30 Junho 2020
Seu campo de estudo é a neurobiologia vegetal e seus escritos sobre o comportamento e a inteligência das plantas influenciaram muitos pensadores e artistas, com alguns dos quais colabora em exposições e espetáculos. É Stefano Mancuso (Catanzaro, Itália, 1965), autor de livros como Sensibilidad e inteligencia en el mundo vegetal, El increíble viaje de las plantas e El futuro es vegetal, e agora La nación de las plantas (Galaxia Gutenberg), título da exposição que no ano passado surgiu na Trienal de Milão e que propõe uma imaginária declaração dos direitos das plantas, a nação mais importante, difundida e poderosa, mas também silenciosa, da Terra. Oito artigos para que todos possamos sobreviver no planeta.
A entrevista é de Justo Barranco, publicada por La Vanguardia, 29-06-2020. A tradução é do Cepat.
Como tem vivido a pandemia?
A primeira coisa que veio à mente nesses meses de confinamento em casa, parados, é que havíamos nos transformado em plantas. Porque a principal característica das plantas é que não podem se mover do local onde nascem, onde crescem. E pudemos experimentar o que significa ser uma planta. E, nesse sentido, existem muitas soluções importantes que acredito que podemos ter aprendido.
Quais?
Estando em casa como uma planta, entendemos que nosso ambiente, onde vivemos, é fundamental. Começamos a ver como é a nossa casa, quais são seus problemas, suas vantagens, como foi feita. Embora habitássemos nela há tantos anos, nestes meses, aprendemos que estando presos cultivamos uma maior atenção ao ambiente que nos cerca. É uma coisa que as plantas fazem. Possuem uma extrema atenção ao ambiente em que vivem e isso depende de sua incapacidade de andar, de se mover. Se você não pode se mover, é obrigado a ter o ambiente em que vive nas melhores condições possíveis.
A segunda coisa é a atenção aos recursos, ao que temos. Trancados em casa e não podendo sair muito facilmente, estávamos muito atentos ao que tínhamos em casa, ao que consumíamos, à quantidade de pão, macarrão e frutas que tínhamos. Ficamos muito mais atentos aos recursos presentes em casa. E inclusive o desperdício de alimentos, tenho certeza, diminuiu muito nos últimos meses. Não ter a possibilidade de nos mover, ligou-nos mais à presença de recursos em casa e tivemos que aprender, como as plantas, que os recursos são fundamentais. É uma ótima indicação para o nosso futuro.
Conseguimos aprender algo mais?
Uma terceira coisa que é um pouco paradoxal. Por estar fechados, começamos a nos comunicar muito mais. É algo que havia estudado por muitos anos nas plantas, mas não havia entendido bem. As plantas se comunicam muitíssimo, trocam muitíssimas mensagens e é a consequência de não poder se mover. Conosco, sem nos movermos, começamos a usar a internet, o streaming, o skype para suprir, compensar a falta de movimento com a comunicação. São questões que vinculam nossa imobilidade à das plantas.
Como as plantas se comunicam?
Funciona em uma floresta através das raízes. Todas estão conectadas, como a internet. Todas as árvores estão conectadas por raízes. E há outra forma através das moléculas voláteis que as plantas emitem para o ar e que se espalham. Cada uma tem um significado preciso.
Nesses dias, em Barcelona, houve um concerto para plantas. É a última de muitas manifestações em que a arte que sempre empreendia naturezas mortas, agora, apresenta a natureza viva. Por que considera que em muitas obras as plantas estão se tornando centrais?
Hoje, muitos artistas utilizam as plantas ou trabalham com elas. Eu mesmo, nos últimos anos, tenho trabalhado com muitos artistas contemporâneos sobre as plantas. Acredito que é uma questão de centralidade. Os artistas compreenderam antes, inclusive, como costuma fazer a arte, que usualmente percebe as mudanças das ideias e da consciência coletiva, antes de se tornarem aparentes para todos. E a arte compreendeu antes que os cientistas que as plantas são o nosso futuro.
Uma das poucas possibilidades que temos como espécie humana de ter um futuro é, em parte, imitar as plantas, entender como se relacionam com o nosso planeta e, em parte, utilizar as plantas. Podem ser a solução para o nosso futuro, não apenas nos ajudando a diminuir o aquecimento global, mas também melhorando nossas condições de vida nas cidades e, ao mesmo tempo, acho que toda essa atenção que a arte tem hoje pelas plantas se deve também às pesquisas dos últimos 20 anos, que cotidianamente demonstram como as plantas são seres não inferiores aos animais, mas diferentes, capazes de fazer coisas extraordinárias.
A música do concerto do Liceu pôde ajudar as plantas?
Não, as plantas não estão preparadas para apreciar a música. Sim, percebem muitos sons, especialmente algumas frequências, cerca de 200 hertz, baixas, são recebidas pelas raízes das plantas. Mas não a música, funciona apenas para o homem. Quando ouvimos dizer que as plantas preferem Mozart ou Iron Maiden, isso não é verdade.
Colocar as plantas no centro é uma questão de mudar a visão, retirar o homem do centro do universo?
Exato, sim, estou muito convencido de que o principal problema para o nosso futuro é compreender que o homem não é o centro da vida. É fundamental. Estamos em uma época como o século XV, quando se pensava que a Terra era o centro do universo, que tudo girava em torno da Terra. Então, Copérnico nos explicou que não, era um pequeno planeta que girava em torno de um sol. E o mesmo deve acontecer hoje com o homem. Não é o centro da vida do planeta, é uma das centenas de milhares de espécies que povoam o planeta e tem a mesma importância, não é uma espécie viva mais importante que as outras.
Precisamos compreender que a vida é uma rede e devemos manter toda a rede intacta para que nossa espécie possa pensar em sobreviver. E, ao mesmo tempo, toda essa atenção para as plantas desses anos é uma consequência dessa necessidade. As plantas representam quase toda a vida. Todos os animais juntos, incluindo o homem, representam apenas 0,3% da vida, em peso. Todos juntos. As plantas são 85%. É necessária uma concepção nova e diferente, um pós-humanismo que veja a posição do homem não no centro, mas como parte de uma rede.
Foi por isso que você escreveu ‘La nación de las plantas’, para mostrar esta imensa nação que não valorizamos?
Eu imaginei que as plantas escrevem sua declaração de direitos, do seu ponto de vista. E o que acontece quando se olha para o mundo, não a partir da centralidade humana, mas da centralidade da vida, muda tudo. Também as soluções para a nossa prosperidade e sobrevivência. Ficam muito evidentes.
Que soluções?
Em La nación de las plantas, se fala muito de organização. Todas as organizações humanas são animais, estudadas sobre o nosso corpo. Imitamos em nossas organizações a estrutura do nosso corpo, com um chefe que é a cabeça, uma estrutura piramidal na qual o chefe governa os órgãos especializados. Nosso corpo é feito dessa maneira e replicamos essa estrutura em todos os lugares, em nossos governos, empresas, universidades, jornais, bibliotecas.
Esta organização não funciona. Sua única vantagem, porque são animais, sobre corpo animal, é a velocidade. Os animais passam a vida em movimento, e a organização de seus corpos é feita para garantir a maior velocidade. Mas quando replicamos a estrutura de nosso corpo na organização de nossa sociedade, perdemos essa vantagem única, porque inevitavelmente nasce a burocracia para transportar os pedidos.
As plantas têm uma organização muito diferente: são organizações difusas, descentralizadas e muito mais robustas. Não são frágeis como as nossas. Você pode remover 80% do corpo de uma planta e segue viva. Nas organizações de animais, basta que um órgão fundamental seja danificado para que todo o organismo morra. Um dos grandes temas que deveremos imitar das plantas é a organização.
Tem mais?
Outro fundamental é o senso de comunidade. Nos animais, que são predadores e precisam comer outras coisas vivas, a competição contínua com outros indivíduos e espécies é importante. Mas isso não funciona em termos de eficiência. Por isso, as plantas são 85% e nós 0,3%. As plantas utilizam um sistema completamente diferente. Em vez de competir, cooperam. A simbiose, a comunidade, é consequência de estar paradas.
Imagine que uma planta comece a competir com as plantas com as quais passará toda a sua vida. Seria um enorme desperdício de energia. Assim, as plantas aprenderam a construir comunidades. E uma vez construída, fazem de tudo para mantê-la com vida. É uma lição extraordinária. Em uma floresta, se uma árvore, por qualquer motivo, não tem nutrição, água, é mantida viva pelas outras árvores que a cercam. Não tem nada a ver com categorias morais. Não existe na natureza. Agem assim porque é o mais eficiente possível para garantir sua vida. Temos que aprender que a cooperação funciona muito melhor que a competição.
Em seu livro, também fala sobre outra estratégia de plantas: a sedução em vez da força.
A sedução faz parte de não ser capaz de se mover. Imagine ser uma planta. Não pode se mover, dar voltar. E faz parte de uma rede de seres vivos, precisa de outras plantas ao seu redor e convencer os animais para que façam coisas por elas, mover o pólen, comer os frutos e distribuir as sementes. Como os convencem? Não pela força, como os animais, mas pela sedução. As cores, os cheiros, as formas. Em certo sentido, beleza. O modo como as plantas convencem outros seres vivos. A frase de Dostoievski, “A beleza salvará o mundo” está certa. As plantas usam a beleza para salvar seu mundo. E essa poderia ser outra grande lição para nós.
Esse deslocamento das pessoas do centro do mundo será fácil ou é algo distante e não estamos prontos?
Ainda precisamos de tempo. Será uma revolução que levará mais tempo do que o deslocamento da centralidade do nosso planeta com Copérnico. Levará mais tempo porque cada um de nós, e é um problema enorme, está convencido de ser melhor do que outros seres vivos. Não existe uma pessoa que não se considere melhor do que uma vaca, uma samambaia ou um damasco. As pessoas estão convencidas de que são melhores. E acredito que não é verdade. A ideia de que somos melhores do que outros seres vivos vêm do fato de que podemos fazer coisas que outros seres vivos não podem.
Escrevemos A Divina Comédia, Dom Quixote. Imaginamos a teoria da relatividade. E isso nos faz acreditar que somos melhores. Mas isso não significa nada. O primeiro objetivo da vida é a propagação da espécie. Se dizemos que somos melhores, se temos uma competição ou uma partida de futebol entre duas equipes, quem ganha é o melhor. Se eu correr os 100 metros em dez segundos e você em 9, você é melhor, não há dúvida. Na vida, o objetivo que pode ser medido é a propagação de uma espécie. Quanto dura uma espécie?
Quanto?
Em média, cinco milhões de anos. O homem apareceu há 300.000 anos. Para ter uma vida média como os outros seres vivos, deveríamos continuar por 4,7 milhões de anos. Acredito que ninguém acha que é possível. Se você pensa em todos os desastres que fizemos nos últimos 15.000 anos, como pensar que o homem possa sobreviver mais 4 milhões de anos? Impossível imaginar. E deveria ser possível para alcançar a média dos demais.
Olhando a vida assim, não somos melhores que as outras espécies. Não possuem essas dificuldades para sobreviver. Somos a única que destrói o meio ambiente que ajuda a sua sobrevivência. Não somos melhores, somos piores, estúpidos como espécie. Mas sou otimista. A revolução chegará.
Somos uma espécie jovem que ainda não entendeu completamente como usar nossas potencialidades, nosso cérebro. Somos como crianças que usam o maravilhoso instrumento que nos presentearam, o cérebro, da pior maneira possível. É como quando você dá um martelo a uma criança. Com ele é possível construir casas, mas as crianças costumam destruir. Sou otimista, mas precisará de tempo.
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“Um dos grandes temas que deveremos imitar das plantas é a organização”. Entrevista com Stefano Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU