26 Junho 2017
Quando um papa viaja, normalmente a história está no “o que”, ou seja, aquilo que ele diz e faz antes de chegar ao local. No entanto, quando o Papa Francisco visitar, em janeiro próximo, a região de La Araucanía, no sul do Chile, as atenções estarão no “onde”, dado o modo como a Igreja vem sendo alvo de protestos pelos direitos indígenas.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 23-06-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Quando se trata de viagens papais, em geral as notícias voltam-se para o “o que” delas: a mensagem que o pontífice transmite ao chegar a um determinado país em particular ou mesmo a um continente inteiro.
Noutras vezes, no entanto, as notícias voltam-se para o “onde” o papa vai.
No caso do Papa Francisco, houve várias viagens nas quais o simples fato de que ele as fez era tudo o que se precisava dizer: a sua primeira viagem à ilha italiana de Lampedusa, por exemplo, que é o portão de entrada na Europa para muitos migrantes que tentam chegar ao continente pelo mar.
De modo semelhante, quando decidiu visitar a fronteira do México com os EUA no começo de 2016 para rezar diante de um local onde imigrantes morrem ao tentar fazer a travessia, não foi necessária muita análise para entender a mensagem.
Em janeiro de 2018, quando o Papa Francisco visitar a América Latina pela sexta vez, a sua viagem desdobrar-se-á em múltiplos níveis. Ele está programado para visitar o Chile nos dias 15 a 18 daquele mês quando, então, dirige-se para o Peru, onde ficará até o dia 21.
No Chile, a presidenta Michelle Bachellet e o Papa Francisco têm muitos pontos em conflito para tratar: desde o aborto ao casamento homoafetivo, pontos que ela vem buscando legalizar, passando pela nomeação de um bispo local ligado a abusos sexuais infantis, prelado que tem sofrido uma oposição na Igreja e mesmo de vários membros do gabinete presidencial.
Entretanto, poucos destinos serão mais significativos do que a sua escala na região de La Araucanía, no sul do Chile. Aqui, o papa visitará Temuco, a maior cidade da região, onde os Mapuche, comunidade indígena local, compõem 23% da população.
Embora geralmente fique longe da atenção dos meios de comunicação internacionais, a região há tempos vem sendo atormentada por um histórico conflito de terra travado pelos Mapuche, que, apesar de contarem com o apoio da Igreja Católica, estão recorrendo à violência – inclusive contra ela.
Por exemplo, numa tentativa de chamar a atenção para a causa, em abril de 2016 membros do grupo puseram fogo numa igreja. Os responsáveis pelo ato deixaram um cartaz que dizia: “Todas as igrejas serão derrubadas. Saiam! Liberdade aos prisioneiros políticos Mapuche”.
Nos primeiros meses de 2016, mais de uma dúzia de igrejas católicas e duas protestantes foram destruídas por grupos indígenas. Ainda que condenados pela maioria da comunidade Mapuche, os ataques continuaram, porém num ritmo mais lento.
Até o momento, o número de igrejas destruídas é de 17, além de um seminário. A mais recente foi uma igreja evangélica, pulverizada com benzeno e, então, incendiada no começo do ano.
A maioria dos analistas crê que os ataques contra igrejas, paróquias e seminários provavelmente continuarão, apesar do fato de que 70% da comunidade Mapuche é formada por católicos.
A hierarquia da Igreja Católica no sul do Chile há tempos vem tentando construir pontes de diálogo, em geral ficando ao lado da população indígena, que equivale a 12% dos 17.6 milhões de cidadãos do país.
Francisco está sabendo deste conflito por meio dos bispos locais, que o visitaram em fevereiro passado. Mas, antes disso, alguns grupos já haviam recorrido ao primeiro papa do sul global para pedir ajuda e mantê-lo informado.
Por exemplo, no ano passado a comunidade empresarial local enviou uma carta ao Vaticano detalhando o aumento da violência, dizendo que centenas de pequenos agricultores e outros cidadãos vinham sofrendo ataques, sendo alvejados por tiros, ameaçados e, alguns, tendo sido mortos.
“Esperamos que estas informações o ajude a saber da dor de um país e dos chilenos que sofrem, porque a nossa fé está sob ataque terrorista, que não respeita nenhum valor ou religião, ameaçando a liberdade de culto”, conclui a missiva.
Este conflito é altamente complexo, remontando ao século XIV, quando o Chile foi colonizado pela coroa espanhola. Já nessa época os Mapuche formaram uma resistência contra os espanhóis, recusando a cederem suas terras.
O padre jesuíta Fernando Montes, ex-reitor da Universidade Alberto Hurtado, no Chile, contou ao Crux que os espanhóis tiveram uma resistência “feroz” por parte dos Mapuche, já na chegada dos europeus ao país, por volta de 1536. A resistência dos indígenas foi tal que se tornaram uma “dor de cabeça” para a coroa.
No entanto, a radicalização que se vê hoje começou em 2013, quando o povo Mapuche passou a atacar plantações, caminhões que transportavam alimentos e indivíduos.
Quando a Francisco, o primeiro papa jesuíta da história, ele poderá forjar um laço singular com os envolvidos nesta polêmica: cinco décadas depois de os espanhóis desembarcarem no Chile, chegaram os missionários jesuítas. De acordo com Montes, era uma prioridade destes últimos a evangelização dos Mapuche, onde aprenderam a língua local, o mapudungun, tornando-se nos “grandes defensores” e até mesmo introduzindo uma dose de sincretismo na abordagem adotada.
Quando se anunciou a viagem do Papa Francisco, Dom Héctor Vargas, de Temuco, manifestou a esperança de que esta ida inclua uma visita à região, dizendo que a comunidade está hoje “fraturada”.
Entre as lideranças comunitárias Mapuche, alguns compartilham desta esperança. Por exemplo, o presidente da Associação das Municipalidades com Prefeitos Mapuche, Juan Carlos Reinao, disse esperar que o papa faça um apelo aos Estado chileno para que “finalmente haja vontade política em pagar a dívida com o povo Mapuche, dado que é um dever moral ser capaz de avançar no diálogo e entendimento”.
Todavia, outros têm demonstrado pouca esperança com a visita. É o caso do “Consejo de Todas las Tierras”. Por meio de um comunicado assinado por Aucán Huilcamán, o grupo disse, em 18 de julho, que eles terão um encontro para preparar um relatório ao papa.
Huilcamán criticou o papel de Vargas entre os que têm assessorado Bachelet na questão indígena, dizendo que o documento produzido até o momento tentou falsificar a história da região de Araucanía e do povo Mapuche.
Huilcamán iguamente propôs que o papa ratifique o compromisso assumido por São João Paulo II, quem pediu desculpas aos povos indígenas americanos. Disse que Francisco erra ao não ratificar este pedido e em não “planejar uma indenização pelos crimes contra a humanidade cometidos contra o povo Mapuche e uma indenização pela privação territorial”.
No dia em que a visita de Francisco ao Chile foi anunciada, Dom Fernando Ramos, bispo auxiliar de Santiago e secretário geral da conferência episcopal do país, disse que o próprio papa escolheu as cidades: além da quase obrigatória visita à capital nacional, há a cidade de Iquique, para a devoção à Nossa Senhora de La Tirana e a situação dos migrantes, e Temuco, “para sentir a situação e ficar perto dela”.
Ramos reconheceu que esta é, na verdade, a região de maior tensão no Chile atualmente: “Ele quer dar uma palavra de luz, apoio e proximidade aos que se encontram em La Araucanía. Esperamos que todos os que constituem a região continuem [nesse ínterim] a dialogar”.
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Quando Francisco visitar o Chile, as atenções estarão no “onde” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU