04 Março 2022
Nos 15 anos em que viveu na linha de frente europeia, Romano Prodi aprendeu a conhecer, mais do que outras, as lideranças chinesas e alemãs, e é precisamente naquelas partes que o Professor vê as duas novidades que nas próximas semanas poderiam mudar o sinal da gravíssima crise aberta pela agressão russa à Ucrânia: “Esta guerra não convém para a China. O bem que os chineses, nesta fase histórica estão 'comprando', é o tempo. Os chineses crescem, fortalecem-se e nesta sua função não gostam de ser perturbados por imprevistos”.
Quanto aos alemães, Prodi não hesita em usar um adjetivo ao qual ele raramente recorre: "Uma decisão histórica aquela do social-democrata Scholz de gastar mais na defesa, e isso pode abrir um novo capítulo no caso europeu". E diante da deriva agressiva de Putin, Prodi argumenta: “Estamos diante de uma mudança de época. Lembro-me da última cúpula entre a Rússia e a União Europeia em 2004: um jornalista perguntou a Putin e a mim se a Rússia iria aderir à EU! Na época estava em andamento uma tentativa de aproximação. Depois voltou a divisão, a assertividade russa aumentou muito”.
A entrevista com Romano Prodi é de Fabio Martini, publicada por La Stampa, 03-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Você concorda com a escolha do governo italiano de se tornar um cobeligerante de fato?
Concordo com as escolhas do governo. A singularidade está nisto: os eventos foram tão imprevistos, tão violentos que não permitiram pequenas distinções. Quando a política se torna confronto, não há mais distinções. Ninguém, há dois meses, teria pensado que um acordo estava prestes a surgir entre todos os países europeus, entre todos os partidos europeus, entre todos os partidos italianos. Este foi o grande erro russo! Inconcebível. Uma falta de conhecimento das democracias. Que são fracas, têm dificuldades para decidir, mas diante de eventos dramáticos, unem-se. Putin não entendeu isso. Um erro histórico.
Na Itália, o putinismo encontra simpatia em específica opinião de direita, mas também na esquerda "nostálgica": admiração pelo homem da ordem, que simplifica, que resolve tudo pela força?
Dois sentimentos se cruzam. Para uma aliança militar como a OTAN, que acaba por não distribuir igualitariamente o dano energético entre Europa e Estados Unidos. Mas também um sentimento perigoso, o de admiração - neste caso dirigido sobretudo à China – por regimes autoritários capazes de tomar decisões rapidamente. E, portanto, a nostalgia do homem forte que já representa há um ano a minha preocupação pessoal com o futuro das democracias.
Que papel pode desempenhar a enigmática China deste momento?
Já está desempenhando um papel. A China não está feliz com esses eventos. Não deu nenhum apoio à Rússia, mas não exerceu nenhuma oposição. Claro, tem uma relação estreita com a Rússia, confirmada pelo acordo energético, e nós devemos refletir sobre as razões desta ligação, porque em parte contribuímos para criar as condições. E, no entanto, a China se abstém no Conselho de Segurança da ONU e ainda não reconheceu a Crimeia. Além disso, no curto prazo, a China pode se beneficiar do fato de que os Estados Unidos estão se distraindo de sua frente exclusiva: o Pacífico.
Você pertence à classe dirigente europeia que no pós-guerra contribuiu para trazer para a Europa o mais longo período de paz e também uma autêntica autodeterminação dos povos: diante da violação de todas as regras, que sentimento prevalece em você?
Uma enorme tristeza. Fizemos tantos passos à frente e agora esse súbito retrocesso na história. Em primeiro lugar, pesam o sofrimento, as mortes e os feridos e tudo isso chama em causa a política. Como ressaltou a página do La Stampa, estamos em um mundo sem árbitros, a partir de uma ONU inexistente, e a disputa fica à mercê dos combatentes. Veremos como se desenrolará o diálogo, mas, nestes casos, uma das partes sempre pensa que seria melhor dialogar no dia seguinte.
Sem a ampliação da União a Leste, teríamos mergulhado de volta na Guerra Fria há 10-15 anos? Ou aquele processo foi acelerado demais?
Na época foi dito que a ampliação tinha sido feita demasiado rápido. Mas se não ajeitássemos boa parte da Europa, qual seria a situação hoje? Como estaríamos se a Polônia estivesse na condição da Ucrânia? Todos os dias temos de enfrentar os problemas aborrecidos e por vezes terríveis que nos apresentam os poloneses e húngaros, novamente tentados pelo seu nacionalismo.
No entanto, a Europa ainda os mantém ligados à democracia: compreendemos ou não a grandeza da União e do seu papel? Queremos nos lembrar que uma guerra nunca estourou dentro de nossas fronteiras? Enquanto, mal ultrapassando essas fronteiras, houve a tragédia da Iugoslávia.
Poderá a decisão alemã de intensificar o seu "rearmamento" e a consequente decisão de alguns países europeus de fornecer armas, preparar aquela transformação da Europa de superpotência econômica para potência política? Ou estamos diante de gestos reversíveis?
A verdadeira decisão histórica é aquela da Alemanha. Há seu tempo eu teria preferido - este era o projeto que tinha em mente como Presidente da Comissão - que se chegasse a um exército europeu. De fato, pensei que um exército comum entre os vários países, integrando as diferentes forças militares, aumentaria a eficiência defensiva, sem ter que recorrer a grandes despesas adicionais, pelo menos nos primeiros anos. Algo que, contudo, se tornaria necessário mais tarde.
Agora estamos caminhando para um "faça você mesmo"?
Uma política feita por países individuais não ajuda por si só o nascimento de uma política externa e militar europeia. Mas agora a Alemanha começou e, no futuro, será mais fácil trabalhar em conjunto. Uma virada que permite entender mais ainda o erro russo.
O papel do chanceler social-democrata Scholz foi decisivo, em coalizão com os verdes, assim como com os liberais?
É mais fácil que, na realidade alemã e não só nela, uma escolha deste tipo seja assumida por aqueles que parecem mais distantes de uma vocação “bélica”. Provavelmente um governo de centro-direita teria tido mais dificuldade em tomar uma decisão como essa. E, por outro lado, é uma tradição antiga que também pertence à história dos Estados Unidos: quase sempre foram os democratas, e não os republicanos, que promoveram uma política externa mais musculosa.
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“Putin cometeu um erro histórico, não entende as democracias”. Entrevista com Romano Prodi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU