16 Outubro 2018
O falecido cardeal argentino Eduardo Pironio (1920-1998), a propósito da então quimérica beatificação de Mons. Oscar Romero e dos muitos adversários que a causa tinha na época, nos dizia com fina ironia: "Vocês sabem, o verdadeiro milagre de Romero será chegar um dia às honras dos altares como o santo da América. Isso mesmo: para fazer dele um santo é preciso um milagre". E é verdade.
O comentário é publicado por Il Sismografo, 12-10-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Para muitos, no próximo domingo, especialmente na América Latina, a canonização do arcebispo mártir de San Salvador parecerá como um inesperado e verdadeiro milagre, humanamente facilitada com generosidade e clarividência por duas figuras da Igreja: Papa Francisco e D. Vincenzo Paglia, o postulador tenaz e incansável que sempre acreditou na missão que lhe foi confiada pela Igreja salvadorenha.
Sabe-se que Mons. Romero - que depois de 38 anos, será proclamado santo na Praça de São Pedro, juntamente com outros cinco beatos, entre os quais o seu grande e fiel amigo, protetor e defensor, o papa Paulo VI – teve em vida muitos adversários e inimigos, mesmo dentro da Igreja de seu país, da América Latina e do Vaticano. Muitos deles continuaram a trabalhar incessantemente contra Mons. Oscar Romero mesmo depois de seu martírio e, de certa forma, a sua oposição e hostilidade foi tão eficaz que atrasou significativamente o dia em que Oscar Romero foi oficialmente reconhecido mártir beato (23 de maio de 2015)
Aqui estão algumas das "razões" usadas por diversos prelados e círculos clericais, dentro e fora de El Salvador, para se opor ao processo de beatificação e canonização de Mons. Romero:
1) A primeira razão usada que foi posta em circulação, quase imediatamente após o martírio do arcebispo e nos mais altos ambientes do Vaticano, portanto inclusive em outras instâncias próximas a estes ambientes, mais ou menos expressava este pensamento: "Sim, tudo bem. Ele era um pastor zeloso e santo, mas vamos evitar dar uma bandeira aos setores da esquerda latino-americana". Com relutância, apenas formalmente, aceitava-se o martírio do bispo e também a sua santidade, mas se recomendava de desistir momentaneamente para não agradar a "esquerda" (na época, na Europa e no Vaticano, a "esquerda" na América Latina era identificada naqueles setores que lutavam a favor do respeito aos direitos humanos e que se opunham à disseminação das ditaduras militares, pagãs e anticristãs).
2) Mais tarde, a partir de El Salvador e de outras igrejas latino-americanas, bem como alguns setores restritos da diplomacia do Vaticano, surgiu uma outra razão, surpreendente: Mons. Romero, "homem próximo dos setores de esquerda foi imprudente", e de alguma maneira, com alguns de seus comportamentos, homilias e declarações, contribuiu para a polarização no país. É nessa dinâmica que seu assassinato começou a tomar forma. Em suma, para esses setores, Mons. Romero procurara por isso. Alguém, após a abertura da causa em 1997, observou que "Romero fazia questão de ser um mártir"; uma afirmação impregnada de uma mal velada veia de malícia, se não de verdadeira maldade.
3) Houveram opiniões ainda mais radicais sobre o martírio do bispo salvadorenho, muitas vindas de numerosos cardeais da Cúria, investidos de importantes cargos. Nesses ambientes, falava-se abertamente contra D. Romero dizendo que ele era um "pró-comunista" e que seu magistério episcopal era contrário ao da Igreja e dos Papas. Em particular, acusava-se D. Romero de ter quase sempre falado contra a repressão do governo de direita e dos militares bem menos do que das violências da frente armada marxista-leninista "Farabundo Martí". Obviamente, trata-se de uma falsa objeção, impossível de ser demonstrada com os documentos existentes, que são muitos.
Nesse contexto, chegou-se até a dizer que a ação pastoral de D. Romero - realizada isoladamente, pois, como mencionado por muitos, tinha sido isolado pelo resto do episcopado salvadorenho - havia se tornado um "obstáculo insidioso para a manutenção dos regimes democráticos na região". Nesse sentido, também foi escrito sobre a dimensão do "dano que o bispo Romero causou aos equilíbrios geopolíticos hegemônicos na região na época da Guerra Fria".
D. Romero, em vida e mesmo depois da sua morte, teve a infelicidade de ser caluniado, muitas vezes por homens da igreja, alguns dos quais celebram hoje entusiasticamente a sua canonização.
Sobre as calúnias post-mortem, o Papa Francisco disse a um grupo de peregrinos salvadorenhos:
"Eu gostaria de acrescentar algo que talvez passe despercebido. O martírio de Dom Romero não aconteceu apenas no momento da sua morte: foi um martírio-testemunho, sofrimento anterior, perseguição anterior, até a morte. Ele foi difamado, caluniado, sujado, já que o seu martírio foi continuado inclusive por irmãos dele no sacerdócio, no episcopado. Eu não falo por ouvir dizer, eu escutei essas coisas. Ou seja, é lindo vê-lo também assim: como um homem que continua a ser um mártir. Agora acredito que quase mais ninguém se atreva, mas, depois de ter dado a vida, ele continuou a dá-la, deixando-se açoitar por todas essas incompreensões e calúnias. Isso me dá forças, só Deus sabe. Só Deus sabe as histórias das pessoas e, quantas vezes, pessoas que já deram a vida ou que morreram continuam sendo apedrejadas com a pedra mais dura que existe no mundo: a língua!" (Vaticano, 30 de outubro de 2015)
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D. Romero proclamado santo ... Um verdadeiro milagre! As razões usadas para prevenir ou retardar a canonização do "bispo mártir duas vezes" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU