03 Julho 2017
O Papa Francisco poderá ter dias difíceis em janeiro próximo durante a sua visita ao Chile e ao Peru, especialmente pelas questões relativas aos casos de abusos protagonizados por Fernando Karadima e Luis Fernando Figari. Foi o que fizeram saber vítimas destes dois pederastas, que disseram que “a caridade exige um encontro” do Pontífice com pessoas como elas, “pessoas traídas pela Igreja católica”.
A reportagem é de Cameron Doody, publicada por Religión Digital, 30-06-2017. A tradução é de André Langer.
Em conversa com o jornal El Mostrador, Pedro Salinas – ex-membro do Sodalício de Vida Cristã fundado por Figari – mostrou-se sumamente pessimista em relação à possibilidade de haver um encontro do Papa com vítimas do leigo abusador.
“Presumo que assim como no México evitou aproximar-se das vítimas de (Marcial) Maciel, no Chile e no Peru irá acontecer exatamente a mesma coisa. Mesmo que a caridade exija um encontro com essas pessoas traídas pela Igreja católica”, afirmou Salinas ao jornal digital chileno.
Enquanto isso, um dos denunciantes de Karadima, Juan Carlos Cruz, denunciou que o ex-pároco de El Bosque atualmente “vive como príncipe, e os bispos que viram como abusava de mim e de outros e que hoje negam os abusos de trinta e tantos anos atrás, também. Parece-me o cúmulo e ele [o Papa Francisco] os defende e protege. Então, não acredito no seu discurso”.
Quem também não acredita no discurso do Papa Bergoglio é Salinas, que disse que “Francisco na faz parte da solução, mas do problema”. O também autor do livro Mitad monjes, mitad soldados acrescenta que, na sua opinião, o protocolo de Francisco de ‘tolerância zero’ “é uma farsa, uma mentira do tamanho da catedral de Guadalupe”. Mais do que “mentira”, a palavra que Cruz utiliza para qualificar a fracassada resposta institucional às vítimas dos pederastas chileno e peruano é “erro”, além de um escândalo “realmente assustador”. Uma controvérsia na qual, enfim, “é muito importante conhecer o dano que foi causado e começar a reconciliar e reparar” os males que foram se agravando.
“Isso é como um câncer. Não se pode tirar um tumor e esperar que não haja metástase”, disse Cruz. “Infelizmente, esta metástase está em todas as partes, então, é preciso fazer um tratamento aprofundado”.
“Aqui há pessoas que sofreram muitíssimo, pessoas que se suicidaram”, prosseguiu o chileno. “A Igreja demora tanto para reconhecer estas coisas e espera que as pessoas morram, que fiquem entediadas ou se suicidem e vemos esses casos aos montes. Isso não pode acontecer, e o fato de que o Papa ignore isso me parece ser uma vergonha assustadora”, sentenciou.
Quanto ao caso Karadima, o último que se juntou ao pedido de renúncia do atual bispo de Osorno, Juan Barros, foi o padre jesuíta Felipe Berríos. “Juan Barros é o ponto gerador do conflito. O ideal seria que renunciasse agora, por amor à Igreja e à sua própria vocação”, afirmou Berríos. “Ele não se apequenará caso renunciar; pelo contrário, continuará sendo bispo até a sua morte, mas que renuncie ao seu exercício fará bem a todos”.
Claro assim foi o jesuíta diante das constantes queixas manifestadas por alguns fiéis de Osorno em relação à permanência do religioso, que tem vínculos com o padre Fernando Karadima.
Em entrevista ao jornal Austral de Osorno, declarou que “é preciso ser muito cego para não ver que há uma divisão (na comunidade de Osorno) produzida por Barros”.
“No fundo, não há pastor na diocese de Osorno; é muito ruim não ter diretrizes pastorais. Há uma ausência, porque o pastor tem medo de se encontrar com as pessoas e conversar, o que provoca um dano irreparável”, disse Berríos.
“Esta questão não é um problema apenas para a comunidade de Osorno, mas é um espinho para toda a Igreja chilena, uma pedra no sapato”, insistiu.
Diante da pergunta de se o Papa Francisco deveria fazer menção, durante a sua visita à região de La Araucanía, às suas palavras sobre a comunidade de Osorno a quem tratou de “ingênua e esquerdista”, Berríos respondeu: “Eu tenho um grande carinho pelo Papa; é meu chefe, mas suas palavras me doeram e a forma de dizê-las, penso, foi equivocada”.
“Ele tratou injustamente uma comunidade qualificando-a de ingênua e esquerdista, o que tem uma carga política muito forte. É uma questão que continua e creio que o Papa terá que fazer referências ao que acontece em Osorno. Mas, deve-se ter claro que o maior responsável pela nomeação de Barros é o núncio apostólico Ivo Scapolo, que deve dar as explicações à sociedade chilena e inclusive meteu o Papa em uma situação incômoda, porque a Conferência Episcopal não queria que Juan Barros fosse nomeado”, concluiu o jesuíta.
Cabe recordar que o Papa Francisco fez uma ferrenha defesa do bispo Juan Barros assegurando que havia motivações políticas por trás das acusações contra o religioso.
“[A Igreja] perdeu a liberdade ao se deixar levar por políticos, julgando um bispo sem ter nenhuma prova, [inclusive] depois de ser bispo por 20 anos. [Peço-lhes] que pensem com a cabeça e não se deixem levar por todos esses esquerdistas, que foram os que armaram a coisa toda (...). A única acusação existente contra esse bispo foi desautorizada por uma Corte Judicial. Então, por favor, não percam a serenidade. Osorno está sofrendo, sim... mas por ingenuidade, porque não abre o seu coração para aquilo que Deus diz e se deixa levar pelos desatinos dessa gente. Eu sou o primeiro a julgar e a punir uma pessoa sobre a qual pese esse tipo de acusação. Mas, neste caso, não há nenhuma prova contra ele, ao contrário, e eu lhes digo isso de coração”, assinalou o líder da Igreja católica a um grupo de fiéis chilenos.
Se, porventura, os casos Karadima e Figari não forem suficientes para o Papa se preocupar, o cardeal Jorge Medina, ex-bispo de Valparaíso, advertiu também que em sua passagem pelo Chile Francisco irá se deparar com uma Igreja debilitada na fé e sacudida por outras questões sociais da maior importância, como a migração e o conflito indígena.
O religioso disse ao jornal El Mercurio de Valparaíso que essas questões terão um papel específico durante os eventos de Jorge Bergoglio no país e que manteve correspondência com o Vaticano.
Medina comenta que o Papa virá ao Chile em um momento tenso. O Governo da Presidenta Michelle Bachelet estará chegando ao seu fim e em apenas dois meses o novo presidente eleito assumirá.
“Os indicadores econômicos não favorecem um juízo positivo sobre o Governo que está terminando o seu mandato. Foram aprovadas leis que enfraquecem a instituição do casamento e está em tramitação um projeto de lei que autoriza o aborto, fato que a Igreja qualifica como um crime e assassinato de seres inocentes”.
Sobre a lei que despenaliza o aborto em três situações, o cardeal afirmou que “seria horrível em toda hipótese, mesmo prescindindo da visita do Papa. Ainda tenho esperanças de que isso não vai acontecer. Caso acontecer, seria uma gravíssima ofensa a Deus”.
Nesse sentido, asseverou que “a situação da Igreja no Chile indica um doloroso enfraquecimento: diminuição do número de batizados, das confirmações e dos matrimônios; aumento dos fracassos matrimoniais; muito poucas vocações, em geral, para o ministério sacerdotal e a vida religiosa”.
Dado que o máximo representante da Igreja católica visitará apenas Iquique e Temuco em sua passagem pelo país, o ex-bispo calculou que os principais temas que Bergoglio deverá abordar são a migração e o conflito indígena.
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Papa no Chile e Peru. Vítimas de Karadima e Figari: “A caridade exige que o Papa se reúna conosco” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU