08 Agosto 2020
Criar um programa de renda básica permanente em um país como o Brasil significa trabalhar em um gigantesco projeto econômico, social e político. Mas é necessário e urgente, tal como está sendo demonstrado com a dureza da pandemia.
A reportagem é de Víctor David López, publicada por Público, 08-08-2020. A tradução é do Cepat.
Em pleno debate sobre a prorrogação para dezembro do auxílio emergencial vigente durante a crise da covid-19 no Brasil, a Rede Brasileira de Renda Básica participou, nesta quarta-feira, de uma conferência organizada pelo Fórum Ana Fonseca, organização que visa reduzir a desigualdade social, para explicar suas perspectivas frente a possibilidade de uma vez por todas poder implementar no país uma renda básica permanente para aliviar, em parte, uma desigualdade sumamente dolorosa.
Leandro Ferreira e José Antônio Moroni descreveram como a Rede foi crescendo pouco a pouco, como foi impulsionado o Congresso Nacional, buscando inculcar a ideia nos parlamentares mais afins, estimulados por todas as ideias pioneiras que a antecederam. A mais significativa, a propósito, criada e coordenada pela professora e pesquisadora Ana Fonseca, falecida em 2018 e homenageada por este fórum. Os principais programas de redistribuição de renda no Brasil, ao longo das últimas duas décadas, levam sua assinatura: A Renda Mínima, em São Paulo, e o Bolsa Família e Brasil Sem Miséria, em nível nacional.
No final, a pressão serviu para obter 600 reais por mês, durante três meses, sempre com os esforços extras para estendê-lo o máximo possível e aproveitar a conjuntura dessa crise sem precedentes. A extensão do auxílio emergencial e da quantia, se for o caso, ainda estão no ar. Ferreira e Moroni não vendem fumaça, reconhecem que não sabem ao certo a verdadeira opinião da maioria dos parlamentares sobre o passo além, que se definiria com renda básica permanente.
Alguns deputados e senadores concordariam em oficializá-la durante um período determinado, três ou quatro anos, durante a fase de recuperação econômica que o Brasil terá que enfrentar. De qualquer forma, é inegável o grande impulso à demanda que a pandemia propiciou, mas não será um governo de ultradireita que permitirá a implementação de uma medida dessa magnitude.
Ainda que, dado que a política é caprichosa, ao contrário do que possa parecer, o presidente Bolsonaro está em uma boa posição para tirar vantagem da covid-19 no Brasil. O auxílio emergencial que a duras penas se conseguiu colocar em marcha, promovido por organizações da sociedade civil, com a Rede Brasileira de Renda Básica na vanguarda, e aprovado pelo Congresso Nacional, está lavando a imagem do Executivo, que no final das contas é a face visível de todas as medidas tomadas a nível nacional.
Se dependesse de Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, essa ajuda teria sido mínima e por um tempo muito menor, por outro lado, os cidadãos comuns, especialmente em áreas com menos recursos e menos acesso à informação, consideram que eles são os máximos benfeitores. Aumenta o gasto, as contas se desequilibram, mas Bolsonaro alcança um crédito político inesperado, já pensando em uma possível reeleição em 2022.
E isso que o investimento é claramente insuficiente, e a forma de pagamento escolhida pelo Governo Federal está causando caos em inúmeras agências bancárias por todo o país. Já foram beneficiados diretamente cerca de 67 milhões de brasileiros, e outros 40 milhões ficaram com o processo de solicitação, realizado por meio de aplicativo móvel, cancelado ou bloqueado. Além disso, "o governo está fazendo algo cruel, algo perverso, adiando o pagamento das cotas já aprovadas até dezembro, apenas para poder dizer que a ajuda chegou até o final do ano", comentou Moroni no evento do Fórum Ana Fonseca.
Eduardo Suplicy, o histórico ideólogo da renda básica no Brasil e presidente honorário da Rede, sempre falou sobre a criação de um superfundo que poderia ir crescendo com injeções como os royalties da exploração de recursos naturais (petrolíferos, por exemplo) ou a desestatização de empresas. A renda básica permanente mais humilde, na opinião de Suplicy, poderia ser estabelecida com um orçamento de 248 bilhões de reais, o que é viável tendo em vista que nos últimos anos as desonerações tributárias das empresas ultrapassaram os 300 bilhões de reais em cada exercício.
Os ativistas pela renda básica universal são conscientes, como é José Antônio Moroni, de que se o programa Bolsa Família, que abarca entre 35 e 50 bilhões de reais atualmente, já irrita as elites brasileiras. O orçamento necessário para uma renda básica permanente levantaria mais bolhas ainda nas classes altas. Defendem, apesar das críticas, que urge a redistribuição de renda no Brasil.
“A população que deve financiá-la é de 5% dos cidadãos que acumulam 45% da riqueza nacional, e para isso é necessária a reforma tributária adequada”. Não querem, acima de tudo, que se arruínem os avanços sociais já alcançados no Brasil, que a implementação de uma renda básica universal e permanente seja utilizada em substituição aos serviços sociais básicos já existentes. Se negam, por fim, que sua luta resulte em que os moderadamente pobres financiem os tremendamente pobres.
O atual auxílio emergencial se traduz em 2% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, levando em consideração o PIB do ano passado. Calculado em relação aos dados do PIB nesta crise de 2020, esse valor pode subir quase para 3%. A renda básica permanente estaria em um nível ainda mais alto. “Não depende apenas de taxar as grandes fortunas”, indicou Leandro Ferreira, na conferência com o Fórum Ana Fonseca, mas de estudar estratégias a partir do momento em que se preenche e apresenta a “declaração de imposto de renda”. A redistribuição poderia começar a partir daí diretamente, se o mecanismo fosse regulamentado e executado do ponto de vista da justiça social e da reparação.
“O programa é caro?”, perguntava-se Moroni. “Caro comparado a quê? Parece que tudo o que é pensado para a área social é caro. Para manter o real em um determinado patamar em relação ao dólar, são empenhados muitos recursos públicos e isso não é considerado caro”.
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A insuficiência do auxílio emergencial no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU