticano irá em frente
- Zelensky errou também com os presentes para o Papa
- Zelensky queria encurralar o Papa, mas a Santa Sé não é boba. Artigo de Marco Politi
- O ‘não’ de Kiev não para o Vaticano: “Agora um grande projeto humanitário”
- Zelensky diz não à mediação do Papa Francisco: o impasse nas palavras do presidente ucraniano e nas frias linhas do Vaticano
- Papa Francisco, Zelensky e o comunicado de poucas linhas que atesta o impasse: entendimento apenas sobre os esforços humanitários
- Sobre a paz, posições distantes. “O plano do Papa não serve”
- O plano de 10 pontos de Zelensky para a paz na Ucrânia
- Ucrânia. “Não é uma guerra nem uma operação militar, mas um verdadeiro genocídio”, afirma arcebispo S.B. Shevchuk
- Zelensky provavelmente em Roma no domingo
- Papa Francisco encontrará Vladimir Putin depois de Zelensky?
- Missão de paz secreta do Vaticano para as relações entre Ucrânia e Rússia: novos desdobramentos
- O que poderia ser a “missão” de paz que o Papa Francisco mencionou ao retornar da Hungria?
- Zelensky assina decreto: não há negociações com Putin
- Parolin: sobre a missão de paz da Santa Sé novidades confidenciais
- Ucrânia: Parolin sobre a missão de paz: “Acho que vai prosseguir”
- Sim, a missão de paz do Vaticano existe e pode dar frutos em três meses
- Confirmação de Parolin: “Haverá a missão de paz”
- Ucrânia, as armas sem fio da diplomacia do Vaticano
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O Ocidente e aquele hábito de se sentir melhor que todo mundo. Artigo de Mario Giro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU