01 Junho 2022
O neurobiólogo: "Os animais são 0,3% dos seres vivos do planeta, é possível que o mundo das plantas, ou seja, 99,7% seja estúpido?".
A reportagem é de Cristina Nadotti, publicada por La Repubblica, 31-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Qualquer fruta cítrica, e um gingko "porque é um fóssil vivo, que já correu o risco de extinção várias vezes", e muitas, plantas, onde quer que trabalhe e viva. Stefano Mancuso, o neurobiólogo que mudou a forma como olhamos até mesmo para uma folha de grama, diz que vive "em pequenas selvas. Não consigo abri mão delas para pensar e trabalhar".
"De fato - explica - o amor pelas plantas passa pela lógica: é um amor adulto. É difícil encontrar crianças interessadas no mundo vegetal, elas amam os animais, que reconhecem tão próximos. Mas para amar as plantas precisamos entender como elas são semelhantes a nós na capacidade de resolver problemas e se comunicar. Minha paixão nasceu em um momento preciso, quando na universidade eu estudava como as raízes superam obstáculos para se expandir. Foi vendo como elas conseguem perceber um obstáculo antes de chegar e como elaboram o melhor percurso que tive o clássico momento "eureka!" de Arquimedes. Compreendi que são organismos inteligentes, com capacidades diferentes das nossas, mas não inferiores".
A paixão é agora uma razão de vida. "Para mim é primordial chamar a atenção para um fato: olhamos para a vida referindo-nos aos animais, mas se considerarmos os números estes representam apenas 0,3% dos seres vivos do planeta. É possível que o mundo vegetal, ou seja, 99,7% da vida, possa ser estúpido? Nas minhas aulas na universidade eu sempre começo daqui, da tomada de consciência de como superestimamos os animais. Depois muitas vezes mostro num vídeo de um minuto o que uma planta pode fazer em dez dias, como as suas raízes encontram o caminho num labirinto e sempre consigo espanto e curiosidade. A mobilidade das plantas sempre impressiona, é correto dizer que não se deslocam, mas se movem muito”.
A crise climática também contribuiu nos últimos anos para ajudar Mancuso neste empenho de reconhecer às plantas um papel muito mais importante do que o de alimento ou elemento decorativo. "Está claro que as plantas são a solução concreta para o problema do aquecimento global por sua capacidade de absorver dióxido de carbono; isso significa que temos uma solução extraordinária nas mãos, só precisamos fazer as pessoas entenderem o quanto é. Somos obcecados pela tecnologia mas, ao contrário, o futuro será feito de tecnologias baseadas na vida, porque hoje um euro investido em árvores é mil vezes mais lucrativo do que qualquer outra despesa. Às vezes penso que se chamássemos as árvores de ‘colunas de alta eficiência para a absorção de dióxido de carbono’ teríamos logo muito mais dinheiro para usar no reflorestamento".
Mancuso é um dos defensores mais convictos da necessidade de plantar um trilhão de árvores até 2030. “É óbvio que esta é uma afirmação geral, devem ser plantadas de maneira correta. Vou citar novamente os números: nos últimos dois séculos o homem cortou 2 trilhões de árvores, replantar um bilhão não deveria ser tão complicado. Espanta-me que as críticas a essa ideia sejam mais duras do que aquelas dirigidas a quem desmata. Essas coisas devem conviver, mas parece-me realmente que se procura pelo no ovo: comecemos a não cortar mais e, portanto, a preservar as florestas, depois vamos plantar tanto quanto possível, há espaço. Usamos uma superfície do planeta que é quatro vezes maior que os Estados Unidos para criar animais e alimentá-los, mas dessa enorme quantidade de terra produzimos 20% das calorias que usamos. Não quero uma cruzada vegetariana, mas bastaria reduzir em um quarto nosso consumo de carne".
Nada de fundamentalismos, repete Mancuso: "Sou cripto-vegetariano, eventualmente como carne, mas isso acontece muito raramente". E não te incomoda estar diante de um prato de salada? "Gostaria de ser definido como uma pessoa que ajudou a ver as plantas de um ponto de vista diferente, alguém que está do lado delas porque as conhece. As plantas evoluíram para serem comidas pelos animais, porque é uma maneira para elas para se espalharem. Portanto, comê-las também faz parte do nosso amor adulto por elas".
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“As plantas nos salvarão do aquecimento global”, afirma Stefano Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU