Para o ativista, o Auxílio é uma ajuda imediata que não apaga o debate maior sobre uma renda mínima e digna para afastar as famílias da extrema insegurança alimentar
“Estou no mercado comprando comida”. A singela frase recebida numa mensagem de WhatsApp revela uma alegria e uma dor a José Antônio Moroni, pois a guerra que ele e que seu grupo têm travado pela assistência a famílias carentes durante a pandemia livrou mais uma vez da fome iminente. Mas, ao mesmo tempo, revela a dor de um Brasil que comemora algo tão simples como ir ao supermercado e garantir algumas refeições. Isso quando consegue, pois muitos nem isso têm alcançado. “A maior tragédia de um povo é saber que parte dele passa fome. A fome, que achamos que estava fora da agenda nacional, voltou com força”, observa, na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Moroni, através do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc e de outras entidades, vem encabeçando a Campanha Renda Básica que Queremos [1].
Ele explica que quem circula pela concretude das ruas sabe que a fome já é uma realidade no país atualmente. E esse quadro é causado não somente pela pandemia de Covid-19, “mas pela opção de se manter uma crise econômica. Sim, algumas pessoas e grupos lucram e muito com as crises. Basta ver o lucro dos bancos”. Mas ele reconhece que a realidade imposta pela pandemia fez com que o foco sobre o debate para assegurar renda aos mais pobres teve de mudar. “Inicialmente pensamos mobilizar tendo como base a criação de uma política de renda mínima permanente. Abandonamos logo a ideia porque vimos que este debate ia longe e a necessidade do povo era uma renda imediata para poder ficar em casa se cuidando e se alimentando”, recorda.
Foi aí que o grupo passou a focar no Auxílio Emergencial, primeiro assegurando que chegasse às pessoas e agora para que seja estendido. “A campanha mobiliza e incide nos debates sobre o Auxílio Emergencial, mas tem como estratégia mais de longo prazo a construção de um projeto de lei de iniciativa popular de criação de uma política de renda mínima”, detalha. Ou seja, para ele, toda essa situação mostra que o debate sobre renda mínima é necessário e configura uma resposta de longo prazo. “Nós já temos um ‘embrião’ de renda mínima que é o Bolsa Família. Esse programa deve servir como base, assim como o Auxílio, para uma política de renda mínima”, sugere.
Ao longo da entrevista, Moroni ainda reflete sobre a atual gestão do governo federal e o desmonte nas políticas de assistência social. E para quem torce o nariz para o assunto, alegando que estender o Auxílio, corrigir o Bolsa Família e instituir uma renda mínima pode quebrar o Estado, ele tem uma resposta: “o governo gastou com o Auxílio R$ 390 bilhões e beneficiou diretamente mais de 68 milhões de pessoas e, indiretamente, mais de 100 milhões. E este dinheiro retornou para a economia real. Para o sistema financeiro, o governo disponibilizou R$ 1,216 trilhões. Beneficiou quantas famílias? Não cabem na ‘palma da mão’”.
José Antônio Moroni (Foto: Arquivo Pessoal)
José Antônio Moroni é filósofo com pós-graduação em História do Brasil, Fundamentos em Educação Especial e Métodos e Técnicas de Elaboração de Projetos Sociais. Membro do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc, atua há mais de 35 anos em organizações não governamentais e movimentos populares, especialmente na área dos direitos humanos, questão democrática e participação popular.
A entrevista foi publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU no dia 18-02-2021.
IHU On-Line – Em que consiste a Campanha Renda Básica que Queremos?
José Antônio Moroni – A campanha reúne hoje mais de 250 organizações e movimentos com perfis, formatos organizativos e agendas bem diferentes. A origem da campanha tem relação direta com um mal-estar geral em relação ao que o governo estava apresentando para a sociedade no início da pandemia. O governo apresentava como contraponto a qualquer discurso sobre a necessidade de se ter políticas voltadas para as populações mais vulneráveis na pandemia, incluindo o Auxílio, que “precisa salvar a economia”, reforçando a falsa dicotomia entre o econômico e o social. Em outras palavras: se você tiver condições de se cuidar, você vai se salvar, senão, vai para a rua trabalhar, se contaminar, contaminar os seus e morrer, “afinal todo mundo morre um dia”. Só por isso este governo já devia ter terminado.
Além deste desconforto, juntou uma avaliação de que o nosso sistema de proteção social não tinha programas e políticas capazes de enfrentar o dilema da renda para que as pessoas pudessem ficar em casa e comer. É neste contexto que surge a campanha. Inicialmente pensamos mobilizar tendo como base a criação de uma política de renda mínima permanente. Abandonamos logo a ideia porque vimos que este debate ia longe e a necessidade do povo era uma renda imediata para poder ficar em casa se cuidando e se alimentando.
Então, a campanha mobiliza e incide nos debates sobre o Auxílio Emergencial, mas tem como estratégia mais de longo prazo a construção de um projeto de lei de iniciativa popular de criação de uma política de renda mínima. A campanha nasce nesta conjuntura e com essas estratégias.
IHU On-Line – Como o senhor destaca, nessa atual fase da Campanha o foco é para prorrogação do Auxílio Emergencial. Mas o próprio governo já disse que deve estendê-lo, embora num valor bem menor. Como compreende que deve ser esse Auxílio a ser prorrogado?
José Antônio Moroni – Estamos lidando com um governo de psicopatas que fez de tudo para não ter o Auxílio e, em caso de o ter, conceder um valor extremamente baixo e com processo de acesso extremamente complexo. Então, este governo, nunca quis e não quer agora o Auxílio. Temos um governo genocida e que tem fetiche pela morte. A forma como ele faz a gestão da pandemia tem a ver com estes pilares. É um governo que diz uma coisa no almoço e outra no café da tarde.
Tem certo consenso no Parlamento da necessidade da continuidade do Auxílio. Mas como o compromisso do nosso sistema político não é com a vida do povo, querem um benefício de no máximo quatro meses, no valor de até R$ 250,00 mensais e com mudanças nos critérios de acesso, como, por exemplo, rebaixar o corte para entrar no programa de três salários mínimos de renda familiar, como é hoje, para, quem sabe, um salário mínimo. Isso deixaria muita gente de fora do Auxílio.
A nossa luta é pela prorrogação do Auxílio no valor de R$ 600,00 mensais até o fim da pandemia. Com isso associamos a luta pelo Auxílio à luta pela vacina universal, um dado importante.
Outro aspecto importante da nossa campanha foi o acompanhamento que fizemos da implementação do Auxílio. Como o governo não queria esse programa, fez de tudo para dificultar o seu acesso, como, por exemplo, cadastrando via aplicativo, exigindo CPF regular, quando se sabe que parte expressiva dos potenciais beneficiários não tem acesso à internet, não tem celular capaz de comportar aplicativos ou, ainda, não tem documentos. Então, além da prorrogação defendemos uma nova regulamentação da implementação, que envolva a sociedade, o Sistema Único de Assistência Social - Suas, bancos comunitários, etc.
Ano passado, o governo deixou de executar R$ 29 bilhões do Auxílio Emergencial. Era um recurso aprovado para esse fim. O governo não gastou e não colocou em resto a pagar, portanto este recurso se perdeu. Deve ter ido para remunerar os detentores dos títulos da dívida. Este valor corresponde ao pagamento de um ano do Programa Bolsa Família, que atende perto de 14 milhões de famílias.
IHU On-Line – Muitas famílias já vivem a realidade da fome. O quanto esse quadro deve se acentuar com o fim do Auxílio?
José Antônio Moroni – A maior tragédia de um povo é saber que parte dele passa fome. A fome, que achamos que estava fora da agenda nacional, voltou com força. Não só por causa da pandemia, mas pela opção de se manter uma crise econômica. Sim, algumas pessoas e grupos lucram e muito com as crises. Basta ver o lucro dos bancos.
Uma pesquisa feita pelo Datafolha em agosto de 2020 deu um panorama de como o povo gastou o Auxílio. O principal destino do benefício é a compra de alimentos (53%), 25% para pagar contas, 16% para pagar despesas da casa, 1% para comprar remédios. Sobe para 61% o percentual gasto com alimentação entre as pessoas com renda familiar de até dois salários mínimos.
Tem também o recorte racial. Entre os que se auto declararam negros (pretos e pardos), 49% tinham o Auxílio Emergencial como única fonte de renda, contra 38% entre os brancos. A população negra é a primeira que fica desempregada e é a que mais está na informalidade.
Temos alternado momentos de alegrias e tristezas na Campanha Renda Básica que Queremos. Lógico que foi uma grande conquista da sociedade e do parlamento a aprovação do Auxílio no valor de R$ 600 por mês. Quando começamos a receber fotos pelo WhatsApp das pessoas comprando comida nos mercados, foi emocionante. Lembro de um áudio mandado de madrugada por uma família de Goiânia dizendo que o dinheiro estava na conta. Áudios das pessoas emocionadas, tais como “estou no mercado comprando comida”, dão sentido ao ritmo enlouquecido pelo qual passamos para aprovar a lei e diminuir os danos da regulamentação negacionista do direito conquistado.
Mas também temos profunda tristeza pelas pessoas que deviam receber e não receberam. Tristeza quando Bolsonaro diminui o valor para R$ 300 mensais e o deputado Rodrigo Maia [então presidente da Câmara dos Deputados, do Democratas do Rio de Janeiro] não colocou a Medida Provisória em votação, pois sabia que o valor retornaria aos R$ 600. E agora nossa luta consiste em manter o Auxílio no mesmo patamar do inicial e até o fim da pandemia da Covid-19.
IHU On-Line – Embora tenha servido como tábua de salvação para muitas famílias, a concessão de auxílio com esse de caráter emergencial não enfraquece os movimentos para a consolidação de uma Renda Básica permanente?
José Antônio Moroni – Entendemos que não enfraquece, pelo contrário, mostra que é possível e principalmente que é necessário. Nós já temos um “embrião” de renda mínima que é o Bolsa Família. Esse programa deve servir como base, assim como o Auxílio, para uma política de renda mínima. Temos um dos maiores e mais completos cadastros do mundo que é o CadÚnico (que a administração do governo Bolsonaro quer destruir, como tudo).
Mas para transformar o Bolsa Família numa política de renda mínima ainda temos um longo caminho a percorrer. Vários pontos precisam ser enfrentados, um deles é a questão da fila. Um programa de renda mínima não pode ter fila de espera. Se a pessoa tem direito porque preenche os critérios, tem que receber. Outro aspecto é com relação ao valor e mecanismos de reajustes. Hoje a média do Bolsa é de R$ 196,00 por família.
IHU On-Line – No caso brasileiro, o mais apropriado para reduzir as desigualdades seria uma Renda Básica Universal ou uma Renda Mínima? Como compreender os dois conceitos e qual seria o mais viável num médio prazo, dada a atual conjuntura?
José Antônio Moroni – Aqui temos um longo debate. Vou falar da minha posição e não da Campanha, pois não temos ainda. Pela definição, a Renda Básica Universal é a transferência de uma quantia de recursos em dinheiro, de igual montante, periódica, individual e predeterminada a toda população, independente da sua condição ou de condicionalidades.
A Renda Mínima já não é universal. É a transferência de um valor monetário (que não precisa ser igual para todas as pessoas beneficiadas), que garanta que a pessoa ou família atendida atinja determinado patamar de renda. Geralmente tem condicionalidades (se você não fizer tal coisa, você perde o benefício). Tem recortes/critérios de renda para acessar o benefício e a pessoa tem direito enquanto durar a vulnerabilidade de renda.
Pessoalmente, do ponto de vista filosófico e ético, tenderia a defender a Renda Básica Universal. Mas como defender um acesso universal a uma renda num país que se estrutura na produção e reprodução de desigualdades? Onde justamente a desigualdade de renda tem uma centralidade, além da racial, de gênero e territorial? Fala no mecanismo que aja sobre os que estão em cima da pirâmide para que devolvam o valor recebido no momento do imposto de renda. Mas, quem paga imposto de renda são justamente os trabalhadores com um nível salarial melhor. Rico não paga, ele sonega. Entenderia a Renda Básica Universal numa transição para uma sociedade pós-capitalista onde nesta transição bens privados passariam a ser públicos.
Assim, penso que na atual conjuntura, o melhor é termos uma Renda Mínima robusta que se aproxime do valor do salário mínimo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – Dieese.
IHU On-Line – No Palácio do Planalto, há o discurso corrente de que estender o Auxílio Emergencial de R$ 600 quebraria o Estado. Mas o que há por trás desse discurso?
José Antônio Moroni – Pior que este discurso não esta presente só no Planalto, está na academia, na imprensa, no Congresso, no Judiciário, etc. Ouvir parlamentares de partidos que se dizem de esquerda reproduzir isso, dói. Vejamos os números.
O governo gastou com o Auxílio, em todas as suas fases, R$ 390 bilhões e beneficiou diretamente mais de 68 milhões de pessoas e, indiretamente, mais de 100 milhões. E este dinheiro retornou para a economia real. Pobre compra comida e não títulos da dívida.
Para o sistema financeiro, o governo disponibilizou R$ 1,216 trilhões. Beneficiou quantas famílias? Não cabem na “palma da mão”. Este recurso ficou alimentando a ciranda financeira.
Então, quem quebra o Estado?
IHU On-Line – Como assegurar o financiamento de uma renda básica permanente?
José Antônio Moroni – Independente da renda mínima, temos um debate urgente que precisamos fazer que é quem financia o Estado. Hoje, quem paga proporcionalmente mais impostos são os pobres, que recebem políticas públicas de baixa qualidade na maioria das vezes. Isso se faz por meio de um sistema tributário regressivo e não progressivo. Quem mais tem, precisa pagar mais (progressividade). Só mudando esta lógica da tributação teremos mais recursos para as políticas sociais.
Além disso, tem que taxar as grandes fortunas e heranças. Temos que discutir a taxação dos grandes lucros, mudar a tabela de Imposto de Renda, etc. A taxação não pode ser em cima do consumo, tem que ser sobre a riqueza, a renda, a propriedade.
Também temos que parar de achar que o orçamento do Estado é igual a orçamento familiar. Não é. Não tem problema o Estado se endividar para prestar serviços à população. Tem problema o Estado se endividar para pagar altos juros dos títulos da dívida. Muitos dos chamados países desenvolvidos apresentam uma relação dívida/PIB bem maior que a nossa. O nosso problema é de outra natureza.
IHU On-Line – Há quem defenda um reajuste e ampliação do programa Bolsa Família, pois poderia suprir as necessidades de um programa de renda básica. O senhor concorda?
José Antônio Moroni – Conforme exposto anteriormente, isso poderia ser um caminho. Mas não é apenas uma questão de reajuste e ampliação do Bolsa Família. Tem uma questão de concepção também. O Bolsa Família não se constitui um direito, ninguém pode ir à Justiça reclamar que não tem o benefício, pois é um programa que tem um orçamento e o número de beneficiários depende deste orçamento. Por isso que temos as tais “filas”. Então, não é uma questão apenas de reajuste e ampliação.
E tem, ainda, a questão das condicionalidades, que transformam uma agenda de direitos (ter escola, ter vacina, ter pré-natal) em uma condição para se ter acesso ao Bolsa Família. É um longo processo, mas não podemos perder o conhecimento técnico e político acumulado pelo Bolsa Família ao longo do tempo.
IHU On-Line – Uma das críticas do programa Bolsa Família é a financeirização do benefício, muitas vezes empurrando famílias de baixa renda para o sistema bancário. Agora, na busca pelo Auxílio Emergencial se viu uma multidão que o governo chamou de invisíveis. Em que medida a lógica da financeirização invisibilizou essas pessoas?
José Antônio Moroni – Horrível o governo falar em “invisíveis”. Invisíveis para eles que não andam pelas ruas de nossas cidades, que não olham pelas suas janelas. Nem são capazes de ler estatísticas, pois estas pessoas estão lá.
A questão da financeirização dos programas de transferência é um problema, sim. Muito mais pela falta de ética do sistema financeiro do que qualquer outra coisa. O sistema financeiro usa esses programas para “caçar clientes”, isto é, endividar o povo. Todo nós da classe média branca temos a nossa vida no sistema bancário. Temos por quê? Porque avaliamos ser mais seguro, mais cômodo, etc. Por que, então, só fazemos a crítica quando os pobres chegam nestes serviços? Para mim, o problema é que o sistema bancário se utiliza disso como meio para captar clientes, em outras palavras, endividar o povo. O que se deveria fazer é uma política de incentivos às cooperativas financeiras, autogestionadas dos próprios beneficiários do programa.
IHU On-Line – Como conceber uma renda básica com acesso fácil a quem precisa, sem empurrar as pessoas para o sistema bancário e nem criar barreiras tecnológicas para acessos, como foi no caso do Auxílio Emergencial?
José Antônio Moroni – Acho que em parte já respondi. O governo optou por este modelo de implantação do Auxílio para inviabilizá-lo. Só pode. A sociedade brasileira tem uma gama de formatos organizativos construídos pela população. Não tem necessidade de ficar refém do sistema bancário ou das administradoras de cartões. Tem que aproveitar estas organizações e fazer parcerias. Mas com todo cuidado para não criar falsas organizações.
IHU On-Line – Numa estrutura similar ao Sistema Único de Saúde - SUS, o Sistema Único de Assistência Social - Suas foi concebido para universalizar e assegurar o acesso da população a programas sociais. Mas o que vemos na prática é um desmonte do Suas e de seus centros que atuam na ponta. Como reverter esse quadro? Em que medida o Suas poderia contribuir na gestão e acesso a programas de renda básica?
José Antônio Moroni – Talvez o Suas seja o sistema de política pública mais atacado desde o golpe, um desmonte total. Lembrando que a assistência é uma das políticas que tradicionalmente serviu para o clientelismo, corrupção, etc. O Suas vem justamente para enfrentar isso. Mas, o Suas ainda tem um longo caminho a ser percorrido para se consolidar. Talvez seja em função destes fatores que é tão atacado.
Eu sempre achei que a assistência, sei que isso é bem polêmico principalmente no âmbito da militância do Suas, devia funcionar como uma política de garantia de direitos, portanto, que operacionaliza o acesso às demais políticas. Isso não tira a especificidade nem o objeto da assistência, mas dá outro corte, coloca o Suas não tanto como um sistema de equipamentos públicos que fornecem determinados serviços e sim mais como espaço dialógico com a população para acessar direitos.
Para fazer isso temos como metodologia a educação popular. Penso que toda política pública devia ter como princípio a autogestão de beneficiários/as. Não só os aspectos da formação, mas também de autogestão. No Bolsa Família não temos nem uma e nem outra. Acredito que este movimento da autogestão é capaz de gerar novas institucionalidades.
IHU On-Line – O debate sobre renda básica nesses tempos de pandemia chegou a grandes redutos neoliberais, como o Fórum de Davos. O que isso indica?
José Antônio Moroni – Cuidado. Cuidado. Cuidado. Precisamos ter todo cuidado do mundo, pois com certeza não estamos falando da mesma coisa. Eles querem destruir qualquer possibilidade de construção de sistemas públicos universais de políticas públicas. Eles querem mercantilizar a proteção social. Destroem qualquer sistema público com a falácia da liberdade de escolha (você escolhe onde estudar, onde se tratar, etc.) e para isso você tem uma renda para comprar no mercado algo que é direito seu. Eu estou fora, pois isso faz parte da barbárie que o neoliberalismo cria.
IHU On-Line – Quais os desafios para levar o debate sobre renda básica para a campanha de 2022?
José Antônio Moroni – Acho que vamos avançar pouco até lá no tema. O máximo que deverá acontecer é ficar prorrogando o Auxílio para cada vez menos pessoas e com menor valor para o benefício. Este governo não quer avançar em nada. Só avança no seu fetiche pela morte. Avalio que vamos estar numa conjuntura tão delicada em 2022 que o debate vai ser mais sobre a questão democrática do que qualquer outra coisa. Mas enquanto isso vamos construindo o nosso projeto de lei de iniciativa popular da renda mínima.
IHU On-Line – Que Brasil o senhor vê daqui a cinco anos, caso esses debates sobre renda básica não tenham se tornado efetivas políticas públicas?
José Antônio Moroni – Acho que antes da questão da renda básica precisamos derrotar o bolsonarismo e tudo que ele representa. Com o bolsonarismo não temos renda básica, não temos nada. Temos isso que temos hoje, uma gestão de uma pandemia voltada para a morte e não para a vida. Não temos qualquer saída dentro do bolsonarismo e das forças que o apoiam ou o apoiaram para derrotar a esquerda.
Temos um logo caminho, um longo percurso. Talvez neste longo percurso consigamos provocar rupturas e não conciliações. Romper com uma sociedade escravocrata, colonialista, patriarcal, lesbo-homo-transfóbica, classista, etc. Mas acho que vamos passar por essa, vai demorar, mas vai passar. E quando isso chegar vamos poder voltar a amar, dançar e gritar nas ruas. As ruas serão públicas e lugares de diálogos e não de morte, como são hoje. Chegaremos lá.
1. A iniciativa Renda Básica que Queremos visa construir um projeto de lei permanente de garantia de uma renda de R$ 600. Organizada por uma coalizão de organizações e movimentos sociais que defendem uma distribuição de renda urgente e necessária para todo o povo brasileiro. A Renda Básica Permanente é um direito que será concedido a adultos maiores de 18 anos considerados pobres, isto é, com renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo.