06 Janeiro 2023
"Mas deveria ser lembrado [Bento XVI] como um dos melhores teólogos do século passado. Acredito que ele seja o melhor teólogo entre todos os Papas em dois mil anos. Leão Magno, Gregório Magno, João Paulo II, Leão XIII escreveram muito, mas me parece que ninguém deu uma contribuição teológica igual à de Joseph Ratzinger".
A entrevista com George Pell é editada por Domenico Agasso, publicada por La Stampa, 05-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Cardeal George Pell, prefeito emérito da Secretaria de Economia, quem foi Joseph Ratzinger para o senhor?
Antes de tudo, um cristão, um discípulo de Jesus. Isso explica tudo. Um homem que orava. Um santo. Um intelectual absolutamente formidável. Um dos maiores teólogos do século passado. Um homem interessante e educado, reservado. Com um sutil senso de humor.
Representaram-no como muito distante das pessoas, hermeticamente fechado contra a homossexualidade e o casamento dos padres, defensor da doutrina e ponto. Está certo?
Não. O papel primário e essencial do Papa – e do prefeito da Doutrina da Fé, como ele o foi – é conservar o ensinamento de Jesus. É importante que as pessoas de hoje o recebam de forma idêntica àquela transmitida pelos apóstolos. Ele pensava que preservar e proteger a tradição apostólica fosse a função número um do Papa. Ele entendia bem que há um desenvolvimento da doutrina. Mas não é uma ruptura, não se pode sair da trilha radicalmente.
Esses elementos essenciais também tocam a moralidade. Para os cristãos, a regra clara é essencial: a atividade sexual é reservada ao casal de um homem e uma mulher no sacramento do matrimônio. Embora haja simpatia por quem pensa diferente. Ele acolheu muitos padres casados da Igreja Anglicana que hoje atuam na Igreja Católica. Parece-me que na Inglaterra existam trezentos. Ele não era um homem de mentalidade fechada. Ele conhecia muitas coisas sobre o mundo de hoje. Estou pensando no seu livro com o presidente do Senado Marcello Pera. Ele era muito informado.
No Conclave, o que o senhor pensou quando viu Ratzinger tornar-se Papa?
Fiquei muito feliz e cheio de esperança. Compreendi que ele estava alinhado com João Paulo II, com sua capacidade espiritual e intelectual. Recordo o entusiasmo pela eleição de muitos jovens seminaristas, padres, religiosas, religiosas.
Qual foi o papel de Bento XVI na luta contra os abusos sexuais?
Ele entendeu que era um problema grave e não apenas propaganda inimiga, um grande desafio com muitas vítimas. Condenou e expulsou Maciel, fundador dos Legionários de Cristo, um dos casos mais feios de toda a história da Igreja. Proibiu o cardeal McCarrick de participar da vida da Igreja. Puniu quatrocentos padres acusados de pedofilia. Agiu com seriedade, mudando a linha do Vaticano. De alguma forma, o Papa João Paulo II havia sido mal aconselhado por seus especialistas, especialmente dentro da Congregação para o Clero. O Papa Bento XVI transferiu a responsabilidade por esses crimes para a Congregação para a Doutrina da Fé. Propiciando uma contribuição substancial.
Como soube da renúncia ao pontificado e o que pensou?
Eu estava em Sydney, jantando com dois amigos párocos e meu futuro sucessor. Uma grande surpresa para todos nós. Nunca falei sobre isso, mas nunca fui um entusiasta dessa decisão. Acho que o Santo Padre deveria ficar até o fim. Obviamente, não se tiver problemas cognitivos ou estiver muito doente. Fiquei e continuo triste por essa solução.
O Papa Francisco disse recentemente que o senhor trabalhou muito e bem pela transparência econômica do Vaticano. Que papel desempenhou Bento XVI nessa área?
É importante lembrar que ele criou uma comissão de três cardeais para investigar a corrupção. Eles escreveram um relatório, que permanece secreto. É um pouco estranho. Em seguida, entregou-o ao Papa Francisco. Ele entendia que a reforma financeira era necessária, mas admitia que não estava apto para lidar com isso. Acredito que ele tenha entendido o quanto fosse necessária uma reforma radical, mas que, com 85 anos e não sendo um homem de governo, lhe faltava a capacidade para limpar a casa. Talvez esse tenha sido o principal motivo de sua renúncia. Parece-me que tenha decidido deixar a reforma necessária para o próximo Papa.
Que lembranças pessoais tem de Ratzinger?
A Jornada Mundial dos jovens (JMJ) de Sydney, em 2008, quando ficou conosco por dez dias. Podíamos discutir sobre tudo. Ele era muito simpático. Outra lembrança é quando eu era membro da Congregação para a Doutrina da Fé, entre 1990 e 2000. O prefeito Ratzinger ouvia a todos, depois fazia uma síntese. Nunca vi outro homem igualmente capaz de fazer isso. Uma lembrança inédita: na JMJ de Sydney, certa manhã, celebramos missa em minha capela particular com cerca de dez vítimas de abusos sexuais, mulheres e homens. O Santo Padre celebrou e eu concelebrei. Finalmente, ele falou com cada uma das vítimas. Isso não se tornou público. Mas foi um momento muito bonito.
Pelo que a história lembrará de Bento XVI?
Infelizmente sobretudo pela sua renúncia, a primeira depois de Celestino V. Mas deveria ser lembrado como um dos melhores teólogos do século passado. Acredito que ele seja o melhor teólogo entre todos os Papas em dois mil anos. Leão Magno, Gregório Magno, João Paulo II, Leão XIII escreveram muito, mas me parece que ninguém deu uma contribuição teológica igual à de Joseph Ratzinger.
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“Foi o melhor teólogo entre os Papas, mas sua renúncia foi um erro”. Entrevista com George Pell - Instituto Humanitas Unisinos - IHU