22 Janeiro 2015
Desde a sua eleição como bispo de Roma, apareceram várias biografias de Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco. No entanto, mesmo as que se apresentaram como documentadas e fundamentadas historicamente deixaram de fazer menção ao cardeal argentino Eduardo Pironio. Foi lançado agora, porém, o livro "Tempo de misericórdia - Vida de Jorge Mario Bergoglio", de Austen Ivereigh (Milão, 2014), que reconhece o papel relevante daquele cardeal que, durante muitos anos, foi colaborador direto de São João Paulo II.
A reportagem foi publicada pelo sítio Zenit, 20-01-2015.
Confira a seguir um trecho do livro.
***A Evangelii Nuntiandi se tornaria o documento religioso preferido de Bergoglio, que a citou durante todo o período em que foi superior provincial, reitor e, depois, bispo. Não muito tempo após ser eleito papa, ele a definiu como “o documento pastoral mais belo já escrito”. Sua grande finalidade era conciliar o magistério eterno da Igreja com a diversidade das culturas.
Considerando algumas das assinaturas escondidas em sua redação, é fácil entender por que Bergoglio se identificou tanto com essa exortação apostólica, seja em 1975, seja posteriormente. As seções sobre a fé que se materializa em um povo (Paulo VI preferia usar o termo cultura) e as que atribuíam valor à piedade popular eram, de fato, uma contribuição argentina, escrita pelo padre Gera. Tais considerações chegaram ao documento através, porém, de outro argentino, o antigo bispo de Mar del Plata, Eduardo Pironio, que, como secretário geral do CELAM em 1967 e 1968, foi o espírito animador de Medellín. Colaborador e confessor de Paulo VI, ele tinha recentemente presidido em Roma o Sínodo dos Bispos em que nasceu a Evangelii Nuntiandi.
O sínodo representou mais um momento de amadurecimento para a Igreja latino-americana. Segundo o professor Guzmán Carriquiry, futuro colaborador de Bergoglio, ele marcou o final da fase pós-conciliar “iconoclasta”, que tinha sido dominada pela “crise da autoridade norte-atlântica, pelo fracasso da revolução guevarista e pela crescente desorientação dos intelectuais”. A essas alturas, o terreno estava pronto para a segunda assembleia do CELAM, a realizar-se em Puebla, no México, no ano de 1979, e cujo protagonista seria Gera. Tal como considerado por Bergoglio com a sua teologia do povo e pelos seus colegas da USAL, bem como da guarda de ferro, o fracasso da ideologia e dos intelectuais deixava a porta aberta para a chegada do povo fiel.
Pironio pode ser considerado, em certos aspectos, o precursor de Bergoglio. Sua missão era aplicar os princípios do Concílio Vaticano II à América Latina; ele tinha uma clara “opção preferencial” pelos pobres, mas desconfiava também das ideologias e estava convencido de que o Evangelho representava a base de um novo modelo de sociedade que ia além da dicotomia capitalismo-comunismo. Como faria depois Bergoglio, ele se afastou dos conservadores comprometendo-se com a justiça social e se afastou da esquerda negando o apoio às versões extremistas da teologia da libertação.
Como Bergoglio, Pironio não era um revolucionário, mas tinha uma grande densidade espiritual: era um defensor radical do Evangelho, com uma estratégia pastoral que dava a prioridade aos pobres. Como reitor do Máximo depois de 1980 e, mais tarde, como bispo e arcebispo, Bergoglio teria dado a essa estratégia – a visão de Pironio e da Evangelii Nuntiandi – mais espaço para respirar.
Ao recordá-lo em 2008, dez anos depois da sua morte, Bergoglio definiu Pironio como “um homem de portas abertas com quem se desejava estar”. Quando alguém o visitava, “onde quer que estivesse e ocupado o quanto estivesse, ele o fazia sentir-se a única pessoa que importava”. Esta é a mesma descrição que muitos fazem de Bergoglio.
E eles tinham mais coisas em comum. Em 1978, quando Paulo VI morreu, falou-se de Pironio como possível papa, um argentino de origem italiana e de espiritualidade franciscana. Já que era praticamente italiano, alguns pensaram: por que os cardeais, se queriam olhar para o mundo em vias de desenvolvimento, não elegiam esse argentino?
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Eduardo Pironio, precursor do papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU