Uma Igreja que sabe falar ao mundo. Artigo de Enzo Bianchi

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13 Dezembro 2025

"Cristo é a única e verdadeira esperança dos discípulos e de todo o cosmos. Ele é a fonte da nossa esperança, que, na sua extrema impotência, é a esperança da ressurreição dentre os mortos. Se Cristo ressuscitou dentre os mortos, todos nós ressuscitaremos depois dele", escreve Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por Vita Pastorale, 10-12-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Neste período intermediário entre a Terceira Assembleia Sinodal da Igreja na Itália, que aprovou o Documento Final com as proposições a serem apresentadas aos bispos para cuidadoso discernimento, e com a autoridade apostólica que lhes compete para aprová-las ou rejeitá-las, parece oportuna uma reflexão sobre a esperança, que o Papa Francisco quis não apenas como lema, mas como atmosfera a ser sentida no Sínodo e na Igreja universal. O tema é muito significativo, e Monsenhor Rino Fisichella deu uma excelente contribuição à interpretação da mensagem papal, indicando trilhas a seguir para a prática dessa virtude teologal.

Eis, então, mais uma meditação que busca ressaltar a importância crucial da esperança dos cristãos na busca por uma Igreja diferente, uma Igreja que sabe falar ao mundo. Na noite escura que estamos atravessando, se não tivéssemos esperança, até mesmo a nossa fé seria frágil e fraca.

Acabaram-se os anos em que a ciência e a tecnologia nos prometiam previsões positivas sobre as tendências geopolíticas, financeiras, democráticas, de saúde... Agora, enfrentamos a dolorosa experiência da impotência diante das contingências da vida frágil, assolada pela sede de poder e pela ganância por riqueza. A ação política hoje se mostra muito difícil além de confusa: há uma desconfiança generalizada, um desejo de prevaricação, agressividade cotidiana. Sim, nosso mundo vive uma época caracterizada pela instabilidade, vontades políticas não convergentes e fragmentárias.

Por isso, alguns me disseram: "A esperança morreu!". Mas a esperança só pode morrer se a humanidade também morrer. E enquanto houver seres humanos, haverá resistentes, haverá sentinelas e vigias noturnos capazes de nutrir esperança contra toda esperança.

Muitos não entenderão, mas para ler, compreender e falar sobre a esperança cristã, eu continuo convicto de que isso deve ser feito a partir do Evangelho, ou seja, de Jesus Cristo. Sim, porque Jesus é a esperança.

É verdade, temos muitas passagens nos Evangelhos que se referem a palavras de esperança proferidas por Jesus, mas nem sempre temos a coragem de dizer que Jesus Cristo, além de proferir palavras de esperança, é em si mesmo esperança; mais do que proferir palavras de vida, é vida! Ora, nos Evangelhos, onde nos é dada em Jesus Cristo a única imagem sem véus de Deus, percebemos que Ele, que desceu do céu por meio da Encarnação e se tornou humano, igual a nós em todos os sentidos, jamais cedeu à tentação de viver segundo uma negação ilusória da realidade. Ele, de fato, via a dificuldade que a condição humana lhe apresentava sem exceções, mantendo aberta uma porta para a possibilidade de ser suspenso por um evento de bem, por uma boa força que procedia de Deus.

A esperança é uma fresta, nem sempre a vemos, mas devemos sempre acreditar que ela existe e que está destinada a expandir-se, a tornar-se uma janela por onde passa a luz. Onde houver um homem ou uma mulher, a esperança não pode morrer, a menos que ocorra um suicídio: primeiro da esperança, depois do corpo! Contudo, bastaria que uma mão vinda do alto ou de baixo abrisse uma brecha de luz que alcançasse até onde há trevas mortais, para dar razões para continuar a respirar. Entre nós, judeus e cristãos, não deveríamos jamais esquecer que, diante do Mar Vermelho, ninguém acreditava que se pudesse atravessá-lo sem molhar os pés, ninguém pensava que chegaria à outra margem, mas quando os filhos de Israel ousaram pôr os pés no mar e caminhar segurando-se pelas mãos, se viram na outra margem e cantaram cheios de alegria o Cântico do Mar (cf. Êxodo 15). É por isso que olhamos para Cristo: "Cristo em vós, a vossa esperança" (cf. Col 1,27). Essa não é apenas uma afirmação cristológica decisiva, mas também testemunha que Jesus era a esperança daqueles que o encontravam em sua vida, daqueles que o escutavam na pregação do Reino.

Basta fazer referência ao seu olhar, pois é precisamente no olhar de uma pessoa que a presença da esperança se torna perceptível. O olho que tem esperança é um olho aberto, sempre vigilante. Por isso, onde via um campo de trigo maduro, Jesus percebia a imagem de uma colheita escatológica próxima; onde via um rebanho disperso pelas colinas, via a sua comunidade errante sem pastores; onde outros se deslumbravam com as pedras do templo, Jesus previa a sua destruição; onde se realizavam os solenes pontificados do templo, via uma pobre viúva que deixava todos os seus bens no tesouro do templo. Da mesma forma, onde os sacerdotes viam uma prostituta, ele sabia ver uma mulher capaz de santidade, onde os religiosos viam pecadores públicos, Jesus via discípulos em potencial, os primeiros admitidos ao Reino...

Quantas vezes Jesus diz àqueles que vêm a Ele, enviando-os de volta: "Vai, a tua fé te salvou!" Palavras vertiginosas, onde a esperança no poder do Espírito Santo transforma um homem, uma mulher, em uma nova criatura. O olhar de Jesus não é apenas missionário, capaz de escolher e chamar, mas sobretudo é um olhar de misericórdia, que desperta a esperança: destrói tudo o que é trevas e prisão. Jesus se torna "aquele que mostra o caminho" da esperança para todos os seus discípulos, e os conduz pouco a pouco a compreender a esperança das esperanças, a Ressurreição!

A esperança pode tornar possível o que aos homens parece impossível.

Na hora da angústia e da desolação, quando fomos caluniados e repudiados por todos, quando os amigos se afastaram e parece que fomos entregues pelos nossos companheiros mais próximos à destruição, talvez por quem nos traiu, o fiel companheiro que partilhava o pão conosco à mesa, podemos protestar a Deus até lançar invectivas contra ele. Vemos o seu rosto como o rosto de um inimigo, que não nos olha, que nos lança nas trevas, que nos ataca como um urso... Por que, Senhor? Onde estás? Quem reza assim constrói uma imagem perversa do rosto de Deus e justifica o seu choro e seu protesto. Mas, precisamente porque "é bom esperar em silêncio pela resposta do Senhor", devemos, em vez disso, aprender a "ficar quietos", a esperar, porque Deus intervirá. Todos os que oram e que experimentaram a tribulação da ausência de Deus dizem isso. Pouco a pouco compreendem que não era Deus que estava mudo, como eles pensavam (uma blasfêmia!), mas eram eles que estavam surdos à sua Palavra.

E aprendem que Deus fala no silêncio, e que no silêncio está mais perto do que nunca! Durante a subida a Jerusalém, Jesus anuncia três vezes aos seus discípulos a necessidade da paixão e morte, eventos estreitamente ligados à Ressurreição, à intervenção do Pai, que chamará o seu Filho amado dentre os mortos: "O Filho do Homem deve padecer muitas coisas, ser crucificado e ressuscitar ao terceiro dia!" Uma esperança que os discípulos sentiam aflorar nos lábios de Jesus, mas que por ora não compreendiam. Mas com o alvorecer do terceiro dia, o anúncio da Páscoa ressoa entre as mulheres discípulas, e desde então, a esperança triunfa num cântico paralelo ao Cântico do Mar: "É verdade! O Senhor ressuscitou e já apareceu a Simão! " (Lucas 24,34).

Cristo é a única e verdadeira esperança dos discípulos e de todo o cosmos. Ele é a fonte da nossa esperança, que, na sua extrema impotência, é a esperança da ressurreição dentre os mortos. Se Cristo ressuscitou dentre os mortos, todos nós ressuscitaremos depois dele. Essa é a esperança cristã: a morte será vencida, o Reino será aberto, habitaremos na Jerusalém celestial em comunhão com os santos, e Deus será tudo em todos! Essa esperança de que a morte não é a última palavra é a diferença cristã em relação aos outros homens: comunicar-lhes esperança significa comunicar que o amor por eles vividos vence a morte; devem estar sempre cientes disso.

Isso me parece ser a única dívida, a única mensagem que nós podemos oferecer, se for acolhida, aos não-cristãos. E podemos oferecê-la não apenas anunciando o amor, mas amando concretamente. Ousamos tão pouco amar! Tão pouco que o amor não é crível e, portanto, incapaz de vencer a morte. Mas a esperança é dom do Espírito Santo: em sua kenosis nos corações dos homens, abre uma fresta de luz, dissipa as trevas e permite que germine a esperança da ressurreição, da vida eterna.

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